EMPRESA JÚNIOR É PONTE DO LIVRO AO CRACHÁ

Sílvia Freire

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O que você acha da oportunidade de administrar uma empresa enquanto cursa a universidade? E se ainda puder aplicar em situações reais de mercado os conhecimentos que está adquirindo? As empresas juniores - sociedades civis sem fins lucrativos, administradas por alunos, que dão consultoria a clientes externos - ofertam essa possibilidade.
Na maioria delas, não há remuneração pelo trabalho de gestão, mas a recompensa está em enfrentar, dentro da faculdade, uma mostra do que será o trabalho fora dos muros acadêmicos. "Foi a melhor coisa que fiz", a-valia Thiago Fernandes, 20, presidente de empresa júnior da Eaesp-FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), a primeira a ser criada no país.
"Quando terei a oportunidade de dirigir uma empresa novamente? Daqui a muito tempo", pondera. Para o aluno, o desafio de participar de uma consultoria é proporcional aos benefícios conseguidos em termos de conhecimento técnico, vivência e desenvolvimento pessoal. Afinal, nem sempre é fácil encarar o cliente -em geral mais velho e com mais experiência-, que espera da equipe de estudantes uma solução para seu problema.
"Há quem nos trate como moleques. Nessa hora, é preciso mostrar conhecimento e passar confiança para os clientes", ensina Felipe Ghiotto, presidente da empresa júnior de administração do Instituto Ibmec Educacional.

Maturidade precoce
Entrar para uma empresa significa, muitas vezes, ter menos tempo para os estudos e para o lazer.
Por outro lado, os jovens que conseguem organizar melhor o tempo com as atividades acabam fazendo mais coisas do que antes. Segundo a consultora de recursos humanos Luciana Guedes Pinto, 30, a passagem por uma empresa júnior pode ajudar os alunos a desenvolver a capacidade de trabalhar em equipe, de liderança e de iniciativa, habilidades valorizadas pelo mercado. "Demorei de dois a três anos para fazer na agência o que fazia na júnior", diz o publicitário Daniel De Tomazo, 24, gerente de planejamento estratégico da Loducca e ex-presidente da empresa júnior da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Para ele, a experiência, além de ter sido uma porta de entrada para o mercado, contribuiu para dar mais maturidade e segurança no trabalho. Alunos aplicados "Lá vem o aluno da júnior de novo." Essa frase, bastante usada nas salas de aula, embora normalmente pejorativa, mostra bem uma das características principais dos "consultores-estudantes": o engajamento na vida acadêmica, dentro e fora da sala. "Eles fazem perguntas mais inteligentes e aproveitam mais a aula", avalia Marcos Amatucci, coordenador do curso de administração da ESPM de São Paulo.
Não é para menos. Muitas das teorias que são vistas pela primeira vez na sala de aula pela maioria dos alunos já foram usadas pelos consultores juniores. "O pessoal até comenta que a gente está sempre perguntando", diz Bruna Bergemann, 20, que cursa o terceiro ano de comunicação na ESPM.

Seleção concorrida vira segundo vestibular

Quem entra para uma universidade já com a intenção de participar de uma empresa júnior deve estar preparado para prestar uma espécie de segundo vestibular: dependendo da faculdade, o processo seletivo é bastante disputado.
Na empresa júnior da Eaesp-FGV, por exemplo, a cada semestre cerca de 120 alunos participam da seleção e apenas 20 são escolhidos, em média. No Mackenzie, a concorrência em agosto de 2002 foi de 12,6 alunos por vaga.
Mas a forma de seleção pode variar. Na FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) todos os alunos interessados são admitidos para a fase inicial dos projetos.
"As portas nunca são fechadas. No começo do ano, há até 120 alunos na empresa, mas eles vão sendo selecionados naturalmente, até restar cerca de 50, que ainda vão diminuindo ao longo do ano", explica Matheus Rioffi, 18, um dos diretores da FEA Júnior.
O processo seletivo é feito pelos próprios estudantes que integram a diretoria das empresas, o que pode significar um acréscimo no aprendizado. Afinal, eles têm de escolher entre seus próprios colegas.
O desafio é conseguir um distanciamento pessoal e selecionar com base em critérios técnicos. "Tivemos treinamento com uma consultoria de recursos humanos e foi possível ser imparcial na dinâmica de grupo e na entrevista", explica Felipe Ghiotto, presidente da empresa júnior do Ibmec.
Ele reconhece que ficou ansioso com a função. "Tenho amigos que não passaram." Ao participar da escolha de novos participantes, os diretores das juniores têm a oportunidade de enxergar o processo seletivo pelo qual poderão passar em um futuro breve, quando estiverem no mercado disputando uma vaga de estágio ou de emprego.
"Organizar o processo de seleção nos ajudará a lidar com ele mais para a frente", diz Ornella Guzzo, 19, aluna do terceiro ano de administração da ESPM. Ela só entrou na empresa na terceira tentativa e atualmente é diretora de recursos humanos.
Para o estudante de administração Davi Franco da Rocha, 22, que começou há poucas semanas um estágio em uma companhia multinacional, ter presidido uma empresa júnior proporcionou-lhe mais tranquilidade para enfrentar o processo seletivo. "Não é nada muito novo para a gente", avalia.
Segundo ele, a experiência que teve na empresa júnior foi o assunto da entrevista de seleção. "A consultoria júnior não ajuda a conseguir um estágio, mas desenvolve habilidades que facilitam, como senso de responsabilidade e capacidade de tomar decisões."

Tradicional em administração, consultoria cresce em outras áreas

Nascida dentro das escolas de administração -pela necessidade de oferecer maior experiência profissional aos alunos-, as empresas juniores atualmente estão em quase todas as áreas de formação, de engenharia a psicologia. O modelo de funcionamento de uma empresa júnior costuma ser o mesmo, seja qual for o ramo de atividade.
Em todas elas, os alunos são responsáveis pela gestão e não recebem nada pelo trabalho. Paralelamente à administração, os estudantes desenvolvem projetos de consultoria em sua área de estudo para clientes externos, geralmente pequenas e médias empresas.
O serviço é monitorado por um professor da instituição. Para Jorge Trierweiler, 36, professor de engenharia química da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e um dos incentivadores da Bulk Empresa Júnior de Engenharia Química, a experiência de administrar uma companhia pode abrir novas perspectivas profissionais aos futuros executivos. "Antes, o engenheiro saía da universidade diretamente para a indústria.
Agora, com as empresas terceirizando cada vez mais, ele pode organizar seu trabalho e oferecer soluções para elas." Marcelo Hass, 21, diretor-presidente da Bulk, diz que, apesar de difícil, a experiência compensa. "Tem sido importante sentir que precisamos ir atrás das coisas, não abaixar a cabeça e não desistir por causa de uma dificuldade."
Missão impossível A busca por mais informações práticas sobre a profissão fez com que a Com Arte Júnior, do curso de editoração da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP, fosse criada há quatro anos. "Lidamos com administração, com gráficas, com clientes que, às vezes, pedem coisas impossíveis.
Quem não está aqui perde essa experiência", avalia José de Souza Júnior, 19, que faz editoração. O estudante de psicologia Diter Oliveira Borges, 24, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), disse que só descobriu o que era a profissão a partir de sua experiência na empresa júnior. "Na faculdade, aprendemos a teoria.
Na júnior, desenvolvemos o lado profissional", diz Borges. Ele dirige projetos de psicologia na área de recursos humanos, como seleção e treinamento. Criada inicialmente para ser uma empresa júnior dentro dos padrões formais, a das Faculdades Tancredo Neves passou a oferecer o espaço físico e a estrutura aos estudantes que tiverem projetos de empresas próprias.
Em contrapartida, parte do faturamento é repassada à júnior. "Mais do que a estrutura física, a vantagem está na oportunidade de ter os professores como consultores", afirma o piloto Alexandre Toríbio, 38, um dos sócios da empresa Hangar 3, que está instalada na sede da empresa júnior.

POR QUE SER UM CONSULTOR JÚNIOR
Exemplos de capacidade desenvolvidas numa empresa júnior - valorizadas no mercado de trabalho:

. Trabalhar em equipe
. Influenciar pessoas
. Persistência
. Comunicação
. Objetividade
. Criatividade
. Iniciativa
. Flexibilidade

Cuidados para não acabar "precisando" de uma consultoria:
. Com a atividade, diminui o tempo disponível para a realização de trabalhos, de estudos e de lazer. É preciso organizar os horários de estudos a fim de não prejudicar o desempenho das aulas
. Como o trabalho na empresa júnior geralmente não é remunerado, o estudante deve ter outras formas de rendimento
. O aluno deve estar ciente da responsabilidade que está assumindo e que precisará ter persistência para não desistir no primeiro problema que encontrar
. Para aproveitar a experiência, é preciso envolver-se de verdade com a empresa júnior e não ser chamado consultor "turista"

 Folha de São Paulo, 09 de fevereiro de 2003, p. E9.



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