LIÇÕES DE GESTÃO: NOVOS RUMOS

TEORIAS CAMINHAM PARA A RACIONALIDADE


Juliana Garçon
Há exatos cem anos, o norte-americano Henry Ford (1863-1947) fundou a Ford Motor Company e revolucionou a indústria ao pôr em prática os conceitos de automação e de linhas de montagem, hoje bastante disseminados. Desde então, a cabeça dos executivos de todo o mundo não parou mais de ser bombardeada por novas teorias e métodos administrativos que prometem comparável avanço. Na última década, em especial, consultorias, escolas e revistas de negócios se multiplicaram sob as ondas de "downsizing", "outsourcing", "mentoring", "empowerment" e outras. Depois da explosão teórica, a reflexão. Para os estudiosos da administração, os próximos anos serão dominados por tendências singelas. Entre elas, alçar a gestão de pessoas ao nível estratégico (leia à pág. 6) e exercitar o bom senso antes de aderir a novidades. "Não há "a melhor prática". O que as pessoas fazem deve ser a coisa certa para suas empresas em um momento específico", raciocina o pesquisador Robert Heller, 70. Em seu último livro, "Fusion Manager" (ainda sem tradução para o português), ele defende que, para sobreviver no século 21, o administrador precisará fazer escolhas difíceis constantemente. Especialistas brasileiros concordam. "É difícil aplicar qualquer coisa sem árdua adaptação", diz Agrícola Bethlem, 75, professor emérito de estratégia na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Efeitos pirotécnicos

Décio Zylbersztajn, 49, da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo), também expressa preocupação com teorias adotadas entusiasticamente. "A terceirização, por exemplo, envolveu grandes equívocos. Está na literatura há anos. Só ganhou outro nome e foi tratada como novidade." Nunca se viu tantas modas gerenciais como nos anos 90, assegura Thomaz Wood Jr., 43, professor de pós-graduação da FGV-Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas). A explicação pode estar no fato de a globalização ter aumentado a sensação de instabilidade nas empresas, o que levou executivos a procurarem fórmulas de apoio. "Daí se desenvolveu a "indústria do management", com baixa consistência e baseada em efeitos pirotécnicos", completa Wood Jr. Para Bethlem, da UFRJ, "o erro [de quem segue modismos] é o "pensamento grupal': tentar se adequar à opinião dos outros". Carlos Feitosa, 34, engenheiro responsável por mudanças gerenciais nas 31 unidades latino-americanas da Alcoa, diz que a empresa se baseou no toyotismo. "Não descartamos o que havia de bom nas práticas clássicas.
 
BIBLIOGRAFIA
"Imagens da Organização" Autor: Gareth Morgan Editora: Atlas Preço: R$ 57

"O Sistema Toyota de Produção - Além da Produção em Larga Escala" Autor: Taiichi Ohno Editora: Bookman Preço: R$ 41
"A Agenda - O Novo Ciclo da Economia Baseado no Cliente" Autor: Michael Hammer Editora: Campus Preço: R$ 68
"Microeconomia" Autores: Eduardo Andrade e Regina Madalozzo Editora: Publifolha Preço: R$ 19,90
 
Emocional influencia na produção
José Affonso Barbosa

Os modernos instrumentos gerenciais têm trazido benefícios tangíveis para as organizações, mas as rápidas mudanças no mundo fazem com que eles se tornem obsoletos rapidamente. Novos instrumentos são então criados, e as pessoas se apressam em receber novos treinamentos, que podem se tornar estressantes e resultar em dificuldades no relacionamento social e, consequentemente, na produtividade. Para que isso não aconteça, dirigentes terão de aprender que o emocional de seus empregados influi na lucratividade. Deverá ser urgentemente adicionado ao treinamento gerencial um planejamento revolucionário: não bastará mais ter pessoas intelectualmente capazes nas empresas, será preciso haver indivíduos emocional e socialmente capazes. As empresas do futuro saberão que o desenvolvimento desses valores lhes trará uma grande sinergia entre equipes, acionistas e sociedade.
José Affonso Barbosa, 73, é diretor-geral da Fundação Getulio Vargas e autor de "A Primeira Lei" (ed. Pearson Education)

