Confesso a meus amigos da Folha que andei de mau humor nos últimos
três anos. Certamente esse meu sentimento refletiu-se nas colunas
semanais que escrevi neste período. A causa principal de minha
irritação sempre foi a sensação de que estávamos
jogando fora uma oportunidade extraordinária de colocar o Brasil
em uma rota de crescimento sustentado, depois de mais de 25 anos de crise
e perda de tempo. Foi o período que costumo chamar de "vôo
da galinha". O país crescia um ou dois anos para depois entrar
em recessão, queimando os ganhos dos tempos do crescimento.
Minha imagem vinha do fato de que nossa economia, como a galinha, não
conseguia dar sustentação ao vôo do crescimento.
Minha geração iniciou a vida profissional na euforia do
último período de crescimento sustentado da economia brasileira,
conhecido como a época do milagre brasileiro, os anos em que o
crescimento médio do PIB superou a casa dos 10% ao ano. Esse período
de "boom" foi possível porque se beneficiou da estabilidade
macroeconômica e de uma série de reformas microeconômicas
realizadas pelo primeiro governo militar, nos anos de 1965 e 1966. Os
responsáveis por essa modernização de nosso tecido
econômico, a dupla Campos e Bulhões, seriam hoje chamados
de desenvolvimentistas pela imprensa brasileira. Apesar de seu corte liberal
conservador, eles não deixaram de lado
a questão da eficiência microeconômica. A reforma tributária,
a reforma do sistema financeiro, a criação de um embrião
de mercado de capitais e o lançamento das primeiras estruturas
de um sistema de previdência pública fizeram parte da agenda
de ação do governo do general Castelo Branco. O ministro
Delfim Netto, czar da economia no governo seguinte, teve o mérito
de soltar as
amarras da política econômica e deixar a economia voar o
vôo da águia. Em 1996, quando o sucesso já assegurado
do Plano Real abriu uma avenida para a retomada do crescimento sustentado,
um grupo de membros do governo FHC começou a viver uma utopia:
repetir o milagre econômico da ditadura na plenitude de um regime
democrático.
Estávamos excitados e ansiosos. Os planos e sugestões jorravam
aos borbotões em encontros eufóricos nas noites chatas de
Brasília, principalmente na casa do Serjão. Começou
então um período dramático de luta interna no governo
por nossas idéias e projetos. Os choques com a equipe econômica,
liderada pelo ministro Malan, que já vinham do período de
consolidação do Real, agravaram-se e, o que é pior,
radicalizaram-se. Demoramos a entender que as divergências derivavam
de uma visão totalmente diferente em relação aos
fundamentos do chamado fenômeno econômico no
mundo globalizado em que vivemos. Pior ainda, começamos a sentir
que o coração e a mente do
presidente estavam com seu ministro da Fazenda.
O primeiro membro de nosso grupo a cair foi o então ministro do
Planejamento, o senador José Serra. Sua saída nos obrigou
a uma mudança de tática. Os sinais de que nossa posição
estava em minoria eram claros, e decidimos por manter nossas propostas
em banho-maria, aproveitando os momentos de tensão para sempre
verbalizar nossas críticas e sugestões alternativas. Uma
verdadeira tática de guerrilha! As frequentes crises externas e
o crescimento medíocre nos anos seguintes jogaram a favor de nossas
posições.
A crise da Rússia, no início da montagem do programa do
segundo mandato do presidente Fernando Henrique, abriu finalmente um espaço
para nosso projeto. A decisão do presidente de criar um ministério
forte para ocupar-se das questões microeconômicas e implementar
uma agenda voltada para o crescimento deu um novo ânimo ao grupo,
apesar da dor que vivíamos com a perda, essa definitiva, de Sérgio
Motta.
Mas a crise política criada pelo grampo do BNDES mudou os rumos
do projeto de FHC. Perdendo o grupo de pessoas de sua confiança
que deveria tocar essa agenda, não sobrou ao presidente alternativa
senão apoiar integralmente os caminhos defendidos pelo grupo do
Ministério da Fazenda. Nossa política econômica continuou
em sua marcha equivocada, apesar do curto
período de crescimento de 2000 e do primeiro semestre deste ano.
Mas era de novo o vôo da galinha, e o cenário de crescimento
medíocre está de novo entre nós.
As eleições presidenciais do ano que vem são, entretanto,
o fato novo que devemos considerar ao
encarar o futuro. Um novo mandato presidencial e uma nova rodada de escolha
popular abriram os horizontes do debate. Não é mais uma
questão tratada em discussões fechadas dentro do governo,
mas uma reflexão aberta, transparente e com a participação
da sociedade. E o quadro que se desenha é que está melhorando
meu humor. A questão central que já está colocada
-e que, não tenho dúvida, será o centro da campanha
do próximo ano- é o desafio do crescimento sustentado em
um
quadro de estabilidade da moeda. Mesmo os candidatos a candidato do governo
para a sucessão de FHC já abriram o jogo com posições
muito claras em relação aos principais desafios que teremos
que enfrentar. Isso é muito bom porque vai dar à campanha
eleitoral uma racionalidade econômica importante. Não deve
sobrar espaço para uma polarização, como quer o PT,
entre os que são a favor ou contra os anos FHC. O maior partido
da oposição vai ter que mostrar um programa econômico
racional e propositivo. Todos nós vamos ganhar com isso.
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