Corre
aquele burburinho pelos corredores da empresa: "Vão demitir,
vão demitir". E só o que o empregado quer saber é
se está ou não está na mira dos cortes. Descobrir
e entender esse processo está mais complicado do que antes, dizem
consultores. Os cortes já não se resumem em separar o
joio do trigo. Entre o "joio" (profissionais considerados
não-satisfatórios, que certamente deixarão a empresa)
e o "trigo" (profissionais excelentes, que certamente serão
mantidos), surge uma massa de profissionais que fica no meio do caminho
e que vai sendo atingida pelos cortes em níveis que se aproximam
cada vez mais do "trigo".
Consultores ensinam que todas as empresas, mesmo as de pequeno porte,
sabem quem serão as primeiras vítimas em caso de cortes.
Seria esse o "joio" -representado por demissões que
já deveriam ter ocorrido e que teriam sido adiadas por razões
como o receio dos chefes em demitir.
Os alvos são sobretudo profissionais que foram considerados aptos
em rigorosas seleções de recrutamento, mas que não
atendem mais às metas e ao perfil da empresa. Incluem desde quem
não tem bom relacionamento com a chefia e com os colegas até
quem simplesmente deixou de se atualizar e de cuidar da carreira.
Se cortar a cabeça dessa categoria não for o bastante
para atingir a redução de custo estipulada, a guilhotina
passa a cair sobre a cabeça de quem até ficaria na empresa,
caso a situação fosse outra.
Motivos
De acordo com a análise dos consultores, nas grandes empresas
a maioria das decisões é baseada em avaliações
periódicas de desempenho e de comportamento dos funcionários.
Já as pequenas utilizariam com mais frequência os critérios
subjetivos. O motivo que leva um ou outro nome à lista dos que
recebem o bilhete azul é quase sempre uma incógnita para
o demitido.
Saber a razão de ter sido dispensado, cuidado visto pelos consultores
como importante para não repetir erros, pode ser muito difícil,
segundo essa lógica. "Muitas vezes não há
nenhum [motivo]", afirma Neussymar Magalhães, diretora da
RHMC, unidade de negócios de consultoria da Madia Mundo Marketing.
A BCP, por exemplo, que há cerca de um mês realizou corte
de cem profissionais motivado pelo fechamento e pela venda de lojas,
informou à Folha, por meio de sua assessoria, que não
gostaria de deixar a impressão de que os funcionários
que saíram da empresa são piores do que os que permaneceram
trabalhando.
"O ideal é escolher aqueles que vão impactar menos
os resultados da empresa", diz Matilde Berna, gerente da unidade
de transição de carreira da RightSaadFellipelli. Mesmo
quando adotam critérios objetivos ligados a desempenho ou produtividade,
muitas empresas evitam divulgá-los aos próprios funcionários.
Procuradas pela Folha, companhias que fizeram cortes no primeiro semestre
deste ano, entre elas a Telefônica, a Philips e a Deca, não
responderam que critérios utilizam para decidir quem fica e quem
sai quando são feitos cortes.
A razão do silêncio, segundo especialistas, é que,
na hora de fechar a lista, as empresas em geral incluem entre os cortados
funcionários que atendem aos requisitos técnicos, mas
que incomodam quando entram em campo as avaliações pessoais
e subjetivas. "No mesmo pacote, um ou outro vai embora por problemas
pessoais. Daí o medo de falar", diz Neli Barbosa, da Manager
Assessoria em Recursos Humanos.
O
ALVO DOS CORTES
Se é certo
que vai haver cortes, o que você pode fazer para aumentar sua
chance de permanecer na empresa? Pergunte ao seu chefe. Essa simples
questão, afirmam consultores ouvidos pela Folha, demonstra intenção
de colaborar com a empresa em uma hora difícil, disponibilidade
para buscar soluções alternativas e até disposição
para fazer sacrifícios. Em resumo: pode ajudar o empregado a
escapar dos desligamentos.
É preciso, no entanto, que toda a disposição demonstrada
seja sincera e que venha de alguém já comprometido com
o trabalho. Do contrário, o funcionário pode ser visto
como um oportunista ou um simples "puxa-saco".
"Não adianta correr na hora em que a coisa está acontecendo,
a não ser que você seja um político e saiba fazer
conchavos. A saída é mesmo a competência",
ensina Neli Barboza, da Manager. Se quem oferece ajuda é um funcionário
capacitado e competente, não há empresa que veja isso
como negativo, afirma ela.
Sentir-se "ameaçado", por mais incrível que
pareça, pode ser uma coisa boa para não se esquecer da
carreira e manter-se atualizado. "Quanto mais você se sente
seguro no emprego, mais perto da demissão você está",
diz Barboza. A sensação de segurança, segundo ela,
tem a ver com acomodação. Já o "estresse"
pode ser redirecionado para dar mais gás ao trabalho.
Mas, se é bom estar atento aos sinais de que o emprego pode estar
ameaçado, também é necessário tomar cuidado
para evitar a paranóia. "Achar que está em perigo
porque o chefe não sorriu ou porque não deu bom-dia não
tem cabimento", afirma Marcelo Mariaca, da Mariaca & Associates.