 
PRIMEIRA LIÇÃO - MERCADO
Economia ganha espaço na gerência
Silvia Basilio Ribeiro
O compasso acelerado da globalização obrigou as empresas a repensarem suas maneiras de gerir. Embalados pela incerteza do amanhã, os planos e projeções ganharam maior dinamismo e tornaram-se pivôs da necessária aproximação entre as ciências da administração e da economia. A contenção de custos e o condicionamento ao mercado financeiro refletem essas mudanças, diz o diretor da pós-graduação da Escola de Administração de Empresas (associada à Universidade Politécnica da Catalunha, Espanha), Josep Bertrán i Jordana, 45. As análises econômicas, clássicas ou modernas, viraram novas armas de gestão. Segundo Daniel Spulber, 50, professor da Kellogg School of Management, cresce o uso da Teoria dos Jogos, por exemplo, como auxílio à criação de estratégias competitivas nas empresas. "É útil em situações em que o resultado de uma decisão não depende só do indivíduo que a toma, mas também das decisões dos competidores", diz Jordana. Na área de finanças, Kuldeep Shastri, 48, da Universidade de Pittsburgh (EUA), destaca o conceito de administração baseada em valor, que busca agregá-lo às decisões tomadas na empresa para gerar lucros aos acionistas. Embora difundidas, Marcos Fernandes, 40, coordenador da pós-graduação da FGV-Eaesp, afirma que ainda há preconceito no uso de teorias econômicas. "Elas deveriam ter maior inserção nos cursos de administração."
 
100 ANOS DE ADMINISTRAÇÃO
1900-1910: Frederick Winslow Taylor (1856-1915) lidera o movimento de racionalização do trabalho. Henry Ford (1863-1974) concebe a linha de montagem móvel.
1910-1920: Henri Fayol (1841-1925) sugere o conceito de administração geral; Pierre Du Pont (1870-1954) propõe políticas organizadoras e práticas de planejamento estratégico, análise do retorno sobre o investimento e outras ferramentas de gestão; alfred sloan (1875-1966) cria os conceitos de um produto para cada tipo de cliente e de unidades estratégicas de negócios.
1920-1930: Ludwing Von Bertalanffy (1901-1972) expõe a teoria geral dos sistemas e sugere abordagens holísticas da empresa.
1930-1940: Nasce a escola das relações humanas, norteada pela humanização do trabalho.
1950: Toyotismo dá ênfase à eficiência e ao combate ao desperdício no trabalho.
1970-1990: Desenvolve-se a administração de projetos, escola que abre caminho para novas normas organizacionais (administração do conhecimento e da inovação, novos produtos e negócios, valorização do empreendedorismo)
 
50 ANOS DE ADMINISTRAÇÃO
Veja algumas das principais mudanças por que passaram as empresas nas últimas cinco décadas
Capacitação: O "capital intelectual" é visto atualmente como um ativo da empresa. A gestão do conhecimento e os investimentos em treinamento ganharam força.
Estratégia: Os planejamentos estratégicos são hoje mais flexíveis e redesenhados constantemente para driblar cenários instáveis. Há 50 anos, os projetos eram traçados para durar cinco anos.
Estrutura: Hierarquias rígidas e verticais estão em extinção. Estruturas flexíveis e com menos níveis hierárquicos são hoje prioritárias.
Organograma: Áreas como logística e getão de pessoas e de informações ascenderam as nível estratégico. Há 50 anos, os bancos de dados eram grandes arquivos de papel.
Trabalho: O conceito de cargo foi ampliado e a "lista de tarefas" está desaparecendo. Os funcionários ganharam maior autonomia e responsabilidade. Foco na qualidade de vida do colaborador.
 
Estratégia deve gerar valor
Michael Porter
Nada substitui a estratégia para alcançar o sucesso nos negócios. Ferramentas como reengenharia, aprendizado contínuo e outras são boas e trazem resultados. Mas, por mais valiosas que sejam, não diferenciam as companhias. Pense no seguinte: que diferencial apresentariam para o cliente duas empresas com programa de qualidade total? Nenhum. A opção do cliente, por uma ou por outra, seria embasada em valores subjetivos, algo péssimo para ambas, pois a escolhida de hoje pode ser a preterida de amanhã. É necessário ter uma posição diferenciada. A sobrevivência da empresa depende da estratégia que você traçou para ela. Aperfeiçoe essa estratégia, não caia na tentação de imitar "cases" de sucesso (você terá vida curta, lembre dos fracassos das companhias pontocom). Outra questão importante: não atenda a todos os desejos de todos os clientes, isso traria custos insustentáveis. Atenda aos dos maiores. E, por fim, dedique especial atenção ao gerenciamento de preços, que deve ser conduzido com base nos custos totais -e reais- da produção de bens e de serviços. Disso depende a geração de valores na empresa.
Michael Porter, 56, é assessor de estratégia competitiva do governo dos EUA, entre outros, e autor de "Estratégia Competitiva" (ed. Campus)
 

