Comparado
aos 10 bilhões de litros de petróleo derramados no Iraque
e no Kuait -1,5 bilhão só nas águas do golfo Pérsico-
na Guerra do Golfo, o dano ambiental da última ação
militar americana foi pequeno. Mas os cientistas encarregados de avaliar
a situação do ambiente do país no pós-guerra
já têm um pesadelo pela frente: o passivo ecológico
da ditadura de Saddam Hussein.
A conclusão é de um estudo do Pnuma (Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente), divulgado no final de abril, que servirá
para orientar a reconstrução ambiental do país.
"A Guerra Irã-Iraque, a Guerra do Golfo e os serviços
internos como a drenagem dos pântanos da Mesopotâmia cobraram
seu preço", disse à Folha Nick Nuttall, porta-voz
do Pnuma.
Somados aos 12 anos de bloqueio econômico, que impediram a importação
de equipamentos e de produtos químicos usados no tratamento de
água e esgotos, os conflitos anteriores arrasaram o sistema de
saneamento do país e provocaram desastres ambientais cuja dimensão
só será avaliada agora, quando especialistas do Pnuma
começarem a trabalhar. O impacto da última guerra ainda
é desconhecido. Mas, em seu afã pelo controle dos campos
de petróleo do Iraque, os norte-americanos evitaram uma nova
catástrofe no Golfo. Apenas nove poços pegaram fogo, além
das trincheiras de petróleo em Bagdá. Problemas de poluição
no ar que essas trincheiras causaram na capital serão avaliados.
Também está na mira o potencial risco para a saúde
e o ambiente da descarga de quase 300 toneladas de projéteis
de urânio empobrecido pelos tanques anglo-americanos. O resto
é com Saddam. Antes da guerra, 19% dos iraquianos corriam risco
de morte devido à falta de água e saneamento básico.
De 1974 a 1999, o país perdeu 57% de sua cobertura florestal.
A construção de represas nos rios Tigre e Eufrates destruiu
quase totalmente uma das principais zonas alagadas do
mundo, os pântanos da Mesopotâmia.
Os pântanos, que cobriam originalmente uma área de cerca
de 20 mil km2 no sul do país, são considerados um berçário
importante para peixes do Golfo, além de abrigar 134 espécies
de ave (algumas migratórias, como cegonhas e o íbis sagrado,
extinto no local) e mamíferos como lontras.
Naquela região, considerada por alguns acadêmicos como
o local do Éden bíblico, prosperaram civilizações
como a suméria e a assíria, 5.000 anos atrás. Os
remanescentes desses povos são os
árabes dos pântanos, os madans. Os pântanos começaram
a secar principalmente na última metade do século 20,
devido à construção de diversas represas a montante
no Tigre e no Eufrates.
Em 2001, um estudo do Pnuma usando imagens de satélite mostrou
que 90% da região havia secado. Uma atualização
do estudo, no mês passado, revelou que um terço desses
10% já havia se perdido e que em cinco anos os pântanos
vão desaparecer totalmente.
Em 1991, os árabes dos pântanos, que são xiitas
-ramo muçulmano majoritário no país-, se rebelaram
contra o regime de Saddam. Além de esmagar o levante, o ditador
ordenou a construção de canais para drenar a água
do Eufrates e secar os pântanos. As obras ganharam nomes como
"rio Mãe de Todas as Batalhas" e "rio Saddam".
Cerca de 40 mil árabes dos pântanos vivem em campos de
refugiados no Irã. A ONU e vários grupos de cientistas
nos EUA e no Reino Unido têm planos para restaurar os pântanos
mesopotâmicos, restituindo o fluxo de água, a princípio,
a partir das 32 represas rio acima. O projeto Éden de Novo, que
tem financiamento de US$ 200 mil do Departamento de Estado dos EUA,
almeja transformar outra vez em pântano parte do deserto recente
que ficou famoso pelas imagens de TV de tempestades de areia, durante
a guerra. O plano corre o risco, porém, de causar outra tragédia:
a salinização do solo pode transformar o pântano
numa piscina de água salgada. A liberação de água
sobre solos contaminados com poluentes causaria outro desastre, já
que os pântanos estão integrados ao ecossistema do golfo
Pérsico.
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Assim
eram os pântanos da Mesopotâmia antes da drenagem |
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