CRISE JÁ PAROU INVESTIMENTOS, AFIRMA MENDONÇA DE BARROS

Guilherme Barros

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações (governo FHC), diz acreditar que a atual crise política, apesar de não ter abalado o mercado financeiro, já tenha afetado as decisões de investimentos. Segundo ele, serão dois anos sem investimento no país, já que, em 2006, as eleições presidenciais também poderão frear o início de novos projetos. "O empresário está meio estupefato, mas certamente as decisões de investimento já foram afetadas", diz ele. "Ninguém vai fazer uma fábrica de US$ 300 milhões."
Para Mendonça de Barros, o grande risco de a crise transbordar para o mercado é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não sair candidato à reeleição. "Meu medo é o Lula não sair candidato e aparecer alguém, da esquerda ou da direita, com um discurso messiânico claramente ligado a uma política econômica diferente."
Ele não acredita na hipótese de o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, sair candidato pelo PT, no caso de Lula desistir da reeleição. "O Palocci candidato à Presidência, aprovado pela convenção do PT, eu não consigo enxergar", afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - Por que a crise política ainda não afetou a economia?
Luiz Carlos Mendonça de Barros - No passado, uma crise política levava o operador financeiro ou o agente econômico a considerar o risco de mudança na política econômica. Você tinha o discurso do PT de que havia uma alternativa à política que se praticava. Nós não vivemos mais isso hoje. O PT, que era oposição, hoje é governo. Isso faz uma diferença extraordinária. E esse mesmo PT, que hoje é governo, expulsou da sua agenda todas aquelas propostas heterodoxas de intervenção do passado. Esse é o grande fator de mudança. O PT não está mais batendo o bumbo na oposição e tornou-se um defensor radical de uma política econômica mais conservadora. Há outros fatores que têm contribuído ainda mais para essa estabilidade. O Palocci, que é o fiador dessa mudança no PT, fortaleceu-se na crise. Quem era o anti-Palocci no governo? Era o José Dirceu, que foi quem sempre verbalizou algum tipo de oposição à política econômica. Há também o fato de que o mundo mudou e vive hoje um momento de excesso de recursos financeiros. Isso criou uma demanda no mundo todo por um lugar que tenha juros elevados, que é o caso do Brasil. A combinação de todos esses fatores explica por que a economia não está sendo afetada. Agora, isso se refere ao curto prazo. Para quem acompanha a crise política, fica claro que nós estamos vivendo uma crise mais séria do que uma análise superficial aparenta. A crise atingiu o Poder Legislativo de uma forma contundente em termos de credibilidade e também atingiu o PT, que é talvez o único partido brasileiro com mais disciplina, mais caráter ideológico, mais idéias e propostas. E esse partido está sendo atingido na sua parte mais forte, que é a ética. Não tenha dúvida de que isso terá reflexo de médio e longo prazos.

Folha - Que reflexos?
Mendonça de Barros - Nós sabemos que o PT é um partido stalinista no sentido do centralismo democrático. São poucas pessoas que mandam no partido. Na medida em que você expulsa esse pessoal da direção do partido, quem vai mandar? Aparentemente, quem sai fortalecido é a esquerda do partido. Ora, a esquerda do partido é contra a política econômica do Palocci. A probabilidade de sair um núcleo dirigente do PT mais ideológico não é pequena. Se isso acontecer, se esse for o cenário, dentro de três ou quatro meses, certamente, os agentes econômicos vão começar a se preocupar. O empresário está acompanhando essa crise ainda meio estupefato, mas certamente as decisões de investimento já foram afetadas. A decisão de começar o projeto de uma fábrica, um projeto de um investimento grande, paralisou. Paralisou. O efeito de natureza financeira, de comprar ou vender dólar, esse está preservado, mas as decisões de investimentos já foram afetadas.

Folha - Os investimentos pararam?
Mendonça de Barros - Ninguém vai fazer uma fábrica de US$ 300 milhões nesse quadro. Nessa hora, com essa crise, param as decisões de investimento. Parou, perdeu-se um ano. Para piorar, daqui a pouco engatamos nas eleições, que certamente serão disputadas em função da crise atual. Isso significa que as decisões de investimento, que já pararam em 2005, também vão parar em 2006, pelo menos até haver um quadro mais claro da disputa eleitoral.
Ninguém vai por a mão no bolso e assinar compromisso com o banco para novos projetos. Além disso, há outros problemas de natureza econômica que incomodam, como a taxa de câmbio.

Folha - Mas, mesmo com a freada dos investimentos, o mercado financeiro não sentiu a crise.
Mendonça de Barros - Há também um outro fator que explica esse comportamento anormal do mercado financeiro em relação ao passado. O Lula ainda tem preservado a sua popularidade. Pesquisas recentes mostram que, mesmo depois desse escândalo todo, ele ainda tem lá o seu espaço. Além disso, o eventual beneficiário da situação parecer ser o PSDB. Ou seja, o mercado acha que, se ganha um ou outro, a política econômica será preservada. E, no caso do Lula, preservada mesmo, porque o Palocci aumentou o seu poder de influência. O grande medo do mercado é que, nessa confusão toda, apareça alguém que defenda uma política econômica diferente. Isso, aparentemente, não está visível.

