CRITÉRIOS PARA DEMITIR SÃO POUCO CLAROS

Bruno Lima

Corre aquele burburinho pelos corredores da empresa: "Vão demitir, vão demitir". E só o que o empregado quer saber é se está ou não está na mira dos cortes. Descobrir e entender esse processo está mais complicado do que antes, dizem consultores. Os cortes já não se resumem em separar o joio do trigo. Entre o "joio" (profissionais considerados não-satisfatórios, que certamente deixarão a empresa) e o "trigo" (profissionais excelentes, que certamente serão mantidos), surge uma massa de profissionais que fica no meio do caminho e que vai sendo atingida pelos cortes em níveis que se aproximam cada vez mais do "trigo".
Consultores ensinam que todas as empresas, mesmo as de pequeno porte, sabem quem serão as primeiras vítimas em caso de cortes. Seria esse o "joio" -representado por demissões que já deveriam ter ocorrido e que teriam sido adiadas por razões como o receio dos chefes em demitir.
Os alvos são sobretudo profissionais que foram considerados aptos em rigorosas seleções de recrutamento, mas que não atendem mais às metas e ao perfil da empresa. Incluem desde quem não tem bom relacionamento com a chefia e com os colegas até quem simplesmente deixou de se atualizar e de cuidar da carreira.
Se cortar a cabeça dessa categoria não for o bastante para atingir a redução de custo estipulada, a guilhotina passa a cair sobre a cabeça de quem até ficaria na empresa, caso a situação fosse outra.

Motivos
De acordo com a análise dos consultores, nas grandes empresas a maioria das decisões é baseada em avaliações periódicas de desempenho e de comportamento dos funcionários. Já as pequenas utilizariam com mais frequência os critérios subjetivos. O motivo que leva um ou outro nome à lista dos que recebem o bilhete azul é quase sempre uma incógnita para o demitido.
Saber a razão de ter sido dispensado, cuidado visto pelos consultores como importante para não repetir erros, pode ser muito difícil, segundo essa lógica. "Muitas vezes não há nenhum [motivo]", afirma Neussymar Magalhães, diretora da RHMC, unidade de negócios de consultoria da Madia Mundo Marketing. A BCP, por exemplo, que há cerca de um mês realizou corte de cem profissionais motivado pelo fechamento e pela venda de lojas, informou à Folha, por meio de sua assessoria, que não gostaria de deixar a impressão de que os funcionários que saíram da empresa são piores do que os que permaneceram trabalhando.
"O ideal é escolher aqueles que vão impactar menos os resultados da empresa", diz Matilde Berna, gerente da unidade de transição de carreira da RightSaadFellipelli. Mesmo quando adotam critérios objetivos ligados a desempenho ou produtividade, muitas empresas evitam divulgá-los aos próprios funcionários. Procuradas pela Folha, companhias que fizeram cortes no primeiro semestre deste ano, entre elas a Telefônica, a Philips e a Deca, não responderam que critérios utilizam para decidir quem fica e quem sai quando são feitos cortes.
A razão do silêncio, segundo especialistas, é que, na hora de fechar a lista, as empresas em geral incluem entre os cortados funcionários que atendem aos requisitos técnicos, mas que incomodam quando entram em campo as avaliações pessoais e subjetivas. "No mesmo pacote, um ou outro vai embora por problemas pessoais. Daí o medo de falar", diz Neli Barbosa, da Manager Assessoria em Recursos Humanos.

