Comparar
a Guerra do Iraque com o reservatório mundial de água
doce pode parecer insanidade, porém diferentes causas podem levar
às mesmas conseqüências. Sabe-se hoje que apesar de
um bem renovável, a água também pode ser finita,
ao contrário do que durante muito se acreditou.
Vivemos em um planeta onde o número de habitantes cresce assustadoramente,
em 1800 éramos 1 bilhão de pessoas e já no ano
2000 atingíamos o sexto bilhão. Ao prometer quatro refeições
por dia a todos os brasileiros, será que nosso presidente sabe
que se todas a pessoas do mundo tivessem três alimentações
balanceadas todos os dias, a água que temos disponível
não seria suficiente para produzir alimento para todos?
Ao atingirmos oito bilhões de habitantes em 2030, segundo estimativas,
necessitaríamos de aumentar a produção de alimentos
em mais de 50%. Isso representa um impacto imensurável, uma vez
que 70% de toda água consumida no mundo vai para a agricultura.
Acredita-se que para a produção dos alimentos que consumimos
diariamente, são necessários 400 litros de água/pessoa.
É difícil, acreditar que ainda não visualizemos
a importância da água, que de tão presente em nosso
dia a dia, não imaginamos viver sem ela. Assim, como uma locomotiva,
a água se bem utilizada, é responsável pelo transporte
do desenvolvimento, porém se mal pode levar a estados de calamidade,
principalmente para a população. Em um mundo capitalista,
esquecemos que a água tem como objetivo básico hidratar
e alimentar seres humanos, pois necessitamos desta para a manutenção
de nossas funções vitais. Porém não é
difícil notar que a água nem sempre escoa para suprir
necessidades, mas muitas vezes para atender a interesses. Uma visita
realizada ao Imperial Valley, mais precisamente na divisa dos estados
americanos do Arizona e California e em seguida à Represa Presa
Los Hermanos, na cidade de Mexicalli, no México, pode entender
perfeitamente o significado de dizer que “a água é
finita”. Na Califórnia encontramos a gigantesca obra do
All American Canal, cruzando o deserto e derivando grande parte da água
do rio Colorado daquela região (320 mil m3 de água por
ano). Apresenta dimensões gigantescas, 130 km de extensão,
100 metros de largura por 6 de profundidade, fornecendo água
ao Imperial e Coachella Valley (Califórnia) e Yuma (Arizona),
permitindo a irrigação de 280.000 hectares e também
garantindo a sobrevivência de mais nove cidades em pelo deserto.
Se cruzarmos a fronteira com o México, uma cena marcante, o rio
Colorado simplesmente seca, isso a uns 400 km antes de encontrar o Oceano,
ou seja, esta água nunca é reposta.
Problemas como este não são novidades em países
desenvolvidos como os Estados Unidos, que pesquisam a muitos anos alternativas
para a conservação de água e o estudo de prováveis
fontes. Como exemplo, basta buscar a origem de parte da água
que abastece Los Angeles e San Diego, vinda de mais de 900 kilômetros
de distância e proveniente do derretimento das geleiras.
No caso do México, é visível o impacto devastador
que a falta de água causou na região, principalmente na
agricultura. Plantações sofrendo com a falta de água,
ou águas salinas, forçam o governo local a investir em
pesquisas que indiquem meios alternativos de produção
com pouca água, isso para uma região que é cortada
pelo rio Colorado, onde a água não deveria ser um problema.
E a Guerra do Golfo, será que é por petróleo ou
este esconde outro bem precioso: a água? A Mesopotâmina,
berço da civilização e da agricultura, entre os
rios Tigre e Eufrates, esconde uma área em que em duas décadas
85% das suas terras antes úmidas, simplesmente viraram desertos.
Em terras brasileiras, o problema muitas vezes nem é a falta,
mas as vezes o excesso de água, porém de água em
condições não apropriadas para o consumo. Problema?
Claro, estão se esgotando as nossas fontes de água doce
limpa, o que já impede a sobrevivência da população
e o desenvolvimento de regiões. Por quê isso? Descaso,
muitas vezes da população que polui de maneira descontrolada,
porém faltam prioridades políticas, quanto à questão
de saneamento básico e tratamento de efluentes urbanos e industriais.
De acordo com a UNESCO, uma pessoa dever ter no mínimo para sua
sobrevivência, 50 litros de água limpa por dia, portanto
sabemos que isto nem sempre acontece. Enquanto uns nada tem, outros
esbanjam, praticando o desperdício.
Questiona-se a condução do principal programa do atual
governo, o “Fome Zero”, mas, como se pode estar nutrido
se ao mesmo tempo estão desidratados? Será que o “SEDE
ZERO” não deveria ter também grande destaque, para
garantir o mínimo de água necessário para a sobrevivência?
E a guerra do Iraque, como fazer uma analogia com o problema da água?
Sabemos que o Brasil possui em seu território uma dos maiores
reservas de água doce superficial do mundo e seria de bom tom
se toda a classe política, bem como a sociedade civil organizada
começasse a se engajar em trabalhos de conscientização
do uso adequado da água. Que tal então pensarmos: “Água:
sabendo usar, não vai faltar!”
Jornal
Regional, Dracena, Ano XV, n. 3.253, 03 de maio de 2003, p.04
Jornal A Voz do Povo, Ilha Solteira, Ano III, Número 128, 19
de abril de 2003, p. 06
Luis
Augusto S. Domingues, Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Agronomia
na UNESP Ilha Solteira.
Fernando Braz Tangerino Hernandez, Engenheiro Agrônomo
pela UNESP Jaboticabal, Doutor em Irrigação pela ESALQ-USP
e Professor da Área de Hidráulica
e Irrigação da UNESP Ilha Solteira. |