A análise deve ser mais aprofundada, segundo ele. Avaliar a relação
com o superior e com os colegas, descobrir se está satisfazendo
as aspirações deles e fazer uma auto-avaliação
de desempenho seriam os verdadeiros passos para verificar a estabilidade.
Depois que ocorre a demissão, o conselho é manter o foco
na carreira e nos objetivos já traçados. Não abandonar
iniciativas como a pós-graduação é outra
dica importante. Quem está empregado tem melhores condições
de negociar na hora de buscar uma nova colocação, mas
quem foi dispensado não deve pensar que tem menos chances de
se dar bem.
"Estar desempregado não é uma barreira em si. O importante
é não se sentir um coitadinho. Muitas vezes os sinais
[da demissão] já estavam claros, e a pessoa não
prestou atenção e não tentou evitar",
afirma Guilherme Velloso, diretor da consultoria Panelli Motta Cabrera
e Associados.
Competição
Pesquisa qualitativa feita pela empresa júnior da ESPM (Escola
Superior de Propaganda e Marketing) com 40 universitários da
escola e de instituições como USP, Faap, PUC-SP e Ibmec,
concluiu que graduandos têm como maior preocupação
a empregabilidade e vêem os colegas de curso como futuros contatos
profissionais ou, então, como concorrentes.
"Os jovens de hoje sabem que têm de ser os melhores para
ficar distantes dos cortes", explica a professora Aylza Munhoz,
diretora da pós-graduação da ESPM. Segundo ela,
a pesquisa mostra que os alunos conhecem bem as dificuldades do mercado
de trabalho. "Eles estão convencidos de que têm de
estudar sem parar para não cair fora do jogo. Ninguém
vai simplesmente pendurar o diploma", declara a professora. Ter
boa formação, objetivo definido para a carreira e continuar
se atualizando constantemente não é garantia de emprego.
Apesar disso, quem tem esses atributos tem mais chances de deixar a
empresa em melhores condições. Entre altos executivos,
ensinam os consultores, há em geral dois tipos de corte: para
reestruturar a empresa e por desgastes de relacionamento. São
cortados os que estão desatualizados e aqueles que incomodam
-algumas vezes justamente por gerarem melhores resultados que os demais.
Quem faz sucesso na organização e não tem o posto
máximo em sua área teria dois destinos no mercado de trabalho:
ascender rapidamente e ultrapassar os "desafetos" ou continuar
se desgastando e esperar o corte, que nesse caso seria mera questão
de tempo.
DEMITIDOS
NÃO COMPREENDEM RAZÃO DA ESCOLHA |
Armando
de Castro Silva, 42, que fez especialização em administração
de marketing na Fundação Getulio Vargas, pós-graduação
em marketing na ESPM e atualmente cursa MBA em finanças e seguros
no Ibmec, foi demitido em janeiro deste ano.
Ele diz que a razão foi o desgaste pessoal. Diretor-superintendente
de marketing, sua função era provocar mudanças.
"Havia muito embate", diz. Quando a empresa -uma grande seguradora-
anunciou demissões e reduziu a verba de sua área, ofereceu
a própria cabeça.
"Teria atuação restrita. Eles disseram: "Cortar
você será uma boa economia"." Agora, participa
de um programa de recolocação, financiado pela empresa.
COMO
SÃO (OU DEVERIAM SER) OS CORTES
De acordo com os consultores
de RH |
1º
A empresa define sua organização ideal (se planeja uma
restruturação) ou identifica que mudanças vão
causar menos impactos nos resultados (se a idéia é reduzir
custos)
2º
É feito o desenho de custos e das competênicias técnicas
e comportamentais para cada cargo
3º Definem-se quantas posições precisam
ser eliminadas ou que valores (em salários e benefícios)
precisam ser cortados
4º
São avaliados o desempenho, as competências e o potencial
dos funcionários
5º
Avaliam-se os aspectos comportamentais. Dificuldades de relacionamento
e inflexibilidade contam pontos negativos
6º
São identificados os funcionarios excelentes (que certamente
ficam), os não-satisfatórios (que certamente saem) e um
grupo intermediário
7º
Eliminam-se os empregados de pior desempenho, menor potencial, que menos
se encaixam no perfil comportamental da empresa e que têm menos
competências
8º
Alguns critérios pessoais podem ser usados como desempate, no
caso de funcionários igualmente competentes:
Solteiros
x casados: exceto em situações que exigem grande
disponibilidade para viagens, os casados costumam ser privilegiados,
pois teoricamente têm uma família para sustentar
Novatos
x velha guarda: quem tem mais tempo de casa costuma ser valorizado,
desde que não esteja prestes a se aposentar
Altos
salários x pisos: se o problema for de custo, pode ser
demitido aquele que ganha mais do que os colegas de função;
no entanto, se há um reposicionamento, manter os mais caros pode
ser mais estratégico
9º
Caso as contas não "fechem" com a dispensa dos não-satisfatórios,
novas "vítimas" são buscadas no grupo intermediário
DESVIOS:
No meio do processo, pode haver a interferência de aspectos pessoais,
abrindo espaço, por exemplo, para decisões baseadas em
ter ou não a simpatia de quem decide
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