No
essencial, os cem primeiros dias do governo Lula foram bastante positivos.
Temia-se o descontrole na economia, e não ocorreu. Afinou-se
o discurso na área econômica, agiu-se com cautela até
excessiva, mas se desarmaram os mercados e agora estão sendo
colhidos os resultados, com queda do risco Brasil e do dólar.
Para tanto, contribuiu o compromisso com as reformas, reiterado por
Lula.
Na frente externa, houve feitos relevantes, de firmar a imagem internacional
de Lula, especialmente após os encontros de Davos e Porto Alegre
e a iniciativa de criar o grupo dos amigos para a Venezuela. No plano
político, as votações da semana passada -apesar
de temas mais fáceis- demonstraram capacidade de articulação
do PT e um estilo bastante empregado pelo ex-ministro José Serra
-de politizar as discussões em vez de partidarizar. O reconhecimento
aos partidos de oposição que votaram o projeto demonstra
esse estilo, que é bastante eficaz. Com cem dias de governo,
não se deve esperar muita coisa, a não ser visão
estratégica clara sobre para onde se pretende caminhar.
É por aí que se deve analisar o governo. Desse ângulo,
há problemas claros. O primeiro, o do loteamento de cargos, um
amplo retrocesso em relação ao governo anterior. O modelo
anterior -criticável- consistia em lotear alguns ministérios
e funções, mas entre partidos. O ministro entrava, levava
alguns assessores, mas mantinha-se o funcionalismo operando. Agora,
em muitos ministérios e estatais, ocorreu ampla contratação
de correligionários e sindicalistas para cargos comissionados,
significando um retrocesso. O segundo ponto tem sido a ausência
-até agora- das políticas a serem adotadas pelas diversas
áreas. Não há um projeto de governo claro, que
possa subordinar as ações dos diversos ministérios.
Dizer que o projeto nacional é de inclusão social quer
dizer pouca coisa. A não ser as políticas sociais propriamente
ditas, inclusão social costuma ser decorrência de modelos
de desenvolvimento. E qual o modelo que se pretende? Não está
claro. Critica-se acertadamente o fato de o BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social) ter deixado de lado a visão
setorial ou se comprometido em demasia com privatização
deixando de lado a visão estruturante da economia. Mas qual o
modelo entra em seu lugar? Nesse modelo, qual o papel da grande empresa
nacional, da multinacional, das empresas de alta tecnologia -pouco geradoras
de mão-de-obra? Projeto nacional pressupõe uma articulação
entre banco de desenvolvimento, outros bancos públicos, área
de ciência e tecnologia, universidades (quem é que cuida
delas?). E, por enquanto, essa articulação não
existe, porque o conceito por detrás dela ainda não existe,
ou não foi suficientemente explicitado. A noção
de gestão e de planejamento estratégico precisam ser aprofundados,
para que o governo tenha uma bandeira mobilizadora e tenha ferramentas
capazes de colocar as idéias em prática.
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