Somente
um evento catastrófico e repentino poderá colocar o planeta
no rumo de uma economia ambientalmente sustentável. Esse "11
de setembro" ecológico deve acontecer nos próximos
dois anos, na forma de uma alta maciça no preço dos alimentos
causada pela queda na produção de grãos da China,
resultado da degradação ambiental.
A previsão é de um dos ambientalistas mais respeitados
do mundo, o americano Lester R. Brown, 69. Formado em economia agrícola,
Brown fundou em 1973 o Worldwatch Institute, organização
não-governamental responsável pela publicação
anual do "Estado do Mundo", considerado a bíblia do
pensamento ecológico. Para o ambientalista, que hoje preside
o Earth Policy Institute, em Washington, a economia clássica
gerou uma distorção nos preços ao ignorar os custos
ambientais que agravam ano a ano a situação dos ecossistemas
terrestres -que são, segundo ele, a própria base da economia.
No livro "Eco-Economia" que ganha hoje versão brasileira,
Brown propõe a incorporação dos custos ambientais
pela reestruturação do sistema tributário.
A idéia, que vigora em escala mínima em alguns países
da Europa, é diminuir impostos sobre os ganhos e aumentar taxas
sobre atividades destrutivas, como a queima de derivados do petróleo
-principal fonte dos gases que causam o aquecimento global. Brown reconhece
que não é uma tarefa simples. Essa reestruturação,
que abriria o caminho para energias limpas, como a eólica e o
hidrogênio, dependeria de "uma mentalidade de mobilização
como a que tivemos na 2ª Guerra", obrigatoriamente disparada
por um evento catastrófico. Especialmente nos EUA, país
que mais pesa na balança ambiental do globo e que tem andado
exatamente na contramão da "eco-economia", reduzindo
impostos a atividades destrutivas.
Folha
- No seu livro, o sr. diz que nós provavelmente não
conseguiremos fazer as pessoas que tomam decisões econômicas
pensarem como ecologistas. O ambientalismo falhou em converter as pessoas?
Lester R. Brown - Até agora, nós não
fizemos um bom trabalho. Nós estamos gradualmente fazendo progressos.
As pessoas estão conscientes dos principais problemas associados
ao aquecimento global, como derretimento das geleiras, ondas de calor
recordes, tempestades mais destrutivas. Há avanço, mas
não chega nem perto do que seria necessário.
Folha
- E qual é o problema? Onde os ambientalistas têm errado?
Brown - Na maior parte da nossa existência como
espécie, nós não precisamos nos preocupar com o
ambiente. Éramos poucos e nosso impacto era mínimo. Só
cresceu a partir da agricultura e, em sua maior parte, após a
Revolução Industrial. A economia mundial se expandiu sete
vezes desde 1950. Agora nós temos de começar a pensar
na relação entre a economia e os ecossistemas terrestres.
Dois séculos atrás, nós pensamos mais no lado econômico,
como desenvolver um mercado e criar empresas. E perdemos o pé
da natureza da nossa dependência dos recursos naturais.
Folha
- Mas o sr. não acha que, em vez de atrair a atenção
do público para esses problemas, não se está perdendo
essa atenção?
Brown - Meu palpite é que vamos precisar de
um chacoalhão de algum jeito para nos fazer focalizar os problemas
ambientais. Eu costumo usar o exemplo histórico dos EUA em 1941.
Se você fizesse uma pesquisa de opinião com os americanos
em 6 de dezembro de 1941 e perguntasse se eles achavam que os EUA deveriam
se envolver na guerra, acho que 85% teriam dito: "De jeito nenhum!"
E aí veio o 7 de dezembro [o ataque a Pearl Harbour] e tudo mudou.
E muito rápido. Um mês depois do ataque a Pearl Harbour,
o presidente Roosevelt disse que o país iria produzir 40 mil
tanques, 65 mil aviões, 20 mil peças de artilharia antiaérea.
A indústria automobilística disse que não conseguiria
produzir armas e carros ao mesmo tempo. E ele disse: "Nós
vamos suspender a produção de carros nos EUA." E
foi exatamente o que ele fez. A indústria se redirecionou. Apesar
de todas as evidências de que vamos ser forçados a essa
guerra, a maioria das pessoas não querem aceitar até que
recebamos um chacoalhão.
Folha
- Um tipo de 11 de setembro ambiental.
Brown - Exatamente.
Folha
- E o que seria?
Brown - O preço da comida. A escassez de água
está se tornando um grande problema. Se há escassez de
água, há escassez de comida. Minha aposta é que
o chacoalhão virá com a China, cuja produção
de grãos foi de 9 milhões de toneladas em 1950 para 390
milhões de toneladas em 1998, e agora caiu para 340 milhões
de toneladas. No próximo ano ou dois, teremos 1,3 bilhão
de consumidores chineses competindo no mercado com os consumidores americanos
pelos grãos americanos. E esse 1,3 bilhão de chineses
tem US$ 100 bilhões de dólares de superávit comercial
com os EUA. Uma geração atrás simplesmente imporíamos
um embargo às exportações para impedir o preço
de subir. Mas, agora, temos interesse na estabilidade da China, porque
a economia chinesa é o motor da economia mundial. Eu acho que
nesse ponto, quando os preços dos alimentos subirem muito, começaremos
a achar que há alguma coisa mudando. Isso será dramático
se ficar claro, como eu acho que ficará, que as altas temperaturas
estão reduzindo a produtividade.
Folha
- Há dois pontos aí: primeiro, todas as previsões
dos chamados "profetas do apocalipse", de altas nos preços
de comida ao esgotamento das reservas de petróleo e a bomba populacional
não se concretizaram. Por que deveríamos acreditar nelas
desta vez?
