A DERRAMA CONTINUA

 


A derrama fiscal não pára. A próxima vítima será a cadeia produtiva dos alimentos, especialmente os produtos com poucos elos na cadeia, relevantes para a cesta básica, como arroz, leite, carne, frango, produtos de origem animal e peixe. Maior impacto haverá se o produtor for pessoa física, agricultura familiar ou cooperativa.
A bancada consistirá em um aumento de mais de 6% no PIS-Cofins, se a medida provisória proposta passar pelo Congresso na próxima semana.
Em janeiro de 2003, o PIS foi elevado de 0,65% para 1,65%. Quando o imposto não é cumulativo, a empresa A compra produto da empresa B e vende para a empresa C. A empresa A irá pagar imposto sobre o valor da venda, mas terá direito de compensar o que a empresa B pagou antes.
Ocorre que, na área agrícola, em muitas culturas o processo não se inicia com uma grande empresa industrial, mas com um pequeno produtor rural, ou pessoa física ou cooperativa, explica Edmundo Klotz, da Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação). Como não emite notas, o comprador A irá pagar integralmente o tributo e repassar para o C, que irá repassar até chegar ao final da cadeia: o consumidor. De 60% a 80% das compras dos produtores são feitas nessa modalidade.
O ex-secretário da Receita Everardo Maciel entendeu os argumentos do setor e autorizou um crédito presumido de 80%, que permitia equalizar as diversas culturas. Na mesma MP que autorizou, estava prevista medida semelhante para a Cofins.
O aumento da Cofins foi uma pancada geral sobre a economia. Agora, tenta-se retirar o crédito presumido da agricultura. Significará um salto de 3,65% para 9,25% na tributação sem nenhum tipo de compensação, quando a origem for um pequeno produtor ou pessoa física.
A argumentação da Receita para essa medida foi a compensação para a desoneração de outros insumos agrícolas -uma enorme lista, que inclui ração animal, esperma de boi e fertilizantes.
Ocorre que essa desoneração não bate na ponta do consumidor e tende a beneficiar só o grande produtor. Em compensação, a cultura do pequeno agricultor será onerada na ponta, afetando consumo e criando tensões ao longo de toda a cadeia produtiva -que começa no campo e termina no supermercado.
Além disso, o argumento da compensação, pela Receita, embute mais uma vez uma mordida adicional, diz Klotz. O PIB dos insumos defensivos (desonerados pela Receita) é de R$ 51 bilhões/ano. O crédito presumido está sendo retirado do PIB do agronegócios, que, no ano passado, chegou a R$ 157,3 bilhões.
Razões como a de Klotz podem ser estendidas a todo o conjunto da economia. Na área de saneamento, por exemplo, só por conta do aumento do PIS-Cofins, haverá uma transferência líquida de mais de R$ 550 milhões das empresas do setor para o governo.
É impossível qualquer movimento em direção ao desenvolvimento com essa carga tributária. Todo esse aumento desmedido de carga foi decorrência direta do modelo adotado no Plano Real, de abertura financeira indiscriminada e juros elevados para atrair dólares.
Agora, fica-se obrigado a ouvir os autores dessa quebra do Estado apregoando que a solução é racionalizar tributos.

 



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