"Solicito
que toda vez que algum servidor receber convite para emitir opiniões,
julgamentos ou comentários acerca dos nossos programas e metas
de trabalho, seja antecipadamente consultado o
secretário da respectiva área (...) Havendo necessidade
de realizar reuniões com a presença de outros órgãos
do governo, deverá ser dado conhecimento prévio ao secretário
da área visando obter sua
anuência." Não vem essa ordem "cala-a-boca"
do SNI do general Médici nem de algum chefete da Gestapo. Vem
essa mordaça de um secretário-executivo da atual administração
federal. E justamente
de uma área em que a busca da verdade e a transparência
deveriam ser os valores dominantes, a saber, do Ministério da
Ciência e Tecnologia. Também é neste governo ético,
democrático e transparente que, pela primeira vez, membros de
alto escalão do MCT, inclusive o acima referido secretário-executivo,
têm feito com que sejam mantidas suas bolsas de pesquisas após
empossados. O ministério oferece complementações
salariais, denominadas bolsas, para pesquisadores em atividade. Quem
julga e concede as bolsas são comissões de pares. A manutenção
dessas bolsas pelos executivos do ministério fere pelo menos
dois princípios morais básicos:
Em primeiro lugar, há um óbvio constrangimento para uma
comissão que tem de julgar superiores hierárquicos; Em
segundo lugar, quebra-se um princípio fundamental, o de que as
bolsas são concedidas exclusivamente a atividades de pesquisa
-o que, obviamente, não estão realizando os executivos
do MCT. Esse abuso foi ampliado com a exigência de que bolsas
fossem dadas,
sem o respeito às avaliações de mérito tradicionais,
à esposa de um e à filha de outro desses "altos"
administradores. Tudo isso só serve para demonstrar a atitude
oportunista e a percepção apoucada da atual administração
do MCT. Vamos aos fatos realmente relevantes:
1. Foram jogadas no lixo as avaliações dos institutos
de pesquisa do MCT, o chamado Relatório Tundisi. Não porque
esse relatório tenha falhas, mas simplesmente por princípio.
Avaliações são
desconfortáveis para os medíocres e os parasitas. E, se
houve um incontestável progresso em algum setor de atuação
do MCT da segunda administração FHC, foi a adoção
de procedimentos de
avaliação e de comitês de busca independentes do
ministro e da corporação interna para a escolha dos dirigentes
de suas unidades de pesquisa;
2. Outro retrocesso institucional é o abandono de uma progressiva
adoção da fórmula gerencial denominada organização
social, que se mostrou extremamente eficaz para o setor de ciência
e tecnologia.
É compreensível que alguns pesquisadores prefiram a condição
de servidor público. Mas, quando o administrador favorece a opção
pelo pesquisador-funcionário público, temos o direito
de desconfiar
de populismo;
3. Foi suprimida
a Secretaria de Política de Informática, área de
produção industrial à qual foram concedidos expressivos
subsídios e que necessita permanentemente de regulamentação
e controle, pois é um campo em que a evolução tecnológica
produz novas aplicações a cada dia. É claro que
o empresário do setor prefere agir sem restrição
e deve estar exultante;
4. Outra secretaria extinta foi a que se ocupava das unidades de pesquisa,
ou seja, da Comissão Nacional de Energia Nuclear, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, das organizações sociais
e dos institutos; ao todo quase 20 instituições. Essa
hipercentralização só pode servir ao caos e ao
casuísmo;
5. Não tiveram coragem de extinguir completamente o Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos, mas reduziram, ilegalmente,
seu orçamento a 7% do que fora orçado e aprovado no Congresso
Nacional. Esse órgão tinha como missão a realização
de estudos que permitissem ao MCT elaborar suas políticas e se
informar para tomadas de decisão, o que se tornara imprescindível
com a criação
dos fundos setoriais, que constituem o principal apoio financeiro à
pesquisa aplicada no Brasil. Com a eliminação em futuro
próximo do centro, as decisões virão a ser tomadas
sem apoio técnico, o que,
desconfiamos, será bastante conveniente para atuação
política;
6. Enquanto em países desenvolvidos a pesquisa em nanotecnologia
já absorve cerca de US$ 5 bilhões por ano, o Brasil dá
o seu primeiro e hesitante passo reservando R$ 8 milhões para
iniciar um
instituto especializado nesse campo. A expectativa é que a revolução
nanotecnológica vá gerar um mercado de US$ 1 trilhão
por ano já na próxima década. Pois bem, o projeto
de elaboração de
um Programa Nacional de Nanotecnologia, que levou dois anos para ser
elaborado, teve seu orçamento zerado, apesar de aprovado no Congresso
Nacional e sancionado pela Presidência.
O objetivo principal desse programa era possibilitar ao país
conquistar para suas empresas uma fatia significativa do mercado mundial
que se projeta para a nanotecnologia, em linha com uma política
de aumento do conteúdo tecnológico e do valor da pauta
de exportações dos produtos brasileiros. A decisão
de zerar esse projeto baseou-se na desculpa de que será criada
uma "rede" de nanotecnologia. Ora, qualquer iniciado sabe
que sem um centro de coordenação, uma concentração
mínima, uma massa crítica, não há possibilidade
de sucesso em atividades de pesquisa e desenvolvimento em áreas
sujeitas à intensa competição internacional. Redes
de organismos independentes de pequeno porte, espalhadas democraticamente
pelo Brasil, só conseguiriam uma atuação eficiente
se ancoradas em uma instituição com massa crítica.
É preciso primeiro criá-la e, então, atrelar a
ela as redes. A solução proposta serve, porém,
aos propósitos populistas do MCT, pois o dinheiro assim distribuído
fará muita gente modesta satisfeita. Pois bem, o MCT, desde sua
criação, nunca fora objeto de troca no tabuleiro da política
partidária. É lastimável que justamente na ascensão
do PT, que tanto alardeia sua convicção de que o conhecimento
é a base do desenvolvimento econômico, torne-se o Ministério
da Ciência e Tecnologia palco de populismo desagregador e do mais
retrógrado jogo politiqueiro.
Rogério
Cezar de Cerqueira Leite, 71, físico, é professor emérito
da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha. |