Brown - Primeiro deixe-me dizer um par de coisas. Um,
embora tenhamos pensado que, com a revolução verde e o
aumento na tecnologia agrícola, a fome logo seria uma coisa do
passado, ainda temos 800 milhões de pessoas que não têm
comida. Há muita gente com fome. Eu não diria que as previsões
falharam: elas se materializaram, esse é o problema! O clima
está mudando, as temperaturas estão subindo. Está
acontecendo! Pode ser um sonho ruim, mas está acontecendo.
Folha
- Isso nos traz ao segundo ponto: como tornar clara a associação
entre a queda na rodutividade na China e a mudança climática?
Há muita incerteza científica.
Brown - No último ano houve várias novas
pesquisas sobre o efeito preciso da temperatura na produtividade das
lavouras. A maioria dos modelos que têm sido usados para prever
o efeito do aquecimento global na agricultura foram baseados em dados
muitos gerais, sem informação específica. O que
estamos obtendo agora do Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz
nas Filipinas e do Serviço de Pesquisa Agrícola dos EUA
é que o aumento de 1C acima do nível ótimo durante
a fase de crescimento reduz a produtividade em 10%. Então, podemos
olhar para lavouras cuja produtividade foi reduzida pelo aumento de
temperatura com um grau de confiança maior.
Folha
- O sr. diz também que nós não vamos chegar
a lugar nenhum numa eco-economia com um projeto aqui e outro ali. Os
ambientalistas e as ONGs têm falhado em dar escala a pequenos
projetos. Não está na hora de fazê-los pensar como
economistas?
Brown - Acho que sim. Acho que precisamos pensar em
mudança sistêmica. Essa mudança significa lidar
com coisas como subsídios e taxas sobre atividades destrutivas.
Acho que a medida política mais importante para construir uma
eco-economia é reestruturar o sistema tributário. Baixar
os impostos sobre o ganho e aumentar os impostos sobre atividades como
a emissão de carbono.
Folha
- Impostos ambientais são impopulares. Como conciliar ganhos
ambientais de longo prazo com perdas políticas de curto prazo?
Brown - Houve muito poucos esforços para reestruturar
o sistema tributário. Na Europa, oito ou dez países começaram
a reestruturar seu sistema tributário, mas de uma maneira muito
modesta, talvez afetando 2% ou 5% de sua base tributária. Mas
está funcionando, serve de modelo para outros países e
eles estão fazendo isso mais e mais.
Folha -
Mas o país que mais pesa na questão são os
EUA, e eles estão longe de fazer essa mudança.
Brown - Sim. Tão longe quanto estávamos
de entrar numa guerra em 6 de dezembro de 1941.
Folha
- Os economistas clássicos argumentarão que, se todos
os fatores externos, como os ambientais, forem incluídos nas
contas da economia, os preços subirão a ponto de tornar
as relações econômicas impraticáveis.
Brown - Se eles estiverem certos, então nós
estamos com problemas. Porque nós pagaremos esses custos de um
jeito ou de outro. Por exemplo, neste país, um ano atrás,
os Centros de Controle de Doenças publicaram uma análise
sobre os custos sociais do cigarro. Concluíram que, baseado no
custo adicional do tratamento médico e da redução
de produtividade por faltas no trabalho, o custo para a sociedade de
um maço de cigarros é US$ 7,18. Esse é o custo
indireto. Ele é real. Alguém paga por ele: o empregador,
o empregado ou a sociedade. E o mesmo acontece com a mudança
climática. Nós vamos pagar o custo indireto de queimar
um galão de gasolina, na forma de poluição do ar,
tratamentos médicos, tempestades mais violentas etc.
Folha
- O cigarro é uma propriedade. A atmosfera é um bem
comum. Como fazer para pôr uma etiqueta de preço num bem
comum e legislar sobre ele?
Brown - É difícil. Muito mais difícil
porque a principal pessoa que paga o custo de fumar um cigarro é
o fumante. E a principal pessoa que paga o custo de queimar um galão
de gasolina não é necessariamente o motorista. Pode ser
um plantador de arroz em Bangladesh, cujas terras estão sendo
inundadas devido ao aumento do nível do mar.
Folha
- E qual é a solução?
Brown - Fazer com a gasolina o que os Centros para
Controle de Doenças fizeram com os cigarros: detalhar os custos
indiretos e aí reestruturar o sistema tributário.
Folha
- Mas, para funcionar, a abordagem precisa ser global, e soluções
globais não parecem muito na moda hoje. Brown - É verdade.
Mas não precisa ser inteiramente global, precisa ter o envolvimento
de vários países em várias medidas. A questão
interessante é: o custo para a sociedade de queimar um galão
de gasolina é maior ou menor do que o custo de fumar um maço
de cigarros? Meu palpite é: se incluirmos todos os custos indiretos,
o da gasolina é mais alto. Por exemplo: o Banco Mundial previu
que, se o nível do mar subir um metro, Bangladesh perde metade
de sua área de cultivo de arroz e 40 milhões de bengaleses
serão deslocados. Qual é o custo de assentar essas pessoas?
São custos tão grandes que nós não queremos
nem contemplá-los.
Livro só terá edição on-line no
Brasil
Lançado
nos EUA em 2001, "Eco-Economia" se propõe a marcar
uma mudança no discurso ambientalista de alerta para ação.
Mesmo assim, Brown não consegue deixar de gastar a maior parte
da obra enumerando os vastos problemas ambientais do planeta, do aquecimento
global ao aumento no consumo de carne pelo Terceiro Mundo. O livro não
terá versão impressa no Brasil. Será lançado
somente em versão digital, com "download" gratuito
no site da Universidade Livre da Mata Atlântica (www.uma.org.br),
a partir de hoje. (CA) Leia mais sobre o livro na www.folha.com.br/031861
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