EM RECUPERAÇÃO, MATA CILIAR REVIVE RIO PRETO

 

Alexandre Gama

Depois de ser praticamente extinta na década de 80 por causa da ação indiscriminada do homem com pastagens e hortas, a mata ciliar do rio Preto está em recomposição. Dessa forma, vem contribuindo para a purificação e aumento no volume da água do rio, evitando o assoreamento, melhorando o clima da cidade e servindo de abrigo para espécies de aves e animais nativos. Atualmente, biólogos classificam a cobertura vegetal do rio Preto como em estágio inicial de recuperação.
Sua composição é de cerca de 70% de espécies pioneiras, que são as plantas que surgem na primeira fase da recuperação. A regeneração ocorre há pelo menos 20 anos. O trecho do curso d’água que apresenta recuperação da mata mais evidente é aquele após o encontro com as águas do Piedade, na região da Vila Elmaz e Jardim Helena. Apesar do rio estar tomado pela poluição, causada pelo despejo de esgoto in natura e lixo doméstico, na mata ao seu entorno é possível encontrar espécies nativas, como ingás, açoita-cavalo, jenipapo, sangra-d’água, embaúba e outras.

Algumas medidas foram adotadas pela Polícia Ambiental, com objetivo de contribuir para a recuperação da vegetação nativa, como o cercamento da área com arame farpado, que impede a entrada de gado, a retirada de hortas e as ocupações clandestinas. O gado é um dos principais destruidores da vegetação. Ao pastar, os animais pisoteiam o solo, matando e impedindo o crescimento de árvores e plantas. A recuperação da vegetação é confirmada pelo tenente Olivaldi Azevedo, comandante da Polícia Ambiental de Rio Preto. “Não é o ideal ainda, mas posso dizer que a mata nesse trecho, após o Piedade, está em um nível de recuperação muito bom”, diz. “Fizemos um
trabalho de remoção das hortas e pastagens do local. Alguns proprietários foram autuados e outras foram retiradas por meio de negociação”, afirma o tenente, que diz que a fiscalização acontece, em média, uma vez por mês.

A recuperação da vegetação do rio Preto já entra em uma segunda fase. O desenvolvimento das espécies pioneiras propiciam sombra e umidade a um banco de sementes que fica “hibernado” no solo. Dessa forma, esse banco é reativado e já começam a aparecer na área espécies secundárias como tapirira (Tapirira guianensis), marinheiro (Guarea guidonea), pimenta-de-macaco (Xylopia aromatica), além das plantas herbáceas, como o lírio-do-brejo (Hedychium coronarium). “Condições favoráveis como sombra, umidade, nutrientes e camada orgânica, oferecidas pelas espécies pioneiras da mata, deixam o ambiente propício para o surgimento de espécies secundárias”, explica a bióloga Valéria Stranghetti, coordenadora do Núcleo de Estudos Ambientais (NEA) da Unirp.
A mata do rio Preto é considerada secundária por já ter sofrido ação do homem. Trechos intocados da Amazônia, por exemplo, são considerados primários. “A mata do jeito que está mostra um processo de recuperação muito grande”, diz a pesquisadora. Além da flora, a fauna aos poucos se recompõe e dá nova vida a um trecho antes condenado do rio Preto. Tucanos, gaviões, ratos do banhado, roedores, sapos, cobras e outros animais voltaram a habitar e freqüentar o trecho, segundo relatos de moradores do local. “Os frutos e as flores das árvores nativas atraem a fauna, como as aves, que contribuem para polinizar e espalhar as sementes por meio da defecação”, diz a bióloga, com doutorado em botânica pela Unicamp e especialista em matas ciliares. Uma multa aplicada pela Polícia Ambiental à Prefeitura de Rio Preto é outro fator que contribuiu para a recuperação gradual da mata, porque levou a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Poder Público Municipal, a promotoria do Meio Ambiente e Polícia Ambiental.

