A luta do governo
contra a inflação elevada dos últimos meses pode
ser avaliada em termos da teoria militar de Estado-Maior. Essa imagem
veio a minha mente enquanto assistia a um programa da
GloboNews, comandado pelo William Waack, sobre a guerra no Iraque. Dois
cientistas políticos e um especialista em assuntos militares
discutiam a guerra no Iraque, quando me surpreendi refletindo sobre
a ação do BC em sua tentativa de retomar o controle da
inflação. A questão que desviou minha atenção
foi a discussão sobre a necessidade de os planos militares, prévios
a uma ação militar e política, serem flexíveis
o suficiente para acomodar surpresas e imprevistos.
No caso da invasão do Iraque, o governo Bush trabalhava com duas
hipóteses iniciais que não se realizaram: a adesão
da população aos "libertadores" e o sucesso
da chamada guerra eletrônica. Com uma realidade diferente depois
do início dos combates, o Estado-Maior americano foi obrigado
a improvisar uma estratégia militar alternativa e, certamente,
a pensar em um novo pós-guerra político.
A questão dos limites muito rígidos de estratégias
militares foi enriquecida nos debates com o exemplo do ocorrido na guerra
do Yom Kippur. O Estado-Maior egípcio, depois da transposição
exitosa do canal de Suez, não conseguiu modificar seu rígido
plano de guerra e enfrentar com êxito um audacioso contra-ataque
do Exército de Israel, comandado pelo atual primeiro-ministro,
Ariel
Sharon. O resultado foi uma derrota desmoralizante dos egípcios,
salvos de um desastre maior por uma intervenção internacional.
A armadilha representada por planos de ação muito rígidos,
sem a
possibilidade de mudanças em razão de problemas imprevistos,
ocorre também na gestão da política econômica
de um país. Essas situações estão normalmente
associadas a grandes apostas
ideológicas por parte dos formuladores oficiais. Temos no Brasil
de FHC dois exemplos extraordinários dessas situações:
a experiência do câmbio fixo no primeiro mandato e o sistema
de metas de
inflação no segundo. Na primeira aposta, idealizada e
comandada por um técnico brilhante, mas ainda despreparado para
orientar a economia de um país como o Brasil, a falta de capacidade
de reconhecer a tempo os erros cometidos e corrigir os rumos planejados
impôs à sociedade brasileira um custo social e econômico
ainda não devidamente avaliado. No caso do sistema de metas de
inflação, os custos têm sido menores e, aparentemente,
a rigidez inicial já foi abandonada diante das dificuldades.
Mas o debate entre os fundamentalistas -que defendem o modelo e cobram
uma volta à rigidez perdida- e os que procuram entender a inflação
a partir de seu entendimento como um fenômeno econômico
de nosso tempo e realidade continua.
Recentemente Sérgio Werlang, ex-diretor do BC e o responsável
pela implantação do modelo de metas inflacionárias,
defendeu que o Copom deveria ter decidido por uma nova elevação
dos juros em
sua última reunião. Isso apesar das evidências crescentes
de que o processo inflacionário já entrou em uma fase
de desaceleração estrutural de médio prazo e dos
custos que juros mais elevados
teriam sobre as contas do governo e sobre o setor privado. O sistema
de metas foi muito rígido, desde o início, e irrealista
como as previsões dos neoconservadores republicanos em relação
ao Iraque. Basta dizer que a meta de inflação para 2003,
estabelecida em 2001, foi de 3,25% (resolução 2.842 do
CMN). Quando ficou clara a inviabilidade de se comprometer com uma inflação
tão baixa, em um país com nossa vulnerabilidade externa,
o governo não teve coragem de introduzir as mudanças necessárias.
Assistimos então ao mesmo efeito paralisante que levou o Estado-Maior
egípcio a
permanecer imobilizado diante do desastre provocado por uma realidade
no campo de batalha diferente da prevista em seus planos iniciais.
Essa mesma situação ocorre agora com a administração
petista. Felizmente para nós, brasileiros, a condução
da política monetária atual está impregnada da
mesma ambiguidade política do PT na sua
versão poder. No Congresso, a esquerda do partido foi acomodada
com a decisão de votar com o governo e denunciar o caráter
antipopular dessa decisão via declaração de voto;
na condução da
política monetária, o Banco Central divulga uma previsão
de inflação de 10,8% para 2003, e o Copom, apesar de manter
os juros, reafirma seu compromisso com a meta de 8,5%. Não tenho
dúvida de que os próximos indicadores da inflação
vão ser extremamente positivos. Alfredo Barbutti, que trabalha
comigo, espera uma primeira prévia do IGP-M dá ordem de
0,48% e um número pouco superior a este para o mês fechado
de abril. Mais uma peça no cenário de quase euforia que
estamos vivendo!
Luiz
Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista,
é sócio e editor do site de economia e política Primeira
Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
www.primeiraleitura.com.br
|