No
primeiro ano do atual governo, o êxito da equipe econômica
na condução da política macroeconômica baseou-se
na assunção da disciplina monetária e fiscal. De
fato, a conjuntura de curto prazo melhorou e voltamos, praticamente,
ao estágio no qual o país se encontrava no período
anterior à campanha presidencial: controle, no curto prazo, das
variáveis macroeconômicas básicas, mas sem clareza
de como alcançar uma trajetória de crescimento e desenvolvimento
sustentado. Uma única diferença positiva importante marcou
2003: a aprovação da reforma da Previdência do setor
público, que previne, no curto prazo, parte da potencial deterioração
das contas públicas.
O otimismo de agentes financeiros, em alguns períodos beirando
a irracionalidade, deriva do fato de que o risco de caos não
se concretizou, a performance da balança comercial superou em
muito as expectativas até mais otimistas e o cenário internacional,
apesar de grandes dúvidas quanto aos fundamentos e o imponderável,
apresenta boas perspectivas para 2004. É, sem dúvida,
um trunfo a economia não ter se descontrolado. Entretanto esse
êxito não resolve os desafios que já estavam postos
antes da transição política. O ajuste fiscal, perseguido
desde 1998, baseia-se essencialmente no aumento da carga tributária
e mostra claros sinais de esgotamento. E há riscos de o governo
persistir nessa estratégia, o que é preocupante se os
objetivos forem crescimento e desenvolvimento.
Nossa estimativa preliminar de arrecadação tributária
bruta em 2003, incluindo União, Estados e municípios,
chega a R$ 543 bilhões, um aumento nominal de 14,6% sobre o ano
anterior. A variação real do PIB foi negativa em 0,2%.
A inflação foi de 9,3% no ano. Porém, como o deflator
implícito do PIB será em torno de 14% (inflação
média em 2003), a carga tributária pode ficar próxima
da estabilidade.
O ano de 2004 inicia-se com várias medidas aprovadas que apontam
novo aumento da carga: majoração significativa da alíquota
da Cofins; impacto pleno das mudanças do ISS de 2003; aumento
da CSLL; contribuição dos servidores públicos inativos;
não-correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa
Física; e PIS e Cofins sobre produtos importados. Com base em
nossas premissas de crescimento de 3% a 3,5% e inflação
de 6%, a carga tributária em 2004 pode ter um aumento de pelo
menos 0,8 ponto percentual do PIB. Trata-se de uma carga acima de 36%
do PIB, sem que se vislumbre nenhuma melhora na estrutura de gastos.
Exceto o passo à frente na Previdência pública,
a mera contenção de gastos por anos a fio implica que,
em algum momento, a pressão política se torna insuportável
e acabam apropriando-se de recursos aqueles que têm mais força
de pressão, o que não necessariamente é o melhor
critério ordenador dos gastos públicos. Além disso,
o corte de gastos se concentra nos investimentos.
Ainda que se suponha que o Estado passe a ter um crescente papel regulador
e opere menos como empreendedor direto, um volume mínimo de investimentos
continuará sempre a seu cargo. Mesmo esse montante vem sendo
comprometido, o que explica, em parte, a precária situação
da infra-estrutura econômica e social do país.
Assim, em face de pressões crescentes de gastos, quando a política
fiscal se limita à gestão de caixa, a tendência
é resolver o problema de escassez de recursos via aumento de
tributos. Mas essa trajetória tem conseqüências econômicas
negativas não-triviais. Primeiro, nesse momento, através
da majoração da alíquota da Cofins e da ampliação
da base de incidência do ISS, promove-se um forte ajuste no setor
de serviços, com impactos negativos sobre o emprego e a renda.
Segundo, o aumento da carga tributária, mais um contínuo
processo de recuperação de tarifas de serviços
públicos, vem tirando renda disponível para gasto. Terceiro,
quanto maior a carga e pior a sua distribuição, maior
o incentivo à sonegação. Finalmente, quanto maior
a carga, sem contrapartida na melhora de serviços, menor é
o estímulo ao investimento privado.
Não há saída fácil desse modelo no curto
prazo, mas é imprescindível que se contenha seu aprofundamento
e se comece a construir um modelo fiscal alternativo, que seja sustentável
no médio e longo prazo. Sua discussão não prescinde
de clareza quanto ao papel do Estado, suas funções, como
financiá-las e exercê-las de maneira mais efetiva. Assim,
regulação, reforma tributária e previdenciária,
estrutura de gastos e políticas sociais precisam ter um mínimo
eixo condutor e coerência.
Da forma como o debate vem ocorrendo, uns guiando-se somente por preceitos
financeiros e outros operando focados estritamente no resultado político,
dificilmente se encontrará uma saída de construção
positiva. Nesse contexto, aumenta o risco de se persistir no atual modelo
fiscal, que mostra sinais evidentes de exaustão.
José
Roberto Mendonça de Barros, 59, é professor
aposentado da Faculdade de Economia e Administração da
USP e sócio-diretor da MB Associados. Foi secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda (1995-98).
Monica Baer, 49, doutora em economia pela Unicamp e ex-professora
do Instituto de Economia da universidade, é economista da MB
Associados.
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