INFLAÇÃO: MOMENTOS DECISIVOS

Luiz Carlos Mendonça de Barros

A luta do governo contra a inflação elevada dos últimos meses pode ser avaliada em termos da teoria militar de Estado-Maior. Essa imagem veio a minha mente enquanto assistia a um programa da
GloboNews, comandado pelo William Waack, sobre a guerra no Iraque. Dois cientistas políticos e um especialista em assuntos militares discutiam a guerra no Iraque, quando me surpreendi refletindo sobre a ação do BC em sua tentativa de retomar o controle da inflação. A questão que desviou minha atenção foi a discussão sobre a necessidade de os planos militares, prévios a uma ação militar e política, serem flexíveis o suficiente para acomodar surpresas e imprevistos.
No caso da invasão do Iraque, o governo Bush trabalhava com duas hipóteses iniciais que não se realizaram: a adesão da população aos "libertadores" e o sucesso da chamada guerra eletrônica. Com uma realidade diferente depois do início dos combates, o Estado-Maior americano foi obrigado a improvisar uma estratégia militar alternativa e, certamente, a pensar em um novo pós-guerra político.
A questão dos limites muito rígidos de estratégias militares foi enriquecida nos debates com o exemplo do ocorrido na guerra do Yom Kippur. O Estado-Maior egípcio, depois da transposição
exitosa do canal de Suez, não conseguiu modificar seu rígido plano de guerra e enfrentar com êxito um audacioso contra-ataque do Exército de Israel, comandado pelo atual primeiro-ministro, Ariel
Sharon. O resultado foi uma derrota desmoralizante dos egípcios, salvos de um desastre maior por uma intervenção internacional. A armadilha representada por planos de ação muito rígidos, sem a
possibilidade de mudanças em razão de problemas imprevistos, ocorre também na gestão da política econômica de um país. Essas situações estão normalmente associadas a grandes apostas
ideológicas por parte dos formuladores oficiais. Temos no Brasil de FHC dois exemplos extraordinários dessas situações: a experiência do câmbio fixo no primeiro mandato e o sistema de metas de
inflação no segundo. Na primeira aposta, idealizada e comandada por um técnico brilhante, mas ainda despreparado para orientar a economia de um país como o Brasil, a falta de capacidade de reconhecer a tempo os erros cometidos e corrigir os rumos planejados impôs à sociedade brasileira um custo social e econômico ainda não devidamente avaliado. No caso do sistema de metas de inflação, os custos têm sido menores e, aparentemente, a rigidez inicial já foi abandonada diante das dificuldades. Mas o debate entre os fundamentalistas -que defendem o modelo e cobram uma volta à rigidez perdida- e os que procuram entender a inflação a partir de seu entendimento como um fenômeno econômico de nosso tempo e realidade continua.
Recentemente Sérgio Werlang, ex-diretor do BC e o responsável pela implantação do modelo de metas inflacionárias, defendeu que o Copom deveria ter decidido por uma nova elevação dos juros em
sua última reunião. Isso apesar das evidências crescentes de que o processo inflacionário já entrou em uma fase de desaceleração estrutural de médio prazo e dos custos que juros mais elevados
teriam sobre as contas do governo e sobre o setor privado. O sistema de metas foi muito rígido, desde o início, e irrealista como as previsões dos neoconservadores republicanos em relação ao Iraque. Basta dizer que a meta de inflação para 2003, estabelecida em 2001, foi de 3,25% (resolução 2.842 do CMN). Quando ficou clara a inviabilidade de se comprometer com uma inflação tão baixa, em um país com nossa vulnerabilidade externa, o governo não teve coragem de introduzir as mudanças necessárias. Assistimos então ao mesmo efeito paralisante que levou o Estado-Maior egípcio a
permanecer imobilizado diante do desastre provocado por uma realidade no campo de batalha diferente da prevista em seus planos iniciais.
Essa mesma situação ocorre agora com a administração petista. Felizmente para nós, brasileiros, a condução da política monetária atual está impregnada da mesma ambiguidade política do PT na sua
versão poder. No Congresso, a esquerda do partido foi acomodada com a decisão de votar com o governo e denunciar o caráter antipopular dessa decisão via declaração de voto; na condução da
política monetária, o Banco Central divulga uma previsão de inflação de 10,8% para 2003, e o Copom, apesar de manter os juros, reafirma seu compromisso com a meta de 8,5%. Não tenho dúvida de que os próximos indicadores da inflação vão ser extremamente positivos. Alfredo Barbutti, que trabalha comigo, espera uma primeira prévia do IGP-M dá ordem de 0,48% e um número pouco superior a este para o mês fechado de abril. Mais uma peça no cenário de quase euforia que estamos vivendo!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
www.primeiraleitura.com.br




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