BNDES QUER TRANSPOR ÁGUAS DO TOCANTINS

Chico Santos

A transposição de águas do rio São Francisco, um dos projetos mais polêmicos do governo Fernando Henrique Cardoso, está de volta, só que em versão ampliada. O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, disse que a transposição conjunta de águas do Tocantins para o São Francisco e do São Francisco para perenizar rios temporários do semi-árido do Nordeste é "o sonho do presidente Lula [Luiz Inácio Lula da Silva]". Segundo Lessa, o projeto "tem de ser examinado com absoluta prioridade". O valor da obra ainda não está definido, até porque não há um projeto pronto para a transposição do Tocantins. Um cálculo preliminar do BNDES estimou o valor em R$ 24 bilhões. A transposição de águas integra o pacote de programas levado pelo banco estatal para exame do governo no valor de aproximadamente R$ 315 bilhões.
Embora esteja sendo defendido em público por seu presidente, o BNDES prefere não fornecer informações mais detalhadas sobre o projeto, alegando que está sob exame da Presidência da República. A transposição, entretanto, tem mais de uma paternidade dentro do governo federal. Segundo informou a assessoria de imprensa do Ministério da Integração Nacional, o assunto está na alçada da Vice-Presidência da República. Na quinta e na sexta-feira da semana passada, a Folha fez cinco ligações para a chefia de gabinete do vice-presidente, José Alencar, responsável pela área de comunicação social, mas não obteve resposta.
Reversão de curso
Ao afirmar que a transposição das águas do Tocantins para o São Francisco é essencial para o sucesso do projeto, Lessa disse que há um sério desafio a ser superado pela engenharia do país, que é a reversão do curso do rio do Sono, afluente da margem direita do Tocantins. O rio do Sono corta boa parte do Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins, uma região desértica de dunas, cachoeiras e lagoas de crescente vocação ecoturística. É um rio encachoeirado, o que significa aclives a serem vencidos e mudanças drásticas no ambiente. De acordo com Lessa, a transposição do Tocantins é essencial porque serão suas águas que garantirão ao São Francisco a vazão necessária ao abastecimento do semi-árido. Para o ex-ministro da Casa Civil Aluízio Alves Filho, principal defensor do projeto no governo FHC, não é necessária a transposição do Tocantins. Segundo ele, com apenas 3% das águas do São Francisco será possível irrigar o semi-árido de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. O projeto defendido por Alves Filho enfrenta forte oposição de outros Estados nordestinos, especialmente da Bahia, que ficariam de fora dos benefícios trazidos por essa irrigação. O ex-ministro, que é do Rio Grande do Norte, argumenta que incluir o Tocantins é uma forma de engavetar mais uma vez o plano da transposição. Segundo ele, somente a elaboração do novo projeto levaria cerca de seis anos. Alves Filho estima que, sem o Tocantins, a obra ficaria em cerca de R$ 4 bilhões. Ele avalia ainda que o projeto no formato desejado pelo BNDES custará mais de R$ 12 bilhões. A Folha apurou que o projeto defendido pelo BNDES beneficia -além de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte- Bahia, Piauí e Sergipe. Na Bahia, as águas do São Francisco seriam transpostas para reforçar os rios Vaza Barris e Itapicuru. O primeiro nasce na região próxima a Canudos e deságua em Sergipe, perto da capital, Aracaju. O segundo nasce e deságua na Bahia. Ambos cortam regiões produtoras de feijão da Bahia. No Piauí, as águas do São Francisco servirão, segundo o projeto em exame, para reforçar pelo menos o rio Canindé, afluente da margem do rio Parnaíba que atravessa o semi-árido piauiense. O projeto prevê ainda a transposição de águas para os rios Jaguaribe, no Ceará, e Piranhas, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, passando por Pernambuco.
Quatro saídas
Na versão do governo Lula, o projeto de transposição de águas prevê quatro pontos de saída do São Francisco. No projeto do governo FHC, que o ex-ministro Alves Filho avalia custar R$ 4 bilhões, eram previstas apenas duas saídas -uma no município de Cabrobó, em Pernambuco, e outra mais abaixo, na barragem de Itaparica, entre Bahia e Pernambuco, ambas bombeando as águas para o norte. No BNDES, o projeto é visto com ceticismo. O economista Eriksom Teixeira Lima, empregado licenciado do banco, disse que é inviável técnica, financeira e ambientalmente. Outro técnico do banco, que preferiu não se identificar, disse que, dados os problemas ambientais, dificilmente o projeto conseguiria obter financiamento internacional, especialmente de órgãos multilaterais.

Hidrelétricas são estratégicas em plano para NE
A transposição de águas do Tocantins e do São Francisco não é o único projeto polêmico considerado prioritário e "estruturante" pelo BNDES. O presidente do banco, Carlos Lessa, inclui na lista pelo menos dois outros, ambos destinados à geração de energia: a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, e o aproveitamento hidrelétrico do rio Madeira. Segundo Lessa, a usina de Belo Monte, no Pará, será para a região Nordeste o complemento energético necessário para suprir a atividade econômica que será gerada pela transposição das águas do Tocantins e do São Francisco. Lessa disse que, com o virtual esgotamento do potencial hidrelétrico do São Francisco, a energia de Belo Monte é essencial para o NE. O projeto prevê que a usina terá potência instalada de 11.182 megawatts, um pouco menos do que Itaipu, a maior hidrelétrica em operação do mundo. O presidente do BNDES, em palestra feita na semana passada no Clube de Engenharia do Rio, admitiu que Belo Monte tem problemas a serem resolvidos. Além da questão ambiental, a usina tem pelo menos um sério problema operacional: nos meses de seca a potência firme (geração mínima assegurada) cai para 4.675 megawatts. O custo da usina é controverso. Dependendo da fonte do cálculo, o custo da obra pode ir de US$ 3,7 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões) a US$ 11 bilhões (R$ 33 bilhões). Já o aproveitamento hidrelétrico do Madeira, com as construções das usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, é defendido por Lessa como estratégico para a integração física da América do Sul. Pelo projeto divulgado em março deste ano pela estatal Furnas Centrais Elétricas (grupo Eletrobrás), as duas usinas terão potência instalada de 7.362 megawatts e custarão R$ 12 bilhões. O Madeira é um dos principais afluentes do rio Amazonas. As obras das usinas de Santo Antônio e Jirau são consideradas essenciais para permitir a interligação hidroviária da bacia do Amazonas com as dos rios Orinoco, na Venezuela, e do Prata.
 
 
 



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