É
possível reduzir a poucas palavras a demarcação
dos primeiros passos de caminho que devolva o Brasil ao crescimento?
E que assegure que, desta vez, o crescimento surta efeito igualizador
e
includente? Não há como destruir as mistificações
do fiscalismo e do mercantilismo que dominam nosso debate econômico
se não soubermos definir alternativa a elas. Distingo o terreno,
o escudo e a lança. O terreno propício a essa luta é
o das condições que nos permitam baixar o juro real sem
ameaçar a estabilidade da moeda, reforçando o poder de
barganha do Estado com seus credores e tornando a economia menos dependente
do capital descomprometido com a produção. Reforma previdenciária
que institua regime público de capitalização, impondo
a quem ganhe mais a obrigação de poupar muito mais e mobilizando
poupança de longo prazo para investimento de longo. Reforma tributária
que simplifique os impostos, fiando-se no único tributo capaz
de gerar
muita receita com pouco ônus para a atividade produtiva: o IVA.
E acrescentando, pouco a pouco, impostos que reconciliem a tributação
com a justiça, incidindo sobre o consumo de luxo e
sobre as heranças e as doações em família.
Ao atenuar o conflito entre tributação e produção
e ao estreitar os vínculos entre produção e poupança,
o governo ganhará força para baixar o juro sem quebrar
contratos. O escudo contra os perigos da transição se
faz de cautela em proteger nossas reservas e de prontidão para
impor, quando necessários, controles sobre a saída de
capital brasileiro. Inclusive sobre o capital, fantasiado de estrangeiro,
que circula entre o Brasil e os paraísos fiscais de acordo com
as oscilações da ganância e do medo. A lança
para avançar tem quatro partes. O primeiro pedaço -na
ponta- é conjunto de iniciativas destinado a deslanchar escalada
de investimento tanto da parte do governo (a começar pelo BNDES)
como da parte das grandes empresas privadas. O governo tem de negociar
com os empresários às claras, setor por
setor, os apoios ou as concessões, até mesmo tributárias,
que forem úteis para superar a inibição de investir.
O segundo pedaço, do lado da oferta, é construção
de instituições que, de maneira
descentralizada e sob regras impessoais e critérios de desempenho,
possibilitem ajudar a multidão de empreendedores emergentes a
ganhar acesso a tecnologia, a crédito e a mercados.
Só nesse quadro democratizante se legitima uma política
que também contemple a formação de multinacionais
brasileiras capazes de competir em escala mundial. O terceiro pedaço,
do
lado da demanda, é esforço para aumentar o salário
real, imprescindível ao aprofundamento de mercado de consumo
em massa no Brasil. Para que o aumento se sustente, os meios para consegui-lo
têm de ser diferentes nos níveis superiores do assalariado
- participação dos trabalhadores nos lucros das empresas
- e nos níveis inferiores -incentivos à qualificação
do trabalhador e à legalização do emprego. O quarto
pedaço - cabo e força da lança - é multiplicação
de escolas públicas e de professores que saibam desenvolver a
capacidade analítica e inovadora dos alunos. E que tenham meios
para premiar, com apoio abrangente, os estudantes mais aplicados e talentosos,
entusiasmando o país com os exemplos de ambição
e de excelência que essa nova contra-elite republicana lhe possa
oferecer. Dar braços e asas à energia frustrada dos brasileiros,
na produção e no pensamento, é o cerne desse projeto.
De sua realização depende o êxito do Brasil em virar
o que ele quer ser.
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