SAFRA PÁRA NO GARGALO DA INFRA-ESTRUTURA

André Soliani
Hunberto Medina


A capacidade de expansão da agricultura brasileira praticamente chegou ao seu limite pela falta de infra-estrutura para escoar a produção, segundo o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e seis especialistas entrevistados pela Folha.
Estradas esburacadas -quando há estradas-, portos sobrecarregados, falta de investimentos em hidrovias e ferrovias e escassez de armazéns tornam a comercialização da safra um caos e pouco competitiva.
"Eu tenho medo que a enchente da agricultura [aumento da produção] seja tão vigorosa, pela competência dos produtores rurais, que a ausência de uma logística adequada resulte em perda de renda para o agricultor", afirma o ministro.
A situação pode piorar. Nesta safra, em que os produtores rurais plantaram o suficiente para mais uma colheita recorde, ainda será possível comercializar toda a produção com as perdas habituais de rentabilidade.
"Neste ano ainda não haverá uma crise de abundância, que poderá ser muito grave, se nos próximos dois anos não houver um volume de investimento mais substancial em projetos de logística e infra-estrutura", afirma Rodrigues.
A crise de abundância poderá ser evitada nesta safra, mas não faltarão sobressaltos para o agricultor vender seu produto. "Filas de caminhões de até 70 quilômetros, com esperas de até três dias para desembarcar o carregamento no porto, certamente vão acontecer, como no ano passado", afirma Paulo Fleury, presidente do Centro de Estudos de Logística do Instituto Coppead de Administração da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Primeiros problemas
O auge da colheita -entre março e abril- nem começou e os problemas já começaram a acontecer devido às recentes chuvas.
Na semana passada, entre 150 e 200 caminhões estavam atolados na região de Sapezal (Mato Grosso) numa estrada de terra do Estado, segundo informações colhidas pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
Não há como evitar as dificuldades. Neste ano, segundo Rodrigues, a safra brasileira pode crescer em até 8 milhões de toneladas e a infra-estrutura é praticamente a mesma do ano passado.
As maiores obras são apenas para tornar trafegáveis algumas estradas já existentes e que apresentam problemas estruturais.

Falta de investimento
Há 80 anos, o Brasil tinha cerca de 30 mil quilômetros de ferrovias. O país cresceu, mas hoje conta com uma malha ferroviária quase idêntica, apenas 29.283 quilômetros de estradas de ferro, segundo a vice-presidente do Corredor Atlântico (entidade que busca a integração do continente), Sandra Stehling.
Na década de 70, o governo investia cerca de 1,8% do PIB (total de riquezas produzidas no país) em estradas. Em 2003, o investimento foi de apenas 0,1% do PIB, diz Fleury, da UFRJ.
A deficiência de infra-estrutura, fruto da falta de planejamento e recursos, significa custos adicionais para o agricultor.
Na Argentina, o produtor rural gasta em média US$ 16 para colocar uma tonelada de soja no porto. Nos Estados Unidos esse gasto é de US$ 15,50. No Brasil são US$ 23,50 para realizar a mesma operação, diz Joelsio Lazzarotto da Embrapa Soja, empresa estatal de pesquisa agrícola.
A situação dos portos também não ajuda. As taxas portuárias nos Estados Unidos e na Argentina variam de 1% a 1,5% do valor da carga. No Brasil, chega a 5%, estima Lazzarotto.

Armazéns
Outro problema grave é a falta de armazéns para estocar os produtos. A produção brasileira de grãos cresceu quase 50% entre a safra de 1998/1999 e a passada. A capacidade de armazenagem, no entanto, cresceu apenas 5,7%, quase um décimo da taxa de crescimento da safra, no mesmo período.
"Hoje existe um déficit de capacidade de armazenagem de 35 milhões de toneladas", diz Luiz Baggio, vice-presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras). Seria preciso aumentar em mais de 35% a capacidade atual, de 93,815 milhões de toneladas, para atender a demanda.
"O gargalo da agricultura brasileira hoje é a infra-estrutura", diz o presidente da Corredor Atlântico, Paulo Vivacqua.
Investimentos na modernização das fazendas e boas chuvas não vão mais assegurar crescimento da agricultura brasileira, concordam o ministro da Agricultura e os demais entrevistados pela Folha. É preciso ferrovias, hidrovias, estradas, portos e armazéns para aumentar a produção.

