Estimado
presidente Luiz Inácio, Tenho duas coisas a dizer ao amigo:
1) Não se comprometa com o erro.
2) Não entregue a alma ao seu adversário.
Eu sei que demitir ministro corta o coração. Em 1958,
demiti o José Maria Alkmin, meu amigo de infância nas ruas
de Diamantina, colega de trabalho nos Correios. Continuamos amigos,
porque há pessoas que perdem o cargo, mas não perdem a
educação. Daqui, a gente vê que o querido presidente
já percebeu que uma parte do seu ministério está
fatigada. Isso acontece com todo mundo. Outro dia, eu estava conversando
com o Castello e o Costa e Silva. Fizemos a conta e concluímos
ter nomeado pelo menos cinco dementes. O Tancredo disse muito bem: "São
quatro os ministros que seguram o pálio da procissão.
Os demais cantam".
Uma alma como a sua pode buscar novas soluções diante
de desapontamentos imprevistos. A vida é assim. Eu tirei o Álvaro
Lins do Planalto e o mandei para Portugal. No meu tempo, os ministros
eram 13. Pois acredite, demiti 26 e não fiz um só inimigo.
Outro dia, eu e o Augusto Frederico Schmidt, que não está
entre seus admiradores (porém manda suas recomendações
a d. Marisa), nos divertimos vendo quem o senhor vai dispensar e quem
o senhor vai preservar. Ambos acreditamos que o estimado presidente
não errará nas dispensas. Eu entendo que os seus problemas
persistirão, pois derivarão das permanências. O
Schmidt não concorda comigo, mas esse bom amigo é o único
perdulário federal que se comporta como argentário municipal.
Mais do que isso não posso dizer.
Digo-lhe, sem constrangimento, que o ilustre patrício se engana
quando se mostra preocupado com o governo anterior. Falo-lhe com a autoridade
de quem teve um demônio chefiando a oposição. Mil
anos de ditadura serão pouco para que o amigo sofra o que sofri
na ponta do espeto de Carlos Lacerda. Sofri, mas não deixei que
ele capturasse a minha alma. Pelo contrário, posso me orgulhar
de ter capturado a dele. Tenho aqui ao lado o dr. Getúlio. Lacerda
lhe tomou a vida, mas no dia 24 de agosto quem perdeu um pedaço
da alma foi o Carlos, não o presidente que se matou. Até
hoje, dr. Getúlio sorri quando conta seus últimos minutos,
de pijama, naquele quarto do Palácio do Catete.
Outro dia, o Lacerda rememorou essa mesma manhã. Continua agoniado.
O caro amigo vem dando ao professor Fernando Henrique Cardoso e aos
tucanos um pedaço de sua alma. Isso só lhe trará
fraqueza e melancolia. Peça ao querido ministro (e mineiro) Luiz
Dulci que procure um só discurso meu atribuindo ao Lacerda seja
lá o que for. Não o achará. Para fazer o que eu
queria fazer, não podia demonstrar preocupação
com ele. Estava construindo um novo Brasil, e os tropeços da
caminhada, bem como os ministros fatigados, eram notas de pé
de página. Pergunto-lhe: qual a causa da saída do José
Carlos de Macedo Soares do Itamaraty, em 1958? Talvez não cheguem
a dez as pessoas capazes de responder a essa pergunta. Verificarão
que respondê-la é uma forma de cansar a memória
a serviço da irrelevância.
Outro dia, fiz uma aposta com o Jânio Quadros. Ele diz que, pelo
estilo, o ilustre presidente haverá de se assemelhar a ele. Eu
sustento que ficará parecido comigo. Se o Jânio ganhar,
pago duas caixas de uísque. Se eu ganhar, ele me paga com dois
frascos de colônia Davidoff, aquela que o Zózimo Barroso
do Amaral usa. Ajude-me a ganhar essa aposta. O Jânio, com duas
caixas de uísque, transformará isto aqui num inferno.
Cordialmente, abraça-o o amigo e servidor JK
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