IRRIGAÇÃO - ERROS CUSTAM BILHÕES



          Uma das mais inesperadas impressões colhidas durante a viagem à Califórnia e ao Arizona está relacionada com o conhecimento dos problemas nordestinos e o ânimo para resolvê-los demonstrados pelos governadores de Estado e outras altas autoridades que percorreram os projetos de irrigação. Diante dessa auspiciosa constatação, cabe perguntar por que o atrazo do Nordeste é tão acentuado? Por quê ainda não se aproveitou a potencialidade do rio São Francisco e dos grandes açudes? Por que ocorrem tantos desmandos e desperdícios? Por que decisões suspeitas e erros crassos têm levado o nosso país a aplicar bilhões de dólares em projetos e obras que não benefeciam efetivamente o povo nordestino? Que força superior formidável será essa que consegue ssobrepor-se à capacidade dos técnicos e às boas intensões dos administradores públicos, a ponto de distorcer a ordem de prioridade adequada ao Brasil, em favor dos interesses de grupos poderosos?
          Com os cinco bilhões de dólares que já gastamos na Ferrovia do Aço poderíamos ter irrigado nada menos de 800 mil hectares do Vale do São Francisco, criando com isso 3,2 milhões de empregos. É o próprio superintendente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da Seplan), José Augusto Arantes Savasini, quem afirmou durante a viagem que "há 21 pareceres nesse órgão sobre a Ferrovia do Aço, sendo que nenhum deles foi favorável à construção dessa obra, iniciada à revelia dos técnicos e economistas e hoje paralisa, com imenso capital ocioso". Savasini acrescenta que "os Estados Unidos são um país rico, que de vez em quando pode-se dar o luxo de errar um projeto, mas nós no Brasil não podemos de maneira nenhuma nos enganar, pois nossas disponibilidades finaceiras são escassas". Falando sobre o projeto de transposição das águas do rio São Francisco, o superintendente do Ipea sugere que "antes de aplicar três bilhões de dólares nas obras civis e eletro-mecânicas necessárias para conduzir as águas para outras bacias, deveremos irrigr as grandes extensões de terras pouco utilizadas existentes no próprio vale desse rio. Qualquer análise que se faça do modelo econômico brasileiro mostra que nos próximos dez anos a nossa agricultura precisará crescer bem em cima do padrão histórico de 4,5% ao ano, para que possamos exportar e assim atender ao serviço de nossa dívida externa. Isso somente será alcançado se soubermos incentivar o setor agrícola, notadamente as atividades no cerrado e na agricultura irrigada no Nordeste".
          O governador José Agripino Maia, do Rio Grande do Norte, não poderia deixar de defender com grande entusiasmo o projeto de transposição das águas do rio São Francisco, pois é no seu Estado que se estende a Chapada do Apodi, com 1,2 milhão de hectares, região seca mas de terras muito férteis, onde o Projeto Maisa, já implantado, constitui uma eloqüente demonstração dos benefícios que poderemos alcançar dispondo de água farta nessa região. "Poderemos irrigar 400 mil hectares, criando assim 1,6 milhão de empregos diretos - diz Agripino -, beneficiando 80% da população do Rio Grande do Norte. Desejo ressaltar - prossegue - que tão importante quanto a transposição das águas do rio São Francisco será a preparação e a organização do povo para a chegada das águas. Precisamos implantar modelos de pequenos perímetros de irrigação, de molde a instruir o agricultor que tradicionalmente convive com a seca a respeito de técnicas de aproveitamento do solo e da água."
          Já o gerente geral do DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - José Oswaldo Pontes, prefere atribuir à falta de recursos o atraso observado nas obras de irrigação do vale do rio São Francisco. "Este ano a dotação do DNOCS para o aproveitamento da água é insignificante: 38 milhões de cruzeiros, que serão suficientes para concluir algumas barragens e aumentar a área irrigada em apenas dois mil hectares, com benefícios para quatro mil pessoas. Se considerarmos que a população nordestina cresce à razão de um milhão de pessoas por ano, concluímos que essa ação representa uma gota d'água. Leve-se em conta, também, que nos últimos cinco anos fomos assolados por uma seca sem precedentes na História, que obrigou o governo a concentrar recursos em ações de emergência para que a população não parecesse à falta de água e alimentos. Vamos proceder a uma operação aritmética - prossegue Pontes - para avaliar as nossas dificuldades: na última seca alistamos nas frentes de emergência três milhões de pessoas, a um custo a fundo perdido de mais de um bilhão de dólares. Dividindo três milhões pelas quatro mil pessoas que poderemos fixar em áreas irrigadas este ano com as verbas a nós consignadas no orçamento federal, concluímos que levaríamos 750 anos para acolher todas essas pessoas necessitadas." Ao perguntarmos a Pontes qual seria a solução para o problema , ele nos respondeu que "seria preciso uma decisão política de toda a coletividade brasileira em favor de uma solução definitiva para os problemas do Nordeste, a qual teria fundamento na irrigação intensiva de amplas áreas férteis do vale do rio São Francisco e do semi-árido do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba". O gerente geral do DNOCS calcula que o governo federal precisaria aplicar no mínimo 150 milhões de cruzeiros por ano, durante 15 anos, para irrigar os 110 mil hectares para os quais há projetos concluídos em áreas situadas a juzante dos açudes já concluídos e ainda não aproveitados por falta de recursos específicos para as obras de irrigação. A respeito do projeto de transposição das águas do rio São Francisco, Pontes é de opinião que se deve realizar um projeto integrado, de maneira a ampliar o fator limitante desses açudes, que é a água com a contribuição trazida do rio São Francisco. "Coisa semelhante é realizada aqui na Califórnia e no Arizona, sem maiores dificuldades técnicas, mas com abundância de recursos".
Início da Página                                            Estado de São Paulo, 12 de julho de 1984, pág.: 10