Acabar
com o pouco que resta da mata atlântica no Brasil pode acabar
se revelando um péssimo negócio. Segundo pesquisadores
da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pelo menos nove entre
os dez municípios dos Estados das regiões Sul e Sudeste
que mais desmataram acabaram perdendo empregos rurais e, em muitos casos,
tiveram sua área plantada, seus pastos e seu rebanho encolhidos.
"Claramente, o desmatamento nessas regiões não está
associado ao crescimento da agricultura. É um desmatamento ligado
à decadência", disse à Folha Carlos Eduardo
Frickmann Young, 38, economista da UFRJ. Young coordena, há três
anos, estudos sobre a relação entre a derrubada dos remanescentes
da mata atlântica e a atividade econômica.
Os dados da equipe se referem a todos os Estados do Sul e Sudeste (com
exceção de Minas Gerais, que implicaria dificuldades por
conter grandes áreas de cerrado).
O estudo usou dados dos Censos Agropecuários do IBGE (Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) dos anos de
1985 e 1996 e do atlas compilado pela Fundação SOS Mata
Atlântica que mostra como evoluíram os remanescentes florestais
da mata atlântica de 1985 a 1995.
"Como a análise é municipal, uma das coisas difíceis
foi compatibilizar os dois conjuntos de dados. Isso parece uma besteira,
mas o problema é que surgiram muitos municípios novos
nesse intervalo de tempo", ressalta Young. Por isso, os pesquisadores
tiveram de adotar as divisões territoriais de 1985.
Ranking sombrio
Esses dois conjuntos de dados permitiram que a equipe traçasse
um ranking dos municípios de cada Estado que mais desmataram
e menos desmataram, correlacionando as posições ocupadas
por eles com a evolução da atividade agrícola em
cada área. No total, foram analisados 399 municípios em
São Paulo, 62 no Rio de Janeiro, 56 no Espírito Santo,
248 no Paraná, 178 em Santa Catarina e 168 no Rio Grande do Sul.
Em todos os Estados, a imensa maioria dos grandes desmatadores não
conseguiu aumentar o número de pessoas empregadas no campo, mesmo
com áreas maiores teoricamente liberadas para o uso agrícola
com o fim da floresta. Em São Paulo, por exemplo, nenhum dos
municípios no topo do ranking ocupou posição melhor
que a 115ª no quesito emprego rural, e metade deles estava abaixo
da 300ª. Em diversos Estados, a situação se repetiu
para área plantada e área ocupada por pastagens, embora,
no caso do número de cabeças de gado, o desempenho dos
grandes desmatadores tenha sido melhor.
O contrário também se verificou, ou seja, os municípios
com expansão agrícola foram os que desmataram pouco, como
no caso de Sertãozinho (SP) -o 374º no ranking de desmatamento.
Parece paradoxal acabar com a mata apenas para ocupá-la de forma
parcial, ou mesmo abandoná-la, mas a equipe sugere que isso faz
parte da dinâmica atual de uso da floresta no Sul e no Sudeste.
"A mata atlântica vem sendo ocupada desde o começo
da colonização", diz a economista Fernanda Cabral,
21, cujo trabalho de conclusão de curso na UFRJ versou sobre
o tema. "Portanto, eles estão intensificando uma ocupação
já decadente", afirma a estudante, que mostrou que o IDH
(índice de desenvolvimento humano) dos municípios campeões
de desmatamento estagnou ou diminuiu em vários casos.
Trocando em miúdos: os 7,3% que restam da mata atlântica
correspondem a áreas de qualidade duvidosa para a agricultura,
como encostas de morros, que tendem a sofrer degradação
rápida, se ocupadas. "Nós perdemos muito mais com
os problemas causados pelo desmatamento, como a falta de água,
do que ganhamos com o boi atleta que vai pastar na pirambeira",
diz Young.
Para Ronaldo Seroa da Motta, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), que não participou da análise, ela não
estabelece claramente a relação entre desmatamento e estagnação.
Para ele, "mais importante que isso é o custo dos danos
ambientais causados pelo desmatamento". |