BIBLIOGRAFIA
"Administração nos Novos Tempos"
Autor: Idalberto Chiavenato Editora: Editora Campus Preço:
R$ 99
"Economia Política e Mudança Social" Autor: Laura Valladão de Mattos Editora: Edusp Preço:
R$ 16,50

"A Estratégia em Ação" Autores: Kaplan e Norton Editora: Campus Preço: R$ 86

 
SEGUNDA LIÇÃO - TALENTO
Funcionários viram centro das atenções
Hyrum Smith

Vivemos num momento de transição no relacionamento empresa-funcionário cuja síntese é: um não sabe como conseguir o que quer, e o outro não consegue gerenciar seus afazeres para atender expectativas criadas. O fato é que, após o período de transição -do qual estamos próximos-, as pessoas não terão emprego, terão trabalho, cuja remuneração será baseada em resultados. Para isso as firmas deverão expressar claramente suas expectativas, dando condições aos trabalhadores de atendê-las. Num passado não muito distante, indicava-se o tempo todo ao funcionário quais eram os seus afazeres. Hoje, ele deve buscar e apresentar resultados, o que tem gerado estresse no trabalhador, que ainda não se adaptou ao novo processo. Não se adaptou à falta do chefe que ensina exatamente como fazer o que deve ser feito. É preciso se organizar, ter um trabalho de liderança pessoal para que o funcionário possa produzir o que mais importa. O sucesso das mudanças será mais rápido, e trará melhores resultados, quando forem atendidas quatro necessidades básicas do funcionário:
1) física: carreira e finanças compensadoras e atraentes;
2) sócio-emocional: relacionamentos interpessoais mais equilibrados;
3) mental: contínuo desenvolvimento e necessidade de aprender;
4) espiritual: satisfação interior, reconhecimento e sensação de realização na vida pessoal e profissional.
Hyrum Smith, 62, é sócio da consultoria FranklinCovey, presente em 40 países, e autor do livro "O que Mais Importa" (ed. Best Seller), entre outros

Empresas vêem talentos como estratégias e investem mais na capacitação de seus empregados para crescer
Juliana Garçon
A gestão de pessoas alcançou o primeiro escalão das grandes empresas. Apesar de persistirem em muitos ambientes técnicas obsoletas de recrutamento e de remuneração, hoje é difícil encontrar quem duvide da relação direta entre pessoas e resultados. A escalada de executivos de RH -que antes tinham preocupações básicas com higiene e saúde das equipes- é visível pela massificação do conceito de remuneração variável, por exemplo. A maioria das gerências percebe o sistema de remuneração como estratégico. Pesquisa da consultoria PricewaterhouseCoopers com 1.055 corporações em 47 países verificou que 65% das empresas avaliam que esse impacto tem sido efetivo ou muito efetivo. No Brasil, o índice é de 81%. "Detectamos o crescimento do uso de remuneração variável e da busca de modelos mais flexíveis, o que expressa o esforço para alinhar os interesses de executivos e de empregados aos dos acionistas", diz João Lins, 38, diretor de consultoria em capital humano. "Remunerações fixas competitivas e variáveis agressivas." Essa é a política da Companhia Vale do Rio Doce, explica Marcos Roger, 46, diretor de gestão de pessoas. Lá, os empregados recebem cerca de 2,5 salários extras ao ano. "Quero que meus funcionários tenham atitude empreendedora", diz Jorge Aguirre, 53, diretor-geral da Pizza Hut. Ao assumir a rede em 99, ele adotou a participação dos gerentes nos resultados e tirou a marca do vermelho. Em 2003, espera faturar R$ 30 milhões, 20% a mais do que em 2002. Para o futuro, os gurus da gestão prevêem descentralização de poder. "O modelo militar da administração industrial está ultrapassado. As empresas devem dar mais poder às pessoas", disse Stephen Covey, 72, autor de "Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes" (ed. Best Seller), em entrevista exclusiva à Folha. Aprendizagem organizacional e capacitação, focadas não só em competência técnica, mas também no desenvolvimento pessoal, serão mais comuns no futuro, diz Cláudia Bittencourt, 36, do Grupo de Estudos em Aprendizagem Organizacional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "A meta é construir um ambiente em que as práticas e a aprendizagem sejam incorporadas." Para Marcos Roger, da Vale, o desenvolvimento de pessoas virou questão de competitividade. ""Assim como no futebol, não é possível formar o time só contratando estrelas do mercado -é preciso desenvolver talentos."
 
