O
presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, pagou
na quarta-feira, em Nova York, um dos maiores micos dos últimos
tempos. Viajou na véspera para assistir à instalação,
na Organização das Nações Unidas, de um
"Diálogo de Alto Nível", marcado para as 10h
do dia seguinte. Atrasou-se e, quando chegou ao plenário da ONU,
ele estava vazio.
João Paulo explicou-se. Ele e sua comitiva chegaram ao hotel
(Morgans, US$ 300 de diária, pela tabela), com seis horas de
antecedência, e não havia quartos disponíveis. Estavam
na ONU pouco antes das 10h. Perderam alguns minutos credenciando-se,
mais uns 20 conversando e admirando os painéis "Guerra e
Paz", de Cândido Portinari. Subiram ao plenário e
tiveram a surpresa: o evento durara uns dez minutos e já acabara.
Mais tarde, a caravana encontrou-se com o secretário-geral da
ONU, Kofi Annan.
Os senhores de Brasília aprenderam, numa só manhã,
que há cidades regidas pela pontualidade. Nelas não se
chega antes da hora aos hotéis (a menos que se pague) nem se
entra 20 minutos depois num evento. O atual governo não dá
sorte com Nova York. Em setembro, Lula chegou em torno das 9h45 para
uma palestra no Council on Foreign Relations e foi tomar um tranquilo
café, pois o Cerimonial da Presidência dizia que aquele
chegara 15 minutos adiantado para compromisso das 10h. Engano. Chagara
15 minutos atrasado ao das 9h30. O Serviço Secreto estava enlouquecido,
pois fechara a rua 68 (uma rota de ônibus) pouco antes da hora
combinada. No salão, à espera do retardatário,
viam-se David Rockefeller, George Soros e o ex-secretário do
Tesouro americano Robert Rubin. O episódio embaçou o prestígio
de Mr. da Silva na Maison Rockefeller.
Poder e relógios raramente se acertam. Apesar de Luís
18 ter ensinado que "a pontualidade é a gentileza dos reis",
Bill Clinton foi capaz de chegar com quatro horas de atraso a um compromisso
de campanha (José Serra, campeão nacional de atrasos,
também), e FFHH só aderiu à hora certa em 1994,
quando foi nomeado ministro da Fazenda.
Lula já conseguiu chegar com duas horas de atraso a um compromisso
no Palácio do Planalto, onde estava. Na quinta-feira, chegou
à Paraíba com 40 minutos de atraso e saiu com uma hora
e meia. Apareceu para um jantar na casa de José Sarney, em Brasília,
às 23h, quando os convidados se preparavam para sair. Na sexta,
atrasou-se uma hora e meia para o almoço com a presidente da
Finlândia. Seu estouro médio na agenda está entre
30 e 60 minutos. É a mesma faixa do comissário José
Dirceu. Os retardatários sempre obrigam suas vítimas a
ouvir tediosas e inúteis explicações. Poucos são
os que têm humor de Marilyn Monroe: "Eu chego no dia certo.
Erro só a hora".
São dois os principais tipos de retardatários. Um manipula
o tempo alheio para mostrar o seu poder. O patrono dessa espécie
é Fidel Castro. No Brasil, seu imitador foi Leonel Brizola, quando
havia gente disposta a esperar por ele. O argentino Carlos Menem era
capaz de chegar atrasado, contar que demorara no cabeleireiro e sair
antes da hora. É o tipo "Poderoso Retardatário".
Lula tornou-se sócio desse clube. Lula também está
no segundo tipo, que estoura a agenda porque abarrotou-a.
Winston Churchill identificou a espécie no sujeito que atrasa
todos os compromissos em meia hora porque não quis desmarcar
dois deles. Nesse grupo estão muitos profissionais liberais,
sobretudo médicos, que embutem nos atrasos uma discreta exibição
de poder. Esse tipo não gosta de ser cobrado. É o gênero
Sarah Bernhardt. A atriz detestava ser advertida, até que um
jovem assistente disse-lhe: "Madame, quando a senhora quiser, serão
oito horas".
A pontualidade, por dois economistas
Os economistas Kaushik Basu (Universidade Cornell) e Jorgen Weibull
(Escola de Economia de Estocolmo) estudaram a lógica da pontualidade.
Eles ensinam:
- A falta de pontualidade pode ter uma base na cultura de um povo, mas
não lhe é inata. (Não existe uma propensão
dos latinos ao atraso.)
- Aquilo que parece efeito de uma cultura pode ser o resultado de escolhas
lógicas. (Lula atrasa uma audiência em uma hora porque
sabe que o seu interlocutor não vai para casa. Cuidado: o ministro
alemão Hjalmar Schacht, grão-vizir do 3º Reich e
quindim de um pedaço da ekipekonômica, deixou a ante-sala
do presidente francês Raymond Poincaré.)
- As pessoas associam a sua pontualidade à dos outros. (João
Paulo Cunha achou que podia atrasar na ONU porque pode-se atrasar 20
minutos na Câmara que ele preside.)
- Salvo para o romancista inglês Evelyn Waugh ("A pontualidade
é a virtude dos entediados"), ela tem um custo. Se uma pessoa
sabe que vai ter que esperar pelo retardatário, ela tende a se
atrasar.
- Os homens atrasam mais que as mulheres. As mulheres, quando atrasam,
tomam mais tempo que os homens. |