Autoproteção
A Secretaria de Meio Ambiente de Rio Preto diz que nenhuma ação pontual, como o reflorestamento, foi feita para recuperar a mata do local. “Ela se recuperou sozinha”, diz o secretário de Meio Ambiente, José Carlos de Lima Bueno. Bueno aponta dois motivos que considera os responsáveis pela recuperação do trecho de mata ciliar do rio Preto. O primeiro é a legislação de parcelamento do solo, de 1984, que determina uma faixa de 150 metros do rio para a construção e intervenções urbanas. “Com isso, houve uma recuperação natural, pois a área passou a ser preservada”, diz o secretário. O segundo motivo para a recuperação da mata apontado por Bueno é no mínimo curioso. “Como o rio é poluído e tem um mau-cheiro tremendo, ninguém chega perto. É como uma auto-proteção do rio”, afirma.

LEIS AMBIENTAIS PROTEGEM MARGENS
A legislação ambiental determina que um rio como o Preto deve ter área protegida, livre da intervenção humana, de 150 metros a partir do leito, sem hortas e currais. Apesar da lei em vigor, com punição de seis meses a uma ano de detenção e multas que podem chegar a R$ 7,5 mil, a reportagem do Diário constatou que montes de entulho são despejados próximos ao leito do rio. “O entulho compacta o solo, impedindo o crescimento da vegetação”, diz a bióloga Valéria Stranghetti. Outra conseqüência da ação do homem são os trechos tomados por erosões e cascalhos, o que também impede a proliferação da vegetação.
O tenente da Polícia Ambiental Olivaldi Azevedo diz que tem conhecimento do despejo clandestino de entulho na área, mas que é difícil flagrar os infratores. “Nessas áreas pequenas, o entulho é despejado rapidamente por carroceiros, que logo desaparecem. Isso torna difícil a fiscalização”, admite Azevedo. Mesmo com a legislação ambiental e de parcelamentro do solo que protege as matas ciliares, e com as fiscalizações de rotina da Polícia Ambiental, a ação depredatória do homem ainda pode ser flagrada no local. Diversos despejos clandestinos de esgoto são vistos ao longo do curso d’água. O lixo está presente nas margens e presos às galhadas das árvores. Algumas hortas e currais também são vistos próximos às margens, o que compromete a recuperação e desenvolvimento da mata ciliar.

DESCUIDO INCOMODA MORADOR
Nas margens do rio Preto, a ausência de manutenção como corte do mato, construção de calçadas e tratamento de esgoto, aliada à falta de consciência ambiental da população, faz com que moradores das áreas próximas à mata ciliar disparem uma série de críticas à Prefeitura. E até mesmo à natureza. É o caso do aposentado Fioravante Russini, que mora há 22 anos na Vila Elmaz.
A reclamação dele é relacionada ao mau-cheiro causado pelo esgoto despejado no rio e à quantidade de pernilongos e outros bichos que existem na área. “Tem um monte de cano de esgoto arrebentado aqui. Quando a gente está comendo bate aquele mau-cheiro. E para dormir então? Ninguém consegue por causa dos pernilongos que infestam esse lugar”, diz.
O aposentado afirma que, se pudesse, cortaria toda a mata e plantaria grama, como era há alguns anos, quando chegou ao bairro. “Antigamente não tinha essa floresta (referindo-se a mata ciliar). Só não faço isso (cortar tudo) porque depois vem multa da Polícia Ambiental.” O morador chegou a ter horta e gado na margem do rio, há cerca de 20 anos. Foi obrigado a tirar a criação e interromper o plantio. “A indignação dos moradores reflete a falta de atendimento do Poder Público”, avalia a bióloga Valéria Satranghetti. Ela acompanhou a equipe do Diário até o local e constatou a recuperação da mata ciliar do rio Preto.
Valéria sugere medidas como colocação de alambrados separando a mata, construção de calçadas e fiscalização maior em relação ao despejo clandestino de esgoto, lixo e entulho, para amenizar as críticas e solucionar os problemas. “Se eu morasse aqui, também reclamaria”, diz. Para ela, o ideal seria um trabalho conjunto entre universidade, Polícia Ambiental, Prefeitura e comunidade, em prol do ambiente.

 



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