Não há uma razão objetiva para não prover
os pobres de água potável suficiente para satisfazer suas
necessidades básicas
NA
DÉCADA de 1970, o Clube de Roma e outras entidades advertiram
sobre uma iminente escassez de alimentos, petróleo e outros bens
essenciais como conseqüência, aparentemente inexorável,
do aumento da demanda de recursos limitados. Mais recentemente, escutamos
projeções de futuras e inevitáveis "guerras
pela água", predições arraigadas no temor
de que não tenhamos água potável suficiente para
responder às necessidades de uma população que
cresce e se assenta, cada vez mais, em centros urbanos.
A preocupação é compreensível: atualmente,
1,1 bilhão de pessoas carecem de acesso regular a água
potável para beber, tomar banho ou cozinhar. As conseqüências
dessa carência são evidentes: estima-se que aproximadamente
dois milhões de crianças morram a cada ano porque suas
famílias não têm acesso a água potável
ou por falta de saneamento básico.
Contudo, uma análise racional do problema demonstra que não
há uma causa objetiva que explique o porquê de não
se fornecer aos pobres do mundo água potável suficiente
para satisfazer suas necessidades básicas.
O fornecimento e a distribuição de bens indispensáveis
é resultado de muitas variáveis, desde incentivos de mercado
e inovações tecnológicas até inversões
públicas e marcos reguladores. Porém, às vezes,
o ingrediente que falta é vontade política.
O argumento central do Relatório Mundial de Desenvolvimento Humano
2006 -"A água para lá da escassez: poder, pobreza
e a crise mundial da água"-, apresentado pelo Pnud (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento), é que
o acesso à água limpa e acessível deveria ser considerado
um direito humano básico. Os governos podem e devem reconhecer
esse direito, fazendo com que todas as pessoas tenham acesso a um mínimo
de 20 litros de água potável por dia, recebendo-a gratuitamente
quem não tiver meios para pagá-la.
Com muita freqüência, o preço da água se estabelece
partindo do princípio perverso de que, quanto mais pobre é
a pessoa, mais alto é o custo. Os residentes em favelas pagam
os preços mais altos do mundo pela água. Os lares mais
pobres de El Salvador, da Jamaica ou da Nicarágua dedicam mais
de 10% de suas rendas para o pagamento da água. No Reino Unido,
porém, se uma família gastar mais de 3% de sua renda nesse
serviço, é considerada em situação de penúria
econômica.
Grande parte do debate de políticas sobre o abastecimento de
água tem estado dominada pela estéril controvérsia
entre a privatização e a propriedade estatal. Trata-se
de uma falsa dicotomia: há uma ampla gama de enfoques financeiros
e normativos racionais que permitem combinar ambas as perspectivas para
garantir o abastecimento de água potável.
O verdadeiro desafio é levar água potável àqueles
que têm menos possibilidade de pagar. Os lares conectados diretamente
ao serviço de água municipal costumam obter água
a um preço menor. Os pobres têm de passar por muitos intermediários,
como caminhões-pipa e outros fornecedores, para adquirir sua
porção diária. Cada passo que os afasta da fonte
de água ocasiona um aumento no preço.
Na África do Sul, se estabeleceu o marco regulatório básico
para uma solução. O acesso à água foi uma
das linhas de divisão entre brancos e negros na época
da apartheid. No período posterior ao apartheid, a adoção
de um enfoque baseado nos direitos humanos sobre o abastecimento de
água criou um legítimo sentido de justiça entre
os cidadãos e "empoderou" as comunidades para que exigissem
a prestação de contas dos governos locais, dos serviços
privados e do governo nacional.
No Relatório Mundial de Desenvolvimento Humano 2006, se incentiva
que todos os países em desenvolvimento preparem um plano nacional
que acelere os progressos em matéria de água e saneamento
por meio de metas ambiciosas, com um orçamento de pelo menos
1% do PIB e com estratégias claras para superar as desigualdades.
De igual forma, o relatório promove a adoção de
um Plano de Ação Mundial, encabeçado pelo G8, para
que os problemas de água e saneamento ocupem um lugar prioritário
no programa mundial de desenvolvimento.
Os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio são totalmente
inter-relacionados, de forma que, se não cumprirmos o objetivo
relativo à água e ao saneamento, nossa esperança
de atingir os outros sete desaparece rapidamente. Temos a responsabilidade
coletiva de obter os resultados desejados. Tanto por razões práticas
quanto éticas, é difícil imaginar um melhor investimento
para a saúde e para o conforto dos pobres do mundo.
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