Com
o risco de descontrole da inflação na virada do ano, todas
as atenções voltaram-se para o aperto da política
monetária, que se iniciou em outubro do ano passado. Mas cabe
lembrar que a equipe de Palocci, que se havia comprometido com a disciplina
fiscal mesmo antes de tomar posse, também aprofundou o ajuste
fiscal, elevando a meta do superávit primário de 3,75%
para 4,25% do PIB para 2003.
Ambas medidas
vinham na direção correta, dado o momento de transição
e os riscos que essa implicava, ainda que possamos discutir a sua calibragem.
Mas, à
medida que a economia perde fôlego e diminui a arrecadação
de impostos, que são dependentes do nível de atividade,
a sustentação do ajuste fiscal exige ou cortes adicionais
de gastos ou novos aumentos de impostos. Como
há rigidez de gastos, tendem a aumentar os impostos. Esse processo,
perceptível nas várias esferas de governo, pode dar um
overkill na economia (contenção excessiva do produto),
pois a carga tributária à qual a economia brasileira está
submetida já é de 37% do PIB.
Na aprovação
da MP 107 (maio 2003), o governo elevou a Cofins para as instituições
financeiras de 3% para 4% e a CSLL para as empresas prestadoras de serviços,
ao ampliar a base de cálculo de 12% para 32% do faturamento para
aquelas que pagam IR por lucro presumido. Estima-se que o impacto dessas
medidas seja da ordem de, pelo menos, R$ 2 bilhões de aumento
na arrecadação já em 2003. No
âmbito da reforma tributária o risco de aumento da carga
tributária está mais do que claro, o que explica que a
classe empresarial, nos últimos anos a maior defensora de uma
reforma tributária, já se tornou a principal crítica
da proposta que foi enviada ao Congresso. Como bem lembrou o articulista
Ribamar Oliveira no jornal Valor, no artigo "O exemplo do PIS/Pasep"
(30/6/2003), o governo, ao tirar a cascata desse imposto, substituindo
sua incidência sobre faturamento por valor adicionado, elevou
excessivamente a alíquota. Estima-se que, em termos reais, somente
a arrecadação desse imposto suba de R$ 2 a 3 bilhões
nesse ano. Se esse é o exemplo a ser seguido na reforma tributária,
para tirar o efeito cascata de outros impostos, dá para entender
por que a reforma não inspira nenhum tipo de confiança
quanto à neutralidade da proposta.
Além disso,
essa neutralidade é, no mínimo, questionável. Primeiro,
na proposta introduz-se explicitamente progressividade em impostos como
o imposto sobre herança, ITR (Imposto Territorial Rural) e ITBI
(Imposto de Transmissão de Bens Imóveis inter vivos),
que, até o momento, têm alíquota fixa. Segundo,
na homogeneização das alíquotas de ICMS, como os
Estados atualmente praticam alíquotas diferenciadas e ninguém
quer (e pode) perder arrecadação, a tendência é
que o nivelamento seja feito pelo teto e não pelo piso.
Também há
vários indícios de que os governadores, ao perceberem
a "eficiência do Leão", trilham o mesmo caminho
para aumentar sua arrecadação: reivindicam
alguma participação na arrecadação da CPMF
e da Cide, impostos menos sensíveis à variação
do nível de atividade; querem ter liberdade para mudar a alíquota
do ICMS que incide sobre alguns serviços, como energia elétrica
e telecomunicações, que têm sido a base para tributação
que mais cresceu nos últimos anos; e pretendem desvincular parte
de suas receitas, como se fosse um DRU estadual, para ganhar maiores
graus de liberdade na aplicação de seus recursos.
Além disso iniciam-se esforços para aumentar a arrecadação
do ICMS a partir de novos fatos geradores. Esse é o caso da governadora
Rosinha, que acaba de aprovar uma lei que aplicará uma alíquota
de 18% de ICMS sobre a operação de extração
de petróleo. O mesmo acontece no Estado do Pará, onde
se propõe taxar com ICMS a exploração de minério
pela CVRD, estimando-se que a arrecadação será
de R$ 500 milhões em 2003. Diante da perda de arrecadação
com o baixo nível de atividade, o risco de a moda pegar não
é pequeno.
Os municípios também vêm seguindo essa lógica
de aumentar sua arrecadação, basicamente de duas maneiras:
informatizando o fisco local, o que permite combater a sonegação;
e elevando alíquotas e instituindo novas taxas. O exemplo mais
eloqüente é o da cidade de São Paulo, que, além
de aumentar as alíquotas do IPTU, do ISS e da taxa de fiscalização
de estabelecimentos, criou novas taxas, como a da iluminação
pública, do lixo e está em discussão a do uso do
subsolo e a da municipalização da concessão de
água.
Sem abordar a questão do ponto de vista da administração
pública, que não é o foco do que queremos discutir
aqui, porque para isso inclusive teríamos de entrar no mérito
da qualidade da arrecadação e da alocação
dos recursos, o fato concreto é que, mesmo antes da aprovação
da reforma, a carga tributária já está aumentando
significativamente, estrangulando ainda mais os negócios, principalmente
os de menor porte. Além disso, quanto maior é a carga
tributária, maior é o estímulo à sonegação,
ao contrabando, à falsificação e adulteração,
sem contar o crescimento da "indústria" de liminares.
Que não sejamos
interpretados de maneira errônea. Por princípio, somos
a favor do combate à sonegação e da disciplina
fiscal. Entretanto, a voracidade arrecadatória, que se instalou
no governo federal desde 1998 para evitar um possível descalabro
fiscal, em vez de arrefecer, infelizmente, vem fazendo escola na nova
equipe econômica e nas outras esferas de governo. Estamos
perdendo uma oportunidade única de refletir e pensar seriamente
em um novo modelo tributário do ponto de vista das necessidades
do crescimento e do desenvolvimento e estamos matando a galinha dos
ovos de ouro!
José Roberto Mendonça de Barros é
diretor da MB Associados Mônica Baer é
economista da MB Associados |