FOCO NAS PESSOAS
Confira os principais avanços no modo de tratar os funcionários
Prioridade do RH:
Obsoleto
- Atrair, reter e desenvolver profissionais para as necessidades do momento
Moderno - Desenvolv
er competências criticas e incentivar o comprometimento
Agenda do RH:
Obsoleto - Cuidar apenas das relações trabalhistas e de integração capital-trabalho
Moderno - Atentar às competências estratégicas da firma à, responsabilidade social e à ética nos negócios
Qualidade de vida:
Obsoleto - Atendimento focado apenas em necessidades básicas (saúde, alimentação, transporte)
Moderno - Eq
uilibrio entre a vida pessoal e o trabalho
Recrutamento:
Obsoleto - foco em suprir necessidades de cargos e de funções; baixo uso de tecnologia
Moderno - Supre as necessidades de competências considerando planos estratégicos; uso intensivo de tecnologia
Remuneração:
Obsoleto - Ênfase no cargo e na hierarquia
Moderno - Prioridade à contribuição do profissional com a empresa como um todo
 
A revolução está próxima
Alvin Toffler

Há alguns anos falo da "quarta onda" e da influência dela sobre a humanidade. Será uma nova revolução, com todos seus significados: combustão, guerra, luta etc. Será resultado da união entre tecnologia da informação e ciência genética e trará questões morais e éticas para as quais não estaremos preparados. Assuntos hoje polêmicos, como aborto, ganharão ares de insignificância. As mudanças são inevitáveis e integram o processo de evolução da humanidade, assim como a pré-revolução industrial (primeira onda), em que a produção se destinava ao consumo próprio; a segunda onda, quando o homem descobriu que podia fabricar mais; e a atual terceira onda, cujo maior capital é o conhecimento. A fase atual ainda trará mudanças difíceis, como o fim do emprego como o conhecemos e dos conceitos de nação e de Estado. Serão formadas estruturas transnacionais. Blocos econômicos entre países levarão em conta critérios estratégicos -os formados com base na geografia perderão importância. Estamos na fase que relaciona poder com conhecimento, estratégias e alianças.
Alvin Toffler, 75, é consultor do governo dos EUA em futurismo e autor de "A Terceira Onda" (ed. Record)

 
TERCEIRA LIÇÃO - PLANEJAMENTO
Executivo deve 'abraçar o mundo'

Não haverá trégua. A corrida por novos modelos de gestão, alimentada pela evolução do cenário mundial, está apenas começando. Concorrência externa, flexibilização de mercados e integração regional vão se acentuar. "Se a empresa muda mais lentamente que o mercado, ela se torna obsoleta, ultrapassada", previne o consultor Idalberto Chiavenato, 66. O arranjo das empresas em redes integradas de negócios é uma das soluções à equação. A dispersão de negócios e a busca de fornecedores pelo mundo são orientadas por vantagens competitivas. José Álvarez, 45, professor do Instituto de Empresa, da Espanha (associado à FGV-Eaesp), avalia que esse formato, combinado a estruturas hierárquicas flexíveis, tende a ser mais adotado. A busca por mercados estrangeiros estará em alta. E ainda há espaço a ser cavado. Álvarez nota a baixa presença de produtos latinos na Europa: "A única marca que me vem à cabeça é a Café da Colômbia". Atenção especial a emergentes, como China, Índia e Rússia, deve ser considerada. Em meio à negociação para a criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), as empresas não devem se escorar em protecionismos comerciais, indica Daniel Spulber, 50, da Kellogg School of Management. "Os executivos devem focar oportunidades no comércio mundial", opina. O balanço social das corporações também ganhará maior atenção nos próximos anos, uma vez que as escolhas dos consumidores estarão mais atreladas a valores éticos. Outra preocupação será a fidelização dos clientes. Acidentes de percurso. A contínua calibragem do planejamento estratégico crescerá. Contudo, tal como hoje, "acidentes de percurso" devem continuar a surpreender os gestores. Cuidados com integração de pessoal e cultura local não pouparam a Rohm and Haas (indústria química), que tem filial na Argentina, dos efeitos da recente crise no país vizinho. Com a desvalorização do peso, no início de 2002, a situação ganhou contornos inesperados, explica Mauro Trevisani, 38, diretor de desenvolvimento de negócios e planejamento estratégico para a América Latina. "Adotamos um plano de contingência para minimizar perdas." O ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo, 39, estima, entretanto, que melhores perspectivas para a América Latina já despontam no horizonte. "A volatilidade vai diminuir muito no Brasil em 2004." (SBR)

 

BIBLIOGRAFIA
"O Banqueiro dos Pobres" Autor: Muhammad Yunus Editora: Ática Preço: R$ 29
"Estratégia e Planejamento" Autores: vários Editora: Publifolha Preço: R$ 27,90
"7 Homens e os Impérios que Construíram" Autor: Richard Tedlow Editora: Futura Preço: R$ 59

 


UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA