Estudo
revela um país mais complicado e desigual do que fazem crer as
discussões de política tributária e industrial
A reforma tributária e a política industrial aparecem
quase todo dia no noticiário. São temas tão complexos,
extenuantes e difíceis quanto relevantes para o futuro do país.
Mas também são temas normalmente discutidos com forte
carga ideológica e pouca informação. No campo tributário,
políticos defendem sem muito pudor os interesses de suas regiões
de origem, deixando muitas vezes de levar em conta as transformações
que o Brasil atravessou nos últimos anos. No campo da política
industrial, o debate parece ainda mais pobre. Adversários e defensores
do incentivo governamental aos setores dinâmicos da economia normalmente
tecem argumentos e mais argumentos pró e contra a tal "mãozinha"
do governo sem nem sequer parar para descobrir quais, afinal, são
os setores dinâmicos da economia.
Para tentar tirar um pouco da poeira ideológica dessas discussões,
EXAME encomendou à empresa de pesquisas Geografia de Mercado,
de São Paulo, um estudo sobre o comportamento da economia brasileira
depois da estabilidade monetária trazida pelo Plano Real, de
1996 a 2001 (último ano para o qual há dados disponíveis).
O estudo usou informações do Ministério do Trabalho
para estimar o crescimento do número de empresas, de empregos
e da massa salarial. Todos os dados foram classificados regionalmente
e de acordo com a divisão setorial do anuário Melhores
e Maiores. Dessa forma, é possível ter uma idéia
de quais setores e quais regiões cresceram mais ou menos ao longo
dos anos (todos os dados do estudo foram colocados para consultas interativas
no Portal EXAME). Também é possível ensaiar conclusões,
algumas óbvias, outras nem tanto, sobre o que mudou e sobre o
que ainda está mudando na economia nacional. Assim podemos avaliar
o efeito das propostas de política tributária ou industrial
com base nos fatos, não na ilusão. Eis as principais conclusões
do estudo:
1. A primeira, e mais óbvia: houve decréscimo
da massa salarial total na economia. "O PIB cresceu menos do que
deveria para sustentar a remuneração total dos brasileiros",
afirma Tadeu Masano, presidente da Geografia de Mercado. Medida em salários
mínimos, a massa salarial total no Brasil caiu 3% em cinco anos.
O número de empregos formais, porém, cresceu 15% durante
esse período. E o número de empresas, 27%.
2.
Comparada às demais áreas da economia, a indústria
teve o pior desempenho no estudo. Registraram queda no número
de empregos formais os setores automotivo (-3%), eletroeletrônico
(-17%), químico e petroquímico (-7%) e de papel e celulose
(-3%). Em termos de massa salarial, a queda é ainda mais significativa:
eletroeletrônico (-25%), automotivo (-20%), de telecomunicações
(-20%), de mecânica (-23%), de plásticos e borracha (-19%),
de papel e celulose (-24%), de confecções e têxteis
(-19%), de siderurgia e metalurgia (-25%). Cresceram em massa salarial
apenas os setores de comércio varejista (4%), serviços
públicos (6%), serviços diversos (12%) e tecnologia e
computação (10%). Este último, por sinal, registrou
significativo aumento no número de empregos (35%) e de empresas
(19%). "A grande crise brasileira foi na área urbana e industrial",
diz o economista Celso Martone, da Universidade de São Paulo.
"Todo o crescimento foi na agricultura e no setor terciário."
3.
Há um expressivo processo de convergência e redução
das desigualdades regionais. Embora Rio de Janeiro e São Paulo
ainda concentrem a maior parte dos empregos (respectivamente, 10,1%
e 29,1%) e dos salários (respectivamente, 11,6% e 36,8%), em
ambos os estados houve queda na massa salarial (respectivamente, -5%
e -9%), e o número de postos de trabalho cresceu bem abaixo da
média (respectivamente, 4% e 8%, contra uma média de 15%).
Enquanto isso, todos os estados do Centro-Oeste e boa parte dos estados
do Norte e do Nordeste registraram um crescimento acima da média
em ambos os quesitos. O estado que mais cresceu foi o Tocantins: 27%
em número de empregos, 83% em número de empresas e 46%
em massa salarial.
Com base nessas
conclusões, o que se pode deduzir sobre a formulação
das políticas públicas? Em primeiro lugar, que o Brasil
é um país muito mais complexo do que fazem crer as imagens
do passado. "Estudar o desemprego hoje apenas nos grandes centros
urbanos, por exemplo, pode ser ilusório, pois esses centros concentram
sobretudo os setores industriais", afirma o economista do BNDES
José Roberto Afonso. Enquanto isso, áreas eminentemente
rurais como os estados de Goiás, Mato Grosso ou o próprio
interior de São Paulo registram alto crescimento. Outro
ponto na ordem do dia são as discussões tributárias
sobre a cobrança do ICMS nos estados de origem ou de destino
da mercadoria. "É preciso ver isso com muito cuidado",
diz Afonso. "Há 15 anos os estados eram muito menos desenvolvidos."
Para ele, atualmente a questão regional não é tão
importante quanto desonerar a produção do peso do sistema
tributário brasileiro. De fato, nada cresceu tanto no período
estudado quanto a carga tributária, que foi de 27% para 36% do
PIB. "É graças a isso que o Brasil não é
competitivo para investimentos", diz Martone, da USP. Mais importante
que decidir onde é cobrado o imposto é reduzir a carga
que pesa sobre todas as empresas.
Finalmente,
quando fala em política industrial, o governo tem anunciado que
escolherá alguns setores para fornecer incentivos à produção.
"Mas há milhares de fatores envolvidos no sucesso dos negócios",
afirma Martone. "É ilusório crer que alguma mente
brilhante consiga planejar tudo. Seria melhor, diante da crescente complexidade
da economia brasileira, adotar políticas gerais de estímulo
aos investimentos, sem escolher previamente os vencedores."
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