Ao
olhar para os resultados das urnas, ainda parciais, puxei lá
do fundo de memória a frase famosa escrita em "O Pequeno
Príncipe" por Antoine de Saint-Exupéry: "Tu
te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
Por mais que a disputa eleitoral tenha se acirrado entre governo e oposição
(leia-se PSDB), é inegável que as coalizões governistas
saem das urnas com um forte apoio popular, materializado em vitórias
expressivas principalmente em grandes cidades. Ou seja, se o resultado
for comparado com o das eleições municipais anteriores,
fica claro que o PT e os demais partidos que apóiam o governo
cativaram milhões de novos eleitores pelo país afora.
A responsabilidade agora é muito grande. Obviamente, esses votos
não vieram para os governistas por causa da estilosa barba grisalha
do presidente Lula. Vieram pela razão de sempre, a que normalmente
decide eleições aqui, nos Estados Unidos ou em qualquer
outro país: a economia.
Lula, o PT e seus aliados estariam chorando hoje uma fragorosa derrota
eleitoral se a economia tivesse seguido em 2004 o mesmo ritmo de 2003,
quando houve recessão e desemprego. Talvez mais por sorte do
que por empenho dos condutores da política econômica, as
eleições se dão num momento de alta na ciclotímica
economia brasileira.
Como vem ocorrendo sistematicamente nos últimos 20 anos, houve
uma redução da demanda interna, fez-se um ajuste cambial
(desvalorização do real) e isso estimulou fortemente as
exportações, também beneficiadas pelo aumento dos
preços das commodities agrícolas, gerando superávits
suficientes para equilibrar as contas externas. Esse processo reativou
a demanda interna, fez crescer a produção, o emprego e
a renda.
Chegamos às eleições exatamente nesse ponto do
ciclo, num momento em que muitas empresas começam a sentir o
crescimento da demanda local. Se a tendência continuar, as empresas
rapidamente desviarão para o mercado interno produtos que eram
exportados anteriormente. Isso reduzirá o superávit externo,
o que levará o governo a promover novos ajustes para conter a
demanda e com isso brecar o crescimento da produção e
do emprego -a alta de juros determinada há duas semanas pelo
Banco Central já é o início desse processo. A economia
terá então realizado o que os economistas chamam de "vôo
de galinha".
A lição das urnas indica que não será prudente
deixar isso ocorrer. Os milhões de votos cativados sugerem que
o eleitor deseja que o atual processo de expansão econômica
desencadeie um ciclo de desenvolvimento. Isso é perfeitamente
possível e a chave da questão é o investimento.
A partir de agora, corações e mentes deveriam se fixar
na tarefa de estimular os investimentos públicos e privados para
melhorar a infra-estrutura do país e para aumentar a produção
interna. O objetivo é claro: criar condições para
que o volume de exportações seja mantido e, ao mesmo tempo,
as empresas tenham condições de atender à demanda
interna.
A massa de votos governistas embute uma demonstração de
apoio e um recado. De um lado, mostra que o eleitor entendeu o sacrifício
a que foi submetido no ano passado, quando a economia esteve em recessão
e a renda per capita caiu 1,5% -ou seja, aceitou o argumento de que
era necessário arrumar a casa no início de governo. De
outro lado, revela que o eleitor espera a continuidade do crescimento
da produção e do emprego. Esquecer essa lição
pode custar caro em 2006.
Benjamin Steinbruch,
50, empresário, é diretor-presidente da Companhia
Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração
da empresa.
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