 
 
 

PAÍS NECESSITA DE US$ 8 BI EM INVESTIMENTOS

Nos próximos cinco a sete anos, o Brasil precisa investir mais de US$ 8 bilhões para garantir a infra-estrutura necessária ao crescimento da safra, diz o presidente do Corredor Atlântico, Paulo Vivacqua.
Responsável pelo desenho de importantes ferrovias, como a Ferronorte, Vivacqua disse que a solução para o problema de escoamento da safra não é a abertura de novas rodovias nem a melhora das atuais.
A obra mais importante seria a construção de cerca de 4.000 km de novas estradas de ferro, que permitiriam o escoamento da produção da nova fronteira agrícola (as regiões Centro-Oeste e Norte e o oeste da Bahia). Essa obra custaria de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões.
Um dos problemas do transporte da safra no país, para ele, é a dependência das rodovias. Estudos na Europa mostram que o custo de transportar por estradas é oito vezes maior que o de hidrovias e duas vezes maior que o de ferrovias.
Vivacqua afirma que, com a inauguração da ferrovia Corredor de Grãos Centroleste (liga Brasília a Vitória), o preço de levar uma tonelada de grão ao porto de Vitória caiu de US$ 70 para US$ 27.
O desafio não pára por aí. Outro US$ 1,8 bilhão é necessário para modernizar os portos, viabilizar a navegação de cabotagem e ampliar a capacidade das atuais hidrovias.
Para finalizar o seu projeto, seriam necessários outros US$ 2,5 bilhões para ligar o porto de Santos, em São Paulo, ao porto de Bayavor, no Peru. É uma obra de 2.500 quilômetros.
A proposta de ferrovias de Vivacqua é bem mais ambiciosa do que a prevista na PPP (Parceira Público-Privada). O programa de parceria entre governo e iniciativa privada prevê a construção de apenas 1.276 km, a um custo de R$ 2,4 bilhões (cerca de US$ 1,2 bilhão).
O especialista em logística faz ainda um alerta: "Boa parte desse investimento depende do governo". Para o ministro Roberto Rodrigues (Agricultura), o Estado dependerá dos recursos de empresários para as obras. "Não vejo condições de o Estado brasileiro alavancar recursos do tamanho da demanda", pondera.

 
MINISTRO PROMETE 1ª COLHEITA "SEM BURACO"
O ministro dos Transportes, Anderson Adauto, afirmou que os produtores não precisam temer pelo escoamento da safra deste ano. "Não há que ter apreensão. Estamos há oito meses debruçados sobre esse problema, há oito meses trabalhando", disse.
Segundo o ministro, no ano passado foram investidos R$ 165 milhões para melhorar as rotas de escoamento de safra. Para este ano, estão previstos R$ 200 milhões, sendo que R$ 90 milhões serão liberados nos próximos dias e o restante, até 15 de fevereiro. A maior parte da colheita acontece entre março e maio.
Para Adauto, essa será a "primeira safra sem buraco".
O excesso de chuvas, no entanto, pode atrapalhar os planos do governo. "Há buraco agora porque está chovendo. Com chuva não dá para consertar as estradas", lamenta o ministro.
Segundo o coordenador-geral de Restauração e Manutenção do Dnit (Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transportes), Hideraldo Caron, o orçamento do seu departamento, responsável em consertar estradas, será o maior dos últimos tempos -R$ 950 milhões. No ano passado, recebeu R$ 650 milhões.
A operação emergencial de recuperação das estradas pelas quais escoam a safra vai apenas minimizar os prejuízos, dizem os especialistas entrevistados pela Folha. Em Mato Grosso, as empreitadas para tapar buracos são conhecidas por "asfalto sonrisal": quando chove dissolve. Os remendos duram no máximo três meses ou até a volta das chuvas.
Os trechos que estão sendo recuperados foram escolhidos com base num relatório da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). A situação dos principais eixos de escoamento é grave, de acordo com o documento produzido em novembro.
"Obras paralisadas", "incidência de buracos", "sinalização precária", "pavimento totalmente desagregado e desconfortável" e, obviamente, "risco de acidentes" são os termos usados para descrever quase 700 quilômetros do trecho da BR-153 que atravessa Goiás de norte a sul.
 



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