180 MIL JOVENS NÃO CONSEGUIRAM OCUPAR 872 EMPREGOS


A especialista em recursos humanos Sofia Esteves do Amaral acompanhou no ano passado o destino de 180 mil currículos de jovens que disputaram 872 vagas de estágio e de trainee em empresas brasileiras. O resultado foi trágico. Ela ficou espantada não com a acirrada disputa -uma mesma empresa chegou a receber 20 mil currículos-, mas com a dificuldade de preencher os postos devido à baixa qualificação educacional dos candidatos. A imensa maioria dos concorrentes foi abatida logo na leitura do currículo. Exigiam-se uma boa base escolar, inglês fluente, conhecimento de informática, experiências em empresas juniores e atividades extracurriculares. Nas entrevistas, a fase final da peneira, tombaram tantos, mas tantos, que se inverteu a relação de oferta e procura. "Por incrível que pareça, sobraram vagas", diz. Desse embate entre os milhares de pretendentes e as poucas centenas de ofertas de estágio, Sofia listou as demandas que fazem a distância entre o que as escolas formam e o que as empresas esperam.
Para medir a eficiência do trabalhador, levou-se em conta na seleção, além da formação escolar, um cardápio de atitudes: iniciativa, persistência, comunicação, trabalho em equipe, flexibilidade, raciocínio analítico. Tradução: se uma das funções da escola é preparar para o mercado de trabalho, a formação do aluno deve prever não apenas conteúdo mas também atitudes.
O mercado manda dizer que profissional cobiçado é aquele que nunca pára de aprender e que sabe administrar a própria carreira. Lula poderia ser um excelente exemplo a confirmar que apenas ter diploma, uma formalidade, não funciona; afinal, ele começou de baixo e, graças às suas qualidades -inteligência, persistência, flexibilidade-, chegou à Presidência da República. Sua reverência emocionada ao Senai, onde conseguiu seu primeiro diploma, revela a importância que confere ao estudo. Talvez por um recôndito complexo de inferioridade em relação ao seu acadêmico antecessor, ele tem demonstrado publicamente o desprezo pelo diploma e, sem querer, por causa de frases impensadas, envia um sinal trocado para os estudantes: o de que não é tão importante assim estudar.
Some-se a isso a falta de preparo para a liturgia do cargo. Lula ainda não aprendeu a lidar com a ressonância da palavra presidencial, às vezes confundindo a liderança de um partido de oposição com a liderança de um governo. Não percebeu que colocar o boné do MST (MOvimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) se traduz não na simpatia por um movimento social, mas no endosso à transgressão representada pelas invasões, que devem ser contidas pela polícia.
Sejam quais forem os motivos, inconfessáveis ou não, o fato é que Lula está perdendo a oportunidade de ser um bom professor e se transforma, involuntariamente, num antieducador. Na segunda-feira passada, uma professora de inglês, entristecida, contou-me sobre um de seus alunos. Ele não presta atenção a suas aulas, não vai bem nas provas, não faz as lições de casa -e passou, segundo ela, a usar Lula como desculpa. "Quando lhe disse que ele deveria empenhar-se, que conhecer uma língua estrangeira pode representar conseguir ou não um emprego, jogou a prova na minha mesa e disse que Lula também acha que inglês não serve para nada."
Já ouvi de vários estudantes, de diferentes escolas, a idéia de que Lula mostra que, mesmo sem estudo, alguém consegue se virar. Afinal, alguém que nem chegou ao ensino médio ocupa (e, por enquanto, bem, diga-se) o cargo mais complexo do país. O levantamento sobre os 180 mil currículos exibe a fragilidade da educação formal, mas o recado é óbvio: exige-se cada vez mais estudo dentro e fora da escola. A escola deve ser criticada não pela formalidade do diploma, mas pela sua incapacidade de formar gente apta a estudar pelo resto da vida. No seu ressentimento, Lula parece ter incorporado o preconceito de uma sociedade bacharelesca e mistura num mesmo saco a crítica correta à formalidade vazia com a necessária reverência ao conhecimento.
Experiência sem educação é tão inútil como educação sem experiência. Um cirurgião que jamais enfiou a mão em um cadáver é tão inapto como um açougueiro que decide operar alguém que sofra de apendicite. Essa é a lição que se extrai do fato de 180 mil jovens, todos com curso superior, não terem conseguido ocupar 872 vagas.

PS - Coloquei no site do Aprendiz (www.aprendiz.org.br) a lista das demandas empresariais aos funcionários, levantadas por Sofia Esteves do Amaral. É um guia de sobrevivência.

 




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