A
política industrial, no Brasil, deveria ir além das abordagens
clássicas. Grande parte do sucesso das empresas no mundo está
em sua capacidade de inovar, criar identidade e ser flexível,
e o
Estado poderia ter um papel importante na coordenação
desses esforços. A tese é de um dos mais respeitados especialistas
em política industrial do país, o economista Antônio
Barros de Castro, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Castro está terminando
um livro em que examina essas questões em profundidade. Levou
a essência de suas idéias a um debate recente na Federação
das
Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, com grande
receptividade. Ele argumenta que existem três abordagens na discussão
sobre o uso de recursos públicos na economia. As duas primeiras
são tradicionais. A primeira justifica o uso na correção
de falhas de mercado e é apoiada, inclusive, por economistas
ortodoxos. Ou seja, são válidas políticas que reforcem
a lógica de mercado. Por exemplo, políticas que apóiem
pesquisa e desenvolvimento ou compensem economias de escala, como o
bem-sucedido Moderfrota, do BNDES. A intenção é
boa, mas a prática não é isenta de problemas. Quem
escolhe a quem ajudar e como fazê-lo de forma não corrupta?
Além de falhas de mercado, existem falhas de governo, e, na década
de 90, prevaleceu a convicção de que o risco com as falhas
de governo superava os possíveis ganhos na tentativa de correção
de falhas de mercado. A segunda abordagem clássica é a
constatação de que existem falhas de estrutura. O mercado
é ótimo coordenador ex-post: quando falta oferta, os preços
sobem, quando sobra, os preços caem. Mas haveria espaço
para coordenar ex-ante, na suposição de que existem soluções
melhores do que as outras, em termos de poupar capital, trabalho e matéria-prima.
Com três dilemas: 1) como fazê-lo com o Estado debilitado?
2) em alguns casos, o esforço mostrou-se inútil, como
no sul da Itália; e 3) qual o papel das empresas estrangeiras?
Castro acha que há espaço e boas razões para política
industrial no Brasil baseada nessas duas abordagens. Com uma advertência:
política industrial só é viável se for respaldada
por uma política fiscal sólida. Se os juros altos têm
de compensar a falta de uma política fiscal mais sólida,
não dá para fazer nada. Getúlio Vargas, lembra,
era um ortodoxo fiscal antes de ser um pioneiro da política industrial.
Há, contudo, uma terceira abordagem, que deve ser incorporada.
Ela parte do suposto de que as empresas são diferentes entre
si e de que essa diferenciação, capacidade de inovação
e flexibilidade são vitais na competição, especialmente
em economias abertas. Por exemplo, Usiminas e Cosipa nasceram da mesma
lógica, com projetos parecidos e na mesma época. No entanto,
a trajetória foi totalmente diferente, com a clara vantagem histórica
da Usiminas. As empresas podem tentar se defender da competição
por mecanismos de isolamento, como o uso de marcas e patentes e, quando
possível, de monopólios. Mas são defesas limitadas.
As armas mais importantes são a criação de identidades
fortes (ou percepção de identidade) e a diferenciação
dos produtos, o que vai muito além de simplesmente fabricar com
excelência. Com base nesse esforço, Castro vê três
grupos de países: 1) produtores de protótipos, onde o
que interessa é fazer o primeiro produto; 2) quem faz produtos
com identidade; e 3) replicadores indiferenciados, que têm lucros
comprimidos e só ganham quando o mercado melhora. Os Estados
Unidos se enquadram nos grupos 1 e 2. O Brasil tem participação
nos grupos 3 e 2 e, se puder, deve chegar ao 1. Diferenciação
exige mais do que apenas financiamento barato e mesmo tecnologia. Supõe
capacidade de coordenação de diferentes atores, e aí,
a seu ver, existe um papel para o Estado. Criar identidade não
quer dizer apenas sofisticação tecnológica. Ao
contrário, ele argumenta que existe um campo para o país
explorar na "tropicalização" de produtos, na
simplificação, em busca de mercados com menor poder aquisitivo,
em alianças com países com características parecidas,
como China e Índia. O Brasil foi "inóspito"
nos últimos anos, pelas idas e vindas macroeconômicas e
pela falta da cultura da cooperação. Mas há espaço
para políticas que corrijam falhas de mercado e políticas
"leves e com pontaria" que corrijam falhas de estrutura sem
criar problemas fiscais. Houve um "renascimento" de uma política
tecnológica bem-sucedida e foram dados passos na direção
do novo e da flexibilidade. Não é simples desenhar uma
política industrial inovadora, mas certamente deveria estar na
prioridade do governo.
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