Chefe do Departamento: Prof. Dr. Fernando Braz Tangerino Hernandez
Vice-Chefe do Departamento: Prof. Dr. Francisco Maximino Fernandez

Envio seu e_mail ao DEFERS

 

MEU OTIMISMO ESTÁ VOLTANDO

 

Confesso a meus amigos da Folha que andei de mau humor nos últimos três anos. Certamente esse meu sentimento refletiu-se nas colunas semanais que escrevi neste período. A causa principal de minha irritação sempre foi a sensação de que estávamos jogando fora uma oportunidade extraordinária de colocar o Brasil em uma rota de crescimento sustentado, depois de mais de 25 anos de crise e perda de tempo. Foi o período que costumo chamar de "vôo da galinha". O país crescia um ou dois anos para depois entrar em recessão, queimando os ganhos dos tempos do crescimento.
Minha imagem vinha do fato de que nossa economia, como a galinha, não conseguia dar sustentação ao vôo do crescimento.
Minha geração iniciou a vida profissional na euforia do último período de crescimento sustentado da economia brasileira, conhecido como a época do milagre brasileiro, os anos em que o crescimento médio do PIB superou a casa dos 10% ao ano. Esse período de "boom" foi possível porque se beneficiou da estabilidade macroeconômica e de uma série de reformas microeconômicas realizadas pelo primeiro governo militar, nos anos de 1965 e 1966. Os responsáveis por essa modernização de nosso tecido econômico, a dupla Campos e Bulhões, seriam hoje chamados de desenvolvimentistas pela imprensa brasileira. Apesar de seu corte liberal conservador, eles não deixaram de lado
a questão da eficiência microeconômica. A reforma tributária, a reforma do sistema financeiro, a criação de um embrião de mercado de capitais e o lançamento das primeiras estruturas de um sistema de previdência pública fizeram parte da agenda de ação do governo do general Castelo Branco. O ministro Delfim Netto, czar da economia no governo seguinte, teve o mérito de soltar as
amarras da política econômica e deixar a economia voar o vôo da águia. Em 1996, quando o sucesso já assegurado do Plano Real abriu uma avenida para a retomada do crescimento sustentado, um grupo de membros do governo FHC começou a viver uma utopia: repetir o milagre econômico da ditadura na plenitude de um regime democrático.
Estávamos excitados e ansiosos. Os planos e sugestões jorravam aos borbotões em encontros eufóricos nas noites chatas de Brasília, principalmente na casa do Serjão. Começou então um período dramático de luta interna no governo por nossas idéias e projetos. Os choques com a equipe econômica, liderada pelo ministro Malan, que já vinham do período de consolidação do Real, agravaram-se e, o que é pior, radicalizaram-se. Demoramos a entender que as divergências derivavam
de uma visão totalmente diferente em relação aos fundamentos do chamado fenômeno econômico no
mundo globalizado em que vivemos. Pior ainda, começamos a sentir que o coração e a mente do
presidente estavam com seu ministro da Fazenda.
O primeiro membro de nosso grupo a cair foi o então ministro do Planejamento, o senador José Serra. Sua saída nos obrigou a uma mudança de tática. Os sinais de que nossa posição estava em minoria eram claros, e decidimos por manter nossas propostas em banho-maria, aproveitando os momentos de tensão para sempre verbalizar nossas críticas e sugestões alternativas. Uma verdadeira tática de guerrilha! As frequentes crises externas e o crescimento medíocre nos anos seguintes jogaram a favor de nossas posições.
A crise da Rússia, no início da montagem do programa do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, abriu finalmente um espaço para nosso projeto. A decisão do presidente de criar um ministério forte para ocupar-se das questões microeconômicas e implementar
uma agenda voltada para o crescimento deu um novo ânimo ao grupo, apesar da dor que vivíamos com a perda, essa definitiva, de Sérgio Motta.
Mas a crise política criada pelo grampo do BNDES mudou os rumos do projeto de FHC. Perdendo o grupo de pessoas de sua confiança que deveria tocar essa agenda, não sobrou ao presidente alternativa senão apoiar integralmente os caminhos defendidos pelo grupo do Ministério da Fazenda. Nossa política econômica continuou em sua marcha equivocada, apesar do curto
período de crescimento de 2000 e do primeiro semestre deste ano. Mas era de novo o vôo da galinha, e o cenário de crescimento medíocre está de novo entre nós.
As eleições presidenciais do ano que vem são, entretanto, o fato novo que devemos considerar ao
encarar o futuro. Um novo mandato presidencial e uma nova rodada de escolha popular abriram os horizontes do debate. Não é mais uma questão tratada em discussões fechadas dentro do governo, mas uma reflexão aberta, transparente e com a participação da sociedade. E o quadro que se desenha é que está melhorando meu humor. A questão central que já está colocada -e que, não tenho dúvida, será o centro da campanha do próximo ano- é o desafio do crescimento sustentado em um
quadro de estabilidade da moeda. Mesmo os candidatos a candidato do governo para a sucessão de FHC já abriram o jogo com posições muito claras em relação aos principais desafios que teremos que enfrentar. Isso é muito bom porque vai dar à campanha eleitoral uma racionalidade econômica importante. Não deve sobrar espaço para uma polarização, como quer o PT, entre os que são a favor ou contra os anos FHC. O maior partido da oposição vai ter que mostrar um programa econômico
racional e propositivo. Todos nós vamos ganhar com isso.

 

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 58, engenheiro e economista.
Folha de São Paulo, 02 de novembro de 2001, p.B.2
.