IRRIGAÇÃO E
RECURSOS HÍDRICOS

 
Aureo Silva de Oliveira e Eugênio Ferreira Coelho (*)
A pressão mundial pelo combate à fome é um estímulo à agricultura irrigada, mas a crescente competição pelo uso da água e a degradação ambiental podem impor sérios limites.
Na agricultura moderna, iniciada há trinta anos com a Revolução Verde, a irrigação tem desempenhado papel indispensável ao incremento da produtividade de culturas básicas, como as graníferas. Ela possibilitou o desenvolvimento econômico de muitas regiões, na medida em que permitiu incorporar novas áreas ao processo produtivo, garantindo o abastecimento interno e ampliando as exportações de produtos agrícolas.
No Brasil, a irrigação tem sido uma resultante de demandas sociais e políticas, que, por sua vez, oscilam conforme as variações climáticas. 
Em decorrência dessas demandas, foram implementados diversos programas governamentais de
desenvolvimento da agricultura irrigada no País, nos últimos 20 anos. No início da década de 80, criaram-se o Programa Nacional de Várzeas Irrigáveis (Provárzeas) e o Programa de Financiamento a Equipamentos de Irrigação (Profir), que resultaram num incremento de um milhão de hectares às áreas irrigadas do Brasil, entre 1986 e 1988. A partir daí até 1995, foram incorporados 263 mil hectares irrigados ao processo produtivo, incentivados pelo Programa Nacional de Irrigação (Proni). 
Dos projetos de irrigação iniciados nesse período, vários não chegaram a ser terminados, ficando toda a capacidade instalada ociosa, como é o caso dos projetos de irrigação de São Bernardo (MA) e Tabuleiros Costeiros (PI). Recentemente, o Governo, junto com a iniciativa privada, através de programas de desenvolvimento de âmbito geral, vem retomando a preocupação de consolidar, pelo menos, parte de projetos potencialmente importantes, mas ociosos ou inacabados.
Da área cultivada no mundo, 1/6 é irrigada e responde por 1/3 da produção global de alimentos. Esse dado é bastante significativo, considerando que atualmente 840 milhões de pessoas não têm o suficiente para comer, e que, num futuro próximo (2025), serão mais de 2 bilhões, segundo recente publicação do Banco Mundial. Em contrapartida, em nível global a agricultura irrigada demanda em média 72% dos recursos hídricos disponíveis, com os setores industrial e doméstico demandando em média 19 e 9%, respectivamente. No Brasil a irrigação tem crescido rapidamente, constituindo hoje um importante segmento da economia, que movimenta por ano milhões de dólares de investimentos públicos e privados. No entanto, o crescimento não tem sido planejado e a capacidade de suporte dos mananciais não tem sido adequadamente avaliada.
Portanto, o desafio que se apresenta, nesta era de globalização e rápidas mudanças, é como garantir o necessário aporte de água para agricultura, em face da crescente competição com os outros setores da economia. Além da competição, a poluição e a degradação ambiental, como o assoreamento de rios e reservatórios, e o uso indiscriminado de pesticidas, se ainda não o fizeram, poderão futuramente inviabilizar o aproveitamento dos mananciais superficiais e subterrâneos, em toda a sua potencialidade. Esse é um grave problema no Brasil, afetando importantes cursos d'água, como o rio Araguaia e o rio São Francisco. Neste ponto, muito pouco ou quase nada tem sido feito por parte dos governos federal e estadual, para reverter essa triste realidade. 
A possibilidade de uma crise mundial no abastecimento de água tem sido objeto de preocupação de
governos e instituições internacionais de fomento e pesquisa. Segundo um recente alerta do Instituto
Internacional de Manejo da Água (IWMI), no Sri Lanka, mais de 2 bilhões de pessoas sofrerão severa
escassez de água, por volta do ano 2025. Essa realidade, se confirmada, poderá colocar em risco a paz entre as nações, especialmente na Ásia e no Oriente Médio. O presidente Kaddafi, da Líbia, afirmou que "a próxima guerra no Oriente Médio será sobre a partilha dos suprimentos de água". O Egito já afirmou que irá à guerra, se necessário for, para proteger seus recursos hídricos.
O maior e mais imediato impacto da escassez de água será sobre o suprimento de alimentos dos países pobres. Para atender à demanda mundial de alimentos em 2025, a agricultura irrigada deverá dispor, segundo o IWMI, de um suprimento de água 60% maior do que o atual. Mesmo se houver um significativo aumento na eficiência de irrigação, de 13 a 17%, mais água será necessária, e ainda assim 2,7 bilhões de pessoas sofrerão com a deficiência do líquido. Segundo o IWMI, alternativas para minimização do problema terão que ser acionadas, tais como: aumento na produtividade, por unidade de evapotranspiração;intensificação na reutilização de águas servidas, tanto no campo como nos centros urbanos; controle de salinidade e de poluição, e redirecionamento da água de irrigação de culturas de mais baixo para mais alto valor comercial. 
Na Região Nordeste do Brasil, cerca de 550 mil hectares ao longo do Rio São Francisco, entre Pirapora e Paulo Afonso, e os 200 mil hectares às margens do rio Parnaíba poderão, num futuro próximo, ser incorporados a área irrigada do País. Há ainda cerca de 200 mil hectares, também possíveis de se tornarem produtivos, se dezenas de projetos públicos forem finalizados ou reestruturados. Toda essa área situa-se em pelo menos 14 pólos estratégicos de desenvolvimento agrícola, indo desde o norte de Minas até o norte do Maranhão, tais como os do norte de Minas, de Barreiras, Petrolina/Juazeiro, do Baixo Parnaíba, da Baixada Ocidental Maranhense, além de outros, onde a agricultura irrigada prevalece sobre a agricultura de sequeiro.
A incorporação dessas áreas à agricultura irrigada significa maior uso de água e maior sangria dos recursos hídricos. Um outro grave problema é que os irrigantes, em sua grande maioria, não estão adequadamente instruídos para usar com eficiência a tecnologia da irrigação. Prevalece ainda a falsa idéia de que quanto mais água for aplicada, melhor para a planta. A ignorância com relação aos métodos de manejo da irrigação, às necessidades hídricas das culturas e à operação dos equipamentos tem levado a uma aplicação, ora excessiva, ora deficitária de água, contribuindo para o desperdício e o baixo rendimento das culturas. 
Por outro lado, ações positivas têm sido tomadas, como a implantação de Programas de Outorga e Uso da Água, por diversos estados do Brasil. Tais ações objetivam um controle mais efetivo sobre a exploração dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos. Esse controle, no entanto, é ainda incipiente, pois uma vez aprovada a outorga, não há garantias de que o irrigante usará efetivamente aquela quantidade permitida. 

(*) Aureo Silva de Oliveira é professor adjunto do Departamento de Engenharia Agrícola da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia; Eugênio Ferreira Coelho é pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura