AUMENTO DA CARGA TRIBUTÁRIA ESTRANGULA A ECONOMIA

José Roberto Mendonça de Barros
Mônica Baer

Com o risco de descontrole da inflação na virada do ano, todas as atenções voltaram-se para o aperto da política monetária, que se iniciou em outubro do ano passado. Mas cabe lembrar que a equipe de Palocci, que se havia comprometido com a disciplina fiscal mesmo antes de tomar posse, também aprofundou o ajuste fiscal, elevando a meta do superávit primário de 3,75% para 4,25% do PIB para 2003.
Ambas medidas vinham na direção correta, dado o momento de transição e os riscos que essa implicava, ainda que possamos discutir a sua calibragem. Mas, à medida que a economia perde fôlego e diminui a arrecadação de impostos, que são dependentes do nível de atividade, a sustentação do ajuste fiscal exige ou cortes adicionais de gastos ou novos aumentos de impostos. Como há rigidez de gastos, tendem a aumentar os impostos. Esse processo, perceptível nas várias esferas de governo, pode dar um overkill na economia (contenção excessiva do produto), pois a carga tributária à qual a economia brasileira está submetida já é de 37% do PIB.
Na aprovação da MP 107 (maio 2003), o governo elevou a Cofins para as instituições financeiras de 3% para 4% e a CSLL para as empresas prestadoras de serviços, ao ampliar a base de cálculo de 12% para 32% do faturamento para aquelas que pagam IR por lucro presumido. Estima-se que o impacto dessas medidas seja da ordem de, pelo menos, R$ 2 bilhões de aumento na arrecadação já em 2003. No âmbito da reforma tributária o risco de aumento da carga tributária está mais do que claro, o que explica que a classe empresarial, nos últimos anos a maior defensora de uma reforma tributária, já se tornou a principal crítica da proposta que foi enviada ao Congresso. Como bem lembrou o articulista Ribamar Oliveira no jornal Valor, no artigo "O exemplo do PIS/Pasep" (30/6/2003), o governo, ao tirar a cascata desse imposto, substituindo sua incidência sobre faturamento por valor adicionado, elevou excessivamente a alíquota. Estima-se que, em termos reais, somente a arrecadação desse imposto suba de R$ 2 a 3 bilhões nesse ano. Se esse é o exemplo a ser seguido na reforma tributária, para tirar o efeito cascata de outros impostos, dá para entender por que a reforma não inspira nenhum tipo de confiança quanto à neutralidade da proposta.
Além disso, essa neutralidade é, no mínimo, questionável. Primeiro, na proposta introduz-se explicitamente progressividade em impostos como o imposto sobre herança, ITR (Imposto Territorial Rural) e ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis inter vivos), que, até o momento, têm alíquota fixa. Segundo, na homogeneização das alíquotas de ICMS, como os Estados atualmente praticam alíquotas diferenciadas e ninguém quer (e pode) perder arrecadação, a tendência é que o nivelamento seja feito pelo teto e não pelo piso.
Também há vários indícios de que os governadores, ao perceberem a "eficiência do Leão", trilham o mesmo caminho para aumentar sua arrecadação: reivindicam alguma participação na arrecadação da CPMF e da Cide, impostos menos sensíveis à variação do nível de atividade; querem ter liberdade para mudar a alíquota do ICMS que incide sobre alguns serviços, como energia elétrica e telecomunicações, que têm sido a base para tributação que mais cresceu nos últimos anos; e pretendem desvincular parte de suas receitas, como se fosse um DRU estadual, para ganhar maiores graus de liberdade na aplicação de seus recursos.
Além disso iniciam-se esforços para aumentar a arrecadação do ICMS a partir de novos fatos geradores. Esse é o caso da governadora Rosinha, que acaba de aprovar uma lei que aplicará uma alíquota de 18% de ICMS sobre a operação de extração de petróleo. O mesmo acontece no Estado do Pará, onde se propõe taxar com ICMS a exploração de minério pela CVRD, estimando-se que a arrecadação será de R$ 500 milhões em 2003. Diante da perda de arrecadação com o baixo nível de atividade, o risco de a moda pegar não é pequeno.

Os municípios também vêm seguindo essa lógica de aumentar sua arrecadação, basicamente de duas maneiras: informatizando o fisco local, o que permite combater a sonegação; e elevando alíquotas e instituindo novas taxas. O exemplo mais eloqüente é o da cidade de São Paulo, que, além de aumentar as alíquotas do IPTU, do ISS e da taxa de fiscalização de estabelecimentos, criou novas taxas, como a da iluminação pública, do lixo e está em discussão a do uso do subsolo e a da municipalização da concessão de água.

Sem abordar a questão do ponto de vista da administração pública, que não é o foco do que queremos discutir aqui, porque para isso inclusive teríamos de entrar no mérito da qualidade da arrecadação e da alocação dos recursos, o fato concreto é que, mesmo antes da aprovação da reforma, a carga tributária já está aumentando significativamente, estrangulando ainda mais os negócios, principalmente os de menor porte. Além disso, quanto maior é a carga tributária, maior é o estímulo à sonegação, ao contrabando, à falsificação e adulteração, sem contar o crescimento da "indústria" de liminares.

Que não sejamos interpretados de maneira errônea. Por princípio, somos a favor do combate à sonegação e da disciplina fiscal. Entretanto, a voracidade arrecadatória, que se instalou no governo federal desde 1998 para evitar um possível descalabro fiscal, em vez de arrefecer, infelizmente, vem fazendo escola na nova equipe econômica e nas outras esferas de governo. Estamos perdendo uma oportunidade única de refletir e pensar seriamente em um novo modelo tributário do ponto de vista das necessidades do crescimento e do desenvolvimento e estamos matando a galinha dos ovos de ouro!

José Roberto Mendonça de Barros é diretor da MB Associados Mônica Baer é economista da MB Associados




UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA