Prezado
ministro,
É a segunda vez que lhe escrevo. Não digo que será
a derradeira porque no lugar onde vivo esse vocábulo não
tem significado. O senhor disse à repórter Vera Rosa que
não quer ser um Golbery, mas um Reis Velloso. Duradouro projeto,
ser ministro por dez anos. O João Paulo dos Reis Velloso trabalhou
com o general Medici de 1969 a 1974 e com meu amigo Ernesto Geisel daí
até 1979. Agora que Leonardo da Vinci renasceu, creio que o Velloso
não se entristecerá pela inconfidência que lhe faço:
nós o chamávamos de "Mona Lisa". O Código
do Velloso é intangível, como o do Da Vinci (amigo íntimo
do Hélio Oiticica). O mistério do seu poder ainda perdura.
Ministro Dirceu, acredite: vosmecê nunca será um Velloso.
Ele era um poderoso sem rastro. Se estamos perto de colher 20 milhões
de toneladas de soja no cerrado, isso se deve em boa parte ao PoloCentro,
jóia do governo Geisel, alavancada pelo Velloso. Ele nunca contou
isso a ninguém. Talvez nem acredite, tal a sua capacidade de
se transformar na vontade do presidente. Até onde ele transformava
a vontade do mandatário na sua, eis aí uma das chaves
do Código Velloso, esotérica escrita da Opus Lúcifer,
também conhecida como ekipekonômica. Ainda que eu esteja
a salvo de tomar um tiro, deste ponto não posso passar.
O senhor gosta mais do rastro do que do poder. Há algo de carnavalesco
na construção de sua figura, volúpia de gerente
de circo. O Velloso tinha atrás dele a burocracia do BNDE e do
Ipea. Eu não consegui derrubar o presidente do BNDE. O Mário
Henrique Simonsen e o Delfim Netto não gostavam daquele sobrinho-neto
do general Alfredo Malan, mas o Velloso o segurou.
O senhor tem familiaridade com a seqüência de Fibonacci?
(1, 1, 2, 3. 5. 8. 13. 21à) Trata-se de obter o próximo
número pela soma dos dois anteriores. O Velloso trabalhava somando,
como Fibonacci. A máquina petista prefere subtrair. Além
disso, ela não lhe dá retaguarda eficaz. O senhor tem
os bruxedos de Delúbio Soares, teve os sortilégios de
Waldomiro Diniz. É pouco e demais. O senhor costuma conversar
colocando o dedo em riste. Velloso morreria e não faria uma coisa
dessas, assim como jamais mexeria as sobrancelhas para enfatizar uma
palavra ou uma frase. Por falar nisso: o Velloso tem sobrancelhas?
Não superestime a sua própria capacidade de trabalho.
Não se compare ao Velloso na digestão de pedras. Ele era
capaz de mastigar um anuário estatístico para concordar
com o presidente. Eu suspeito que o senhor (como eu) use a calculadora
apenas para as quatro operações.
Em junho do ano passado falei-lhe dos perigos da lei do homem forte.
Lembra-se do filme "O Homem que Matou o Facínora".
O senhor alterna condutas de Lee Marvin (Liberty Valance) com John Wayne.
Não lhe passa pela cabeça ser James Stewart. Pois ele
é o Velloso. Não matou o facínora. Ficou com a
mocinha (Vera Miles) e elegeu-se senador.
O senhor quis mandar demais, em tudo. Lembra-se de quando lhe falei
que seus adversários estavam no palácio, não na
oposição? Pois bem, consultei os serviços disciplinares
deste lugar e obtive licença para lhe dizer o seguinte: o seu
colega Luiz Gushiken vem jogando bruto contra vosmecê. Mais não
digo.
Ministro Dirceu, o senhor nunca será o Velloso porque estão
tentando fritá-lo. Nunca houve em Brasília alguém
ocupado em fritar o Velloso.
Atenciosamente,
Golbery do Couto e Silva
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