QUEM COMBINA COM QUEM

 

Tatiana Diniz

Sabe aquela idéia de que dois bicudos não se beijam? Transporte-a para o ambiente de trabalho e tenha uma ilustração de quanto os conflitos oriundos das características de personalidade podem influir na obtenção de resultados ou na execução de projetos.
Brigas, má vontade, frustração e doenças são sinais de que o convívio entre os funcionários pode não estar acontecendo de forma harmônica e produtiva. Isso porque há perfis que reagem melhor à interferência mútua enquanto outros tendem a "bater de frente".
De olho nisso, as empresas têm usado, cada vez com mais freqüência, ferramentas de mapeamento de personalidade para conhecer melhor seus funcionários, o modo como trabalham e a forma como se relacionam entre si.
"Quando as pessoas se conhecem bem e sabem como as outras funcionam, passam a ser mais hábeis no trato e otimizam o convívio", explica Andrea Massoud, da Living in Brazil Consulting.
A empresa, que é especializada em adaptação de profissionais estrangeiros em outros países, trouxe para o Brasil o True Colors, método norte-americano baseado na teoria comportamental do psicólogo Carl Jung (1875-1961).
A inovação está no uso de cores como ícones dos principais modelos de personalidade. "Geram identificação imediata e ajudam na assimilação", diz Massoud. "Todos aprendem rápido quem é verde, azul, laranja, dourado."

 
TIPOS DE PERSONALIDADE
1 LARANJA: Criativo e autônomo, gosta de lidar com situações de crise e as contorna com maestria. É um eficiente observador de oportunidades e fica irritado diante de situações estáveis. Seu modo de poduzir é caótico. Pode ser visto pelos colegas como desorganizado, irresponsável ou anti-social.

2 AZUL: Emotivo, toma decisões baseado no sentimento, não na razão. É bastante intuitivo e, por isso, corre o risco de esteriotipar os outros. É excelente no relacionamento com pessoas e adora harmonizar o ambiente de trabalho. Os colegas podem encará-lo como "manteiga derretida" ou dramatico.

3 VERDE: Analítico e visionário, tem intelectualidade como característica. Usa demais a cabeça para tudo e tem uma demanda inaciável por dados - precida de relatórios, números e provas. Não aprecia demonstrações de afeto. Pode ser classificado como perfeccionista, frio e arrogante.

4 DOURADO: Estruturado, metódico e planejador, tem pleno domínio dos aspectos organizacional e financeiro. Sua fama é de "guardião" - é aquele com quem todos contam para tudo. Tende a ser mais inflexível, com pouco jogo de cintura. Pode ser visto pelos colegas como "escravo do sistema" ou previsível.
 
Facilitadores
Com a aplicação do True Colors na empresa em que trabalha, a Miliken, a gerente Marta Janowitzer, que está sendo preparada para assumir a liderança do grupo no Brasil, descobriu ser a única "laranja" (predominantemente criadora) numa equipe de maioria "azul" (relacional). "Aprendi que a pessoa que está do meu lado não é igual a mim, e que tirar proveito disso é o melhor caminho."
Hoje os perfis coloridos são usados na Miliken como facilitadores de relacionamento e ajudam os profissionais a trabalhar pontos fracos. "Mas os conceitos não chegam a determinar as contratações", diz Roberto Nuñez, gerente-regional na América Latina.
Mas, no futuro, essas informações devem passar a reger a formação de equipes, arriscam os especialistas. E até adquirirem peso de definição na hora de recrutar.
Na esteira da tendência, o Grupo Catho está desenvolvendo, há oito meses, uma nova metodologia de seleção, que deve ser lançada ainda neste semestre.
Segundo a consultoria, o "Recrutamento por Competência" será o primeiro produto brasileiro do gênero.
 

Hierarquia
Se os choques entre personalidades incompatíveis não são evitados, a tendência é que "a corda arrebente do lado mais fraco", isto é, que o funcionário em posição hierárquica inferior seja o mais prejudicado. É para esse lado que quem está no topo costuma empurrar a "culpa" dos problemas e da ausência de resultados.
Depois de ser promovida duas vezes dentro da empresa em que começou como recepcionista, P.M., 30, perdeu o emprego seis meses depois que um novo chefe assumiu. A postura de intolerância foi adotada por ambos.
"Enquanto ele fazia o tipo cordial com todos, era desorganizado e evitava pensar em soluções reais para os problemas da firma. Eu deixava claro que não gostava daquilo e não devolvia o tratamento falso dele. Pouco tempo depois, ele me pôs na rua", relata.
A demissão também foi o ponto final no emprego da auxiliar de enfermagem A.O., 24. "A chefe de enfermagem era linha-dura, e eu sempre fui carinhosa com os pacientes. Ela começou a implicar com isso e daí pra reclamar até dos meus sapatos foi um pulo."

Padrão
Neusa Miguel, psicóloga da consultoria Arquitetura Humana, aponta a chefia como um fator de interferência determinante nos padrões de comportamento e de atitudes de um funcionário.
Ela explica que o PI (Predictive Index), método aplicado pela consultoria em empresas como Zoomp, Vivara e GM, permite que se chegue a referências de "como a pessoa é, como tenta ser e como está sendo, considerando a influência do cargo que ocupa e da chefia a quem está submetida".
"Um erro comum dos gestores é achar que o [padrão] bom para eles é bom para todos. Aí reside o dever maior de quem supervisiona. É preciso enxergar o potencial do profissional de forma isolada do conflito interpessoal", diz.
Na Natura, um método de avaliação minimiza o risco de julgamento tendencioso. Uma das etapas de análise do desempenho dos colaboradores é feita em conjunto por mais de um superior que tem contato com o analisado.
"As avaliações são cruzadas, e uma impressão coletiva é construída. Se é percebida maior insistência de um chefe, tanto em elogiar quanto em criticar alguém, isso é investigado", diz Flavio Pesiguelo, 33, gerente de planejamento e desenvolvimento de RH. Com isso, vários colaboradores já foram transferidos para posições em que seu perfil pode ser mais bem aproveitado.
Considerar a personalidade do funcionário para direcionar sua carreira, em geral, resulta em bem-estar. Um exemplo é Jorge Macioni, 45, que atuava como gerente-geral numa loja de música.
"Tinha a sensação de que estava preso ali." Durante uma consultoria, sua afinidade com vendas personalizadas foi detectada, e a empresa criou um cargo para ele: gerente de clientes especiais. "Ganhei liberdade e a chance de criar, que é o que mais prezo."

 



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