UM GOVERNO COM MEDO DE SER FELIZ

Elio Gaspari

Deu-se mal o ministro da Saúde, Humberto Costa. Acusou o tucanato de ter "sucateado" a Saúde. Tomou de volta uma referência do governador paulista, Geraldo Alckmin, às "cobras venenosas da política". Costa foi de uma ligeireza estranha à sua biografia de parlamentar sério. Assumiu um tom inquietante para seu desempenho como ministro. "Sucateamento" ao lado de "vontade política" e da "sociedade como um todo" formam o triunvirato do palanquismo de terceira categoria. São expressões
que podem ser usadas a qualquer momento, a respeito de qualquer assunto e em qualquer ordem. Sempre dirão nada. O ministro desceu em Brasília com o pé direito e, com o esquerdo, mostrou-se um artilheiro do time adversário. Loteou a Fundação Nacional de Saúde e torrou R$ 9 milhões reintegrando e indenizando 5.000 mata-mosquitos. Isso era pouco: assinou uma medida provisória pela qual a República brasileira cedeu a meia dúzia de marqueteiros do circo da Fórmula 1 e da indústria do tabaco. O doutor Costa é médico. Poderia consultar a burocracia do seu ministério para saber qual foi a nação do mundo que, tendo tomado uma medida antitabagista, voltou atrás, emparedada
pelos organizadores de uma corrida de automóveis. Admita-se que o tucanato sucateou a saúde. Ouvindo-se um pedaço da pedagogia petista, sucateou também a educação. Pelo visto, os tucanos fizeram tudo errado, menos juros altos, desemprego e estagnação econômica. Exatamente aquela parte da política de Estado em que, com suas razões, o governo vem desembaraçadamente tomando ditado. Até agora, do doutor Costa partiram apenas as baforadas de Interlagos. Do doutor Cristovam Buarque vieram alguns bons artigos, coisa que ele já fazia antes de ser ministro da Educação.
Ou seja, nas áreas onde os tucanos teriam produzido desgraças, nada se sabe de novo, salvo que a proibição da propaganda de cigarro foi abrandada. De Lula, felizmente, veio a promessa de que seu governo investirá em saneamento básico. A quem interessar possa: FFHH não investiu em saneamento porque sua ekipekonômika tungou os recursos. Tomara que o presidente faça o que prometeu. Será necessário, contudo, que vigie de perto o companheiro Antonio Palocci. Em
1996, quando era prefeito de Ribeirão Preto e fazia campanha para eleger seu sucessor, o doutor prometia levar a rede de esgotos a todos os domicílios da cidade. No seu caminho ficaram um prefeito hostil e mais uma licitação mal-assombrada. O povo do pedaço ficou a ver esgotos. Dizer que o governo precisa descer do palanque é pouco e é injusto. A política econômica, com os êxitos de sua lógica, nada tem de palanqueira. O enguiço acontece quando um ministro petista acredita que pode resolver os seus problemas (que não criou) jogando a responsabilidade para o passado. Seria mais
inteligente achar a responsabilidade do desemprego e da falta de recursos do presente nos juros altos deste mesmo presente. Uma das melhores coisas que se pode fazer é torcer para que Costa leve para o Ministério da Saúde a seriedade que carregava na Câmara. Cristovam Buarque pode levar a criatividade que inventou o Bolsa-Escola. Não é pedir muita coisa, apenas pedir-lhes que percam o medo de serem felizes. Pelo que diziam, pelo que faziam e, sobretudo, pelo que sabiam, os petistas eram craques.




UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA