AMBIENTE SOFREU MUITO MAIS SOB SADDAM

Cláudio Angelo

Comparado aos 10 bilhões de litros de petróleo derramados no Iraque e no Kuait -1,5 bilhão só nas águas do golfo Pérsico- na Guerra do Golfo, o dano ambiental da última ação militar americana foi pequeno. Mas os cientistas encarregados de avaliar a situação do ambiente do país no pós-guerra já têm um pesadelo pela frente: o passivo ecológico da ditadura de Saddam Hussein.
A conclusão é de um estudo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), divulgado no final de abril, que servirá para orientar a reconstrução ambiental do país. "A Guerra Irã-Iraque, a Guerra do Golfo e os serviços internos como a drenagem dos pântanos da Mesopotâmia cobraram seu preço", disse à Folha Nick Nuttall, porta-voz do Pnuma.
Somados aos 12 anos de bloqueio econômico, que impediram a importação de equipamentos e de produtos químicos usados no tratamento de água e esgotos, os conflitos anteriores arrasaram o sistema de saneamento do país e provocaram desastres ambientais cuja dimensão só será avaliada agora, quando especialistas do Pnuma começarem a trabalhar. O impacto da última guerra ainda é desconhecido. Mas, em seu afã pelo controle dos campos de petróleo do Iraque, os norte-americanos evitaram uma nova catástrofe no Golfo. Apenas nove poços pegaram fogo, além das trincheiras de petróleo em Bagdá. Problemas de poluição no ar que essas trincheiras causaram na capital serão avaliados. Também está na mira o potencial risco para a saúde e o ambiente da descarga de quase 300 toneladas de projéteis de urânio empobrecido pelos tanques anglo-americanos. O resto é com Saddam. Antes da guerra, 19% dos iraquianos corriam risco de morte devido à falta de água e saneamento básico. De 1974 a 1999, o país perdeu 57% de sua cobertura florestal. A construção de represas nos rios Tigre e Eufrates destruiu quase totalmente uma das principais zonas alagadas do
mundo, os pântanos da Mesopotâmia.
Os pântanos, que cobriam originalmente uma área de cerca de 20 mil km2 no sul do país, são considerados um berçário importante para peixes do Golfo, além de abrigar 134 espécies de ave (algumas migratórias, como cegonhas e o íbis sagrado, extinto no local) e mamíferos como lontras.
Naquela região, considerada por alguns acadêmicos como o local do Éden bíblico, prosperaram civilizações como a suméria e a assíria, 5.000 anos atrás. Os remanescentes desses povos são os
árabes dos pântanos, os madans. Os pântanos começaram a secar principalmente na última metade do século 20, devido à construção de diversas represas a montante no Tigre e no Eufrates.
Em 2001, um estudo do Pnuma usando imagens de satélite mostrou que 90% da região havia secado. Uma atualização do estudo, no mês passado, revelou que um terço desses 10% já havia se perdido e que em cinco anos os pântanos vão desaparecer totalmente.
Em 1991, os árabes dos pântanos, que são xiitas -ramo muçulmano majoritário no país-, se rebelaram contra o regime de Saddam. Além de esmagar o levante, o ditador ordenou a construção de canais para drenar a água do Eufrates e secar os pântanos. As obras ganharam nomes como "rio Mãe de Todas as Batalhas" e "rio Saddam". Cerca de 40 mil árabes dos pântanos vivem em campos de refugiados no Irã. A ONU e vários grupos de cientistas nos EUA e no Reino Unido têm planos para restaurar os pântanos mesopotâmicos, restituindo o fluxo de água, a princípio, a partir das 32 represas rio acima. O projeto Éden de Novo, que tem financiamento de US$ 200 mil do Departamento de Estado dos EUA, almeja transformar outra vez em pântano parte do deserto recente que ficou famoso pelas imagens de TV de tempestades de areia, durante a guerra. O plano corre o risco, porém, de causar outra tragédia: a salinização do solo pode transformar o pântano numa piscina de água salgada. A liberação de água sobre solos contaminados com poluentes causaria outro desastre, já que os pântanos estão integrados ao ecossistema do golfo Pérsico.

Assim eram os pântanos da Mesopotâmia antes da drenagem





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