IRRIGAÇÃO: "SOCIEDADE PODERÁ SOÇOBRAR NA NOSSA POBREZA"



          Hugo Napoleão, governador do Piauí, esclarece que "nosso Estado é beneficiado pelo rio Parnaíba, e por mais três mil quilômetros de rios perenes, ao longo dos quais há áreas imensas onde facilmente poderiam ser desenvolvidos projetos de irrigação. Além disso, dispomos de um lençol subterrâneo vastíssimos, razão pela qual o projeto de transposição do rio São Francisco beneficia somente uma área de semi-árido a Sudeste e Nordeste do Estado. Mas precisamos de recursos para desenvolver nossos projetos com nossa própria água. 
          O governador de Sergipe, João Alves Filho, não se conforma com algumas iniciativas de Codevasf: "Em Propriá essa empresa do governo desapropriou 30 mil hectares, onde havia boa produção de arroz, sob a justificativa de que usaria a área para organizar um projeto de irrigação. Passara-se 15 anos, nada foi feito e a produção caiu, havendo revolta e miséria entre os desapropriados. Em São Gonçalo - prosseguiu - produzia-se muita banana e hortaliças, maas o DNOCS acabou com tudo. É evidente que não podemos concordar com isso e tenho a certeza de que nada disso ocore aqui nos Estados Unidos. Digo mais, uma visita como esta deveria ser compulsória para todos que exercem cargos com poder d decisão nos órgãos criados para combater as secas do Nordeste e promover a irrigação". Alves Filho mencionou o caso da Índia, onde 3% do Produto Nacional Bruto, por lei, são aplicados na irrigação, conseguindo-se assim elevar para 50 milhões de hectares a área irrigada, com um aumento anual da ordem de dois milhões de hectares irrigados no País todo. Com um trágico agravante: no Nordeste, onde se deveriam concentrar essas obras, há nada além de uns 20 mil hectares irrigados. Isso, quando temos essa bênção dos céus que é o rio São Francisco e todos os grandes açudes, como Orós, Curemas, Mãe D'Água, com suas terras marginais criminosamente relegados ao abandono. "Essa situação - diz João Alves Filho - justificaria até mesmo um pacto ente todos os governadores do Nordeste em favor da aplicação maciça de recursos federais e estaduais na irrigação, mediante planos criteriosos que dessem prioridade ao uso da água já acumulada e ociosa nos açudes. Estou certo de que o Midland e outros bancos estrangeiros, como também o Bamerindus e outros bancos nacionais , estão enxergando a potencialidade da agricultura irrigada do Nordeste, onde 50% da população de 35 milhões de pessoas vivem num estado de pobreza quase absoluta. Ou revertemos essa situação com ações de grande envergaduram, ou a democracia , a livre empresa, os bancos nacionais e estrangeiros soçobrarão no naufrágio das instituições, desarticuladas pela revolução cega das massas enlouquecidas pela fome e pelo sofrimento. Antes voltamo-nos para obras de emergência - prossegue Alves - , hoje sabemos que estas não resolvem e que precisamos de obras definitivas, que multipliquem riquezas como aqui na Califórnia e no Arizona". Quanto ao projeto de transposição das águas do São Francisso, o governador de Sergipe disse que "o vale desse rio providencial tem três milhões de hectares irrigáveis, que devem ser aproveitados com prioridade. O projeto deve ser estudado com cuidado, de molde a se alcalçar um balanceamento entre vazões em todos os trechos do rio para que não se compremeta a geração de energia elétrica e se assegure as contribuições a juzante da tomada d'água. Tecnologicamente é possível essa conciliação, feita nos moldes dos projetos do Bureau of Reclamation, que não prejudicam quem quer que seja, somente beneficiam a coletividade como um todo. Precisamos realizar um debate a nível nacional, inclusive no Congresso, para que as decisões sejam justas". 
          O governador da Paraíba, Wilson Braga, também considera que a prioridade na aplicação de recursos deve ser definitiva em favor do aproveitamento da água já acumulada nos açudes. "Numa segunda estapa seria feito o suprimento desses mananciais com água obtida pela transposição do rio São Francisco, de maneira a manterem-se as superfícies de evaporação ideais, recomendadas pelos estudos técnicos, para se obter o rendimento máximo das águas acumuladas nos períodos de chuva e daquelas trazidas do rio São Francisco. "Além disso - prossegue Braga - , o projeto deve ser integral, semelhante a tantos bons trabalhos realizados aqui nos Estados Unidos pelo Bureau of Reclamation, desenvolvendo a irrigação e comercialização de produtos agrícolas, o abastecimento das cidades e o reflorestamento. Desejo assinalar com ênfase que esse aspecto da comercialização é essencial, pois sem ele não adianta aplicar recursos nas obras de irrigação, porque teremos reproduzidos os episódios anuais que estamos acostumados a presenciar no médio São Francisco, onde se joga cebola fora por falta de comprador, e no Maranhão, onde o arroz apodrece porque não há escoamento nem mercado". Wilson Braga denuncia uma situação absurda: "Temos cerca de 80 mil hectares no semi-árido das bacias dos rios Peixe e Piranhas, até encontrar o sistema Açu do Rio Grande do Norte, mas desses somente dois mil hectares estão irrigados em tímidos projetos do DNOCS". Prossegue afirmando que com os "três bilhões de metros cúbicos já acumulados nesse sistema Peixe-Piranha, nos grandes açudes Curemas, Mãe D'Água, São Gonçalo e outros, já poderíamos estar irrigando permanentemente no mínimo 20 mil hectares, o suficiente para abastecer de alimentos todo o Estado da Paraíba". As graves denúncias de Wilson Braga continuam com as afirmações de que "o sistema de açudes Curema-Mãe D'Água tem 1,5 bilhão de metros cúbicos de água acumulados, mas nem um só hectare irrigado, porque nunca houve preocupação do DNOCS de realizar projetos integrados de uso da água". E exclama com desalento: "A água dos açudes do Nordeste serve apenas para agradar os olhos". Respondendo a uma pergunda a respeito da transposição do rio São Francisco, o governador da Paraíba disse que "somos contra a assinatura de qualquer contrato de obra de transposição sem que concomitantemente se assegure, por esse mesmo contrato, o aproveitamento das águas dos açudes e as terras ociosas das margens do rio São Francisco".

Início da Página                                       O Estado de São Paulo , 12 de julho de 1984 - pág. 10