Folha - Anthony Garotinho seria uma ameaça?
Mendonça de Barros - Ainda não está visível. De qualquer forma, quem acompanha crise política sabe que estamos vivendo um momento de natureza tectônica de acomodação e que precisa de algum tempo para que esse cenário se estabilize. Nós só vamos ter uma idéia clara desse novo equilíbrio em setembro ou outubro. O grande risco é o Lula ser atingido pela crise e não sair candidato à reeleição. Acho que esse é um risco perigosíssimo. Nós vamos ter um contingente expressivo de brasileiros desiludidos, que vão estar sem uma referência para o seu voto. O Lula é uma referência. Os brasileiros de baixa renda olham o Lula como um sujeito como eles. Ele pode até ter mudado um pouco, ter ficado um pouco mais burguês, mas é o jeito da vida dele. O meu medo maior é se o Lula não sair candidato e aparecer alguém com algum tipo de discurso messiânico, da esquerda ou da direita, com um discurso claramente ligado a uma política econômica diferente da atual.

Folha - E se o candidato do PT for o Palocci?
Mendonça de Barros - O Palocci é a direita do PT. A massa não é o Palocci. O Palocci é comprometido com uma política econômica que é ruim para a população de baixa renda. O Lula não sendo candidato abre espaço para um sujeito à esquerda ou um populista de direita. Por isso eu vinculo a estabilidade dos mercados à presença do Lula como candidato forte o ano que vem. E, eu ouso dizer que se o Lula ou desistir da sua candidatura ou tiver um problema mais sério, tipo impeachment, isso vai desestabilizar o mercado financeiro. O mercado vai ficar com medo de quem será o depositário do voto dessa massa que ainda tem uma identificação com o Lula. Por incrível que pareça, o Lula candidato a presidente é um fator de estabilidade.

Folha - E se a disputa for entre Geraldo Alckmin e Palocci?
Mendonça de Barros - Não vejo essa alternativa. Não faz sentido. O Palocci terá que ser escolhido pelo PT para ser candidato, e embora eu não seja especialista em PT, parece-me absolutamente incompatível o PT com o Palocci candidato. O Palocci ministro é fruto do centralismo democrático do PT. Só existe o Palocci ministro porque essa foi uma decisão do Lula e da cúpula do PT. O Palocci candidato à Presidência, aprovado pela convenção do PT, eu não consigo enxergar. Acho que esse cenário é ideal para os mercados, mas não existe. O cenário que existe é Lula versus um candidato do PSDB. Se você tirar o Lula desse cenário, a coisa fica muito complicada. O Lula, historicamente, sempre teve um terço dos votos, e a opção desse terço é socialista, de cunho popular. Não aceita candidatos mais vinculados à elite econômica. Não sei para onde vai esse pessoal órfão do Lula. O quadro pode se complicar.

Folha - Até quando o Lula consegue se manter distante da crise?
Mendonça de Barros - Pelo que a gente tem visto, o Lula mantém isso, primeiro, pela história dele. Segundo, pela cortesia da opinião pública, pelo menos desses segmentos mais populares. Há o benefício da dúvida de que o Lula não sabia, não era informado. E todos nós sabemos que o presidente não tem condições de saber tudo. É uma proteção pela história dele, pela origem dele. Todos sabemos que o Lula não é um sujeito corrupto, tanto que o máximo que se pode dizer dele é que é um presidente ausente, que não decide, que delega coisas que não devia delegar. Essa é a proteção dele. Acho que precisaria de alguma coisa muito traumática para ele ser atingido, mas não enxergo.

Folha - O sr. também sofreu uma crise no governo FHC, com as fitas do grampo do BNDES. Há semelhanças entre os dois momentos?
Mendonça de Barros - Não. As fitas do Correio são de três horas, as do BNDES tinham 72, e não apareceu nada. A única coisa que apareceu e que virou acusação é que nós não poderíamos estar ajudando a formar os consórcios da privatização, mas isso foi resolvido. O Tribunal de Contas da União nos absolveu ao dizer que é função do funcionário público obter o maior preço na venda dos ativos, que foi o que fizemos.

Folha - Qual seria, hoje, o melhor candidato do PSDB?
Mendonça de Barros - Eu acho que o PSDB tem dois candidatos muito competitivos e de muita qualidade, que são o Geraldo Alckmin e o José Serra.
 
FICA LULA
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Estamos vivendo um momento de natureza tectônica de acomodação e que precisa de algum tempo para que esse cenário se estabilize. Nós só vamos ter uma idéia clara desse novo equilíbrio em setembro ou outubro. O grande risco é o Lula ser atingido pela crise e não sair candidato à reeleição. Acho que esse é um risco perigosíssimo... O Lula não sendo candidato abre espaço para um sujeito à esquerda ou um populista de direita. Por isso eu vinculo a estabilidade dos mercados à presença do Lula como candidato forte o ano que vem...Por incrível que pareça, o Lula candidato a presidente é fator de estabilidade.





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