O ALVO DOS CORTES
Se é certo que vai haver cortes, o que você pode fazer para aumentar sua chance de permanecer na empresa? Pergunte ao seu chefe. Essa simples questão, afirmam consultores ouvidos pela Folha, demonstra intenção de colaborar com a empresa em uma hora difícil, disponibilidade para buscar soluções alternativas e até disposição para fazer sacrifícios. Em resumo: pode ajudar o empregado a escapar dos desligamentos.
É preciso, no entanto, que toda a disposição demonstrada seja sincera e que venha de alguém já comprometido com o trabalho. Do contrário, o funcionário pode ser visto como um oportunista ou um simples "puxa-saco".
"Não adianta correr na hora em que a coisa está acontecendo, a não ser que você seja um político e saiba fazer conchavos. A saída é mesmo a competência", ensina Neli Barboza, da Manager. Se quem oferece ajuda é um funcionário capacitado e competente, não há empresa que veja isso como negativo, afirma ela.
Sentir-se "ameaçado", por mais incrível que pareça, pode ser uma coisa boa para não se esquecer da carreira e manter-se atualizado. "Quanto mais você se sente seguro no emprego, mais perto da demissão você está", diz Barboza. A sensação de segurança, segundo ela, tem a ver com acomodação. Já o "estresse" pode ser redirecionado para dar mais gás ao trabalho.
Mas, se é bom estar atento aos sinais de que o emprego pode estar ameaçado, também é necessário tomar cuidado para evitar a paranóia. "Achar que está em perigo porque o chefe não sorriu ou porque não deu bom-dia não tem cabimento", afirma Marcelo Mariaca, da Mariaca & Associates.
A análise deve ser mais aprofundada, segundo ele. Avaliar a relação com o superior e com os colegas, descobrir se está satisfazendo as aspirações deles e fazer uma auto-avaliação de desempenho seriam os verdadeiros passos para verificar a estabilidade.
Depois que ocorre a demissão, o conselho é manter o foco na carreira e nos objetivos já traçados. Não abandonar iniciativas como a pós-graduação é outra dica importante. Quem está empregado tem melhores condições de negociar na hora de buscar uma nova colocação, mas quem foi dispensado não deve pensar que tem menos chances de se dar bem.
"Estar desempregado não é uma barreira em si. O importante é não se sentir um coitadinho. Muitas vezes os sinais [da demissão] já estavam claros, e a pessoa não prestou atenção e não tentou evitar",
afirma Guilherme Velloso, diretor da consultoria Panelli Motta Cabrera e Associados.
Competição
Pesquisa qualitativa feita pela empresa júnior da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) com 40 universitários da escola e de instituições como USP, Faap, PUC-SP e Ibmec, concluiu que graduandos têm como maior preocupação a empregabilidade e vêem os colegas de curso como futuros contatos profissionais ou, então, como concorrentes.
"Os jovens de hoje sabem que têm de ser os melhores para ficar distantes dos cortes", explica a professora Aylza Munhoz, diretora da pós-graduação da ESPM. Segundo ela, a pesquisa mostra que os alunos conhecem bem as dificuldades do mercado de trabalho. "Eles estão convencidos de que têm de estudar sem parar para não cair fora do jogo. Ninguém vai simplesmente pendurar o diploma", declara a professora. Ter boa formação, objetivo definido para a carreira e continuar se atualizando constantemente não é garantia de emprego.
Apesar disso, quem tem esses atributos tem mais chances de deixar a empresa em melhores condições. Entre altos executivos, ensinam os consultores, há em geral dois tipos de corte: para reestruturar a empresa e por desgastes de relacionamento. São cortados os que estão desatualizados e aqueles que incomodam -algumas vezes justamente por gerarem melhores resultados que os demais. Quem faz sucesso na organização e não tem o posto máximo em sua área teria dois destinos no mercado de trabalho: ascender rapidamente e ultrapassar os "desafetos" ou continuar se desgastando e esperar o corte, que nesse caso seria mera questão de tempo.

DEMITIDOS NÃO COMPREENDEM RAZÃO DA ESCOLHA

Armando de Castro Silva, 42, que fez especialização em administração de marketing na Fundação Getulio Vargas, pós-graduação em marketing na ESPM e atualmente cursa MBA em finanças e seguros no Ibmec, foi demitido em janeiro deste ano.
Ele diz que a razão foi o desgaste pessoal. Diretor-superintendente de marketing, sua função era provocar mudanças. "Havia muito embate", diz. Quando a empresa -uma grande seguradora- anunciou demissões e reduziu a verba de sua área, ofereceu a própria cabeça.
"Teria atuação restrita. Eles disseram: "Cortar você será uma boa economia"." Agora, participa de um programa de recolocação, financiado pela empresa.

COMO SÃO (OU DEVERIAM SER) OS CORTES
De acordo com os consultores de RH

A empresa define sua organização ideal (se planeja uma restruturação) ou identifica que mudanças vão causar menos impactos nos resultados (se a idéia é reduzir custos)

É feito o desenho de custos e das competênicias técnicas e comportamentais para cada cargo

Definem-se quantas posições precisam ser eliminadas ou que valores (em salários e benefícios) precisam ser cortados

São avaliados o desempenho, as competências e o potencial dos funcionários

Avaliam-se os aspectos comportamentais. Dificuldades de relacionamento e inflexibilidade contam pontos negativos

São identificados os funcionarios excelentes (que certamente ficam), os não-satisfatórios (que certamente saem) e um grupo intermediário

Eliminam-se os empregados de pior desempenho, menor potencial, que menos se encaixam no perfil comportamental da empresa e que têm menos competências

Alguns critérios pessoais podem ser usados como desempate, no caso de funcionários igualmente competentes:
Solteiros x casados: exceto em situações que exigem grande disponibilidade para viagens, os casados costumam ser privilegiados, pois teoricamente têm uma família para sustentar
Novatos x velha guarda: quem tem mais tempo de casa costuma ser valorizado, desde que não esteja prestes a se aposentar
Altos salários x pisos: se o problema for de custo, pode ser demitido aquele que ganha mais do que os colegas de função; no entanto, se há um reposicionamento, manter os mais caros pode ser mais estratégico

Caso as contas não "fechem" com a dispensa dos não-satisfatórios, novas "vítimas" são buscadas no grupo intermediário

DESVIOS: No meio do processo, pode haver a interferência de aspectos pessoais, abrindo espaço, por exemplo, para decisões baseadas em ter ou não a simpatia de quem decide




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