PLANTIO DIRETO CONSOLIDA REVOLUÇÃO NO CAMPO

 

José Maschio

O Brasil comemora nesta semana os 30 anos do sistema de plantio direto, técnica agrícola que deu sustentação à revolução no campo brasileiro. A partir do SPD (Sistema de Plantio Direto), o país pode incorporar áreas antes impróprias para a produção de grãos, economizar em insumos e exportar tecnologia e equipamentos para o mundo.
O plantio direto, ainda não como sistema, foi introduzido em 1971 pelo agricultor Herbert Bartz, 67, em Rolândia (norte do PR). Mas foi a partir de 1974 que agricultores de Mauá da Serra (norte do PR), orientados por Bartz, difundiram a prática.
Hoje, o SPD ocupa 22 milhões de hectares, segundo dados da Federação Brasileira do Plantio Direto, dos 42,5 milhões de hectares destinados à produção de grãos no Brasil. "Nos EUA, o sistema era muito rudimentar e não existia um conceito amplo como o nosso. Por isso podemos falar que o SPD é uma tecnologia autenticamente brasileira", afirma Bartz.
Baseado em um processo de agricultura sustentada, o sistema remove o mínimo possível do solo e procura, na agricultura comercial, dar características de solo de floresta para as área de lavoura. Além do ganho na produtividade, ao saltar de uma produção de 1.980 quilos de soja por hectare, na década de 70, para 4.000 quilos, na média da última safra, o SPD incorpora ganhos ao reduzir custos de produção.
Pesquisadores e economistas tentam, hoje, traduzir em valores os ganhos obtidos com o sistema. A dificuldade é chegar a um cálculo mais próximo da realidade.
Mas, para exemplo, somente no consumo de óleo diesel na última safra o país deixou de gastar R$ 1,826 bilhão, com uma economia de 59,3 litros de diesel por hectare/ano. O valor corresponde ao diesel que se deixou de queimar nos 22 milhões de hectares com o sistema, considerando um preço médio de R$ 1,40 o litro de diesel.
Sérgio Higashibara, 52, e Carlos Kamiguchi, 44, seguidores dos pioneiros do plantio direto em Mauá da Serra, apontam o avanço "para uma fronteira agrícola invisível" como outra vantagem do sistema. Em Mauá da Serra são colhidas cinco safras em um ciclo bianual. "A otimização da terra com cinco colheitas, onde existiam quatro, é uma fronteira invisível, mas que agrega valor para o produtor", afirma Higashibara.
Mais visível é a incorporação de áreas antes destinadas a pastagens no noroeste do Paraná, no sudoeste de São Paulo e no sul de Minas, onde o SPD tornou possível a produção de grãos, especialmente soja. O mesmo aconteceu em áreas degradadas do Rio Grande do Sul, como em Alegrete.
O pesquisador José Eloir Denardin, 52, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo (RS), aponta o SPD como responsável pela transformação de Carazinho, antes apenas área de agricultura, em uma importante bacia leiteira do Rio Grande do Sul. "Com a rotação de culturas, o produtor passou a integrar lavouras com pecuária de leite, e hoje a região produz um milhão de litros dia, o que seria impossível sem o sistema."
O pesquisador do Iapar (Instituto Agronômico do Paraná) Ademir Calegari, 47, lembra que o sistema "assustou os norte-americanos". Há dez anos, técnicos do USDA (departamento de agricultura dos EUA) visitaram o cerrado brasileiro e relataram que "os solos frágeis não suportariam o avanço da agricultura brasileira".
Há dois anos, novos consultores do USDA voltaram ao cerrado. E o relatório final mostra um "espanto" com o "crescimento linear da produção de alimentos".
Desde 2001, o SPD brasileiro é indicado pela FAO (Fundo das Nações Unidos para a Agricultura) como o modelo de agricultura.

 
 
PRODUTIVIDADE CRESCE APÓS CINCO ANOS
Desenvolvido com o objetivo inicial de reduzir a erosão do solo agrícola, o SPD (Sistema de Plantio Direto), dentro de um conceito conservacionista e de sustentabilidade, possui vantagens substanciais com relação ao plantio convencional.
No sistema convencional, o solo é revolvido -com arações e gradeações- antes de cada cultivo. No SPD, a semeadura é feita na palha da cultura anterior.
A implantação, com a adequação de plantadeiras, aumenta em até 15% o custo de produção para o produtor, e nem sempre a resposta, em termos de produtividade, é observada nos primeiros anos pelo agricultor.
A partir de cinco anos é que o solo, com o acúmulo de cobertura vegetal e o fim da arações, se estabiliza em um processo linear de aumento da produtividade. O uso de herbicidas -motivo de críticas ao sistema na sua introdução- também diminuiu com o passar dos anos.

Tripé
O tripé básico do plantio direto é a rotação de culturas, com diversificação de espécies, a cobertura permanente do solo e o preparo somente na linha de plantio. Mas o mais importante, segundo Herbert Bartz, 67, é que o SPD tem que ser entendido como um "conceito de sustentabilidade e muda o modo de o agricultor pensar sua produção".
Como as lavouras vão se alternando em ciclos bianuais, de quatro ou oito anos, dependendo de cada região e dos interesses econômicos do produtor, a maneira de calcular os custos de produção também muda com relação ao plantio convencional.
"Não posso fazer um cálculo sobre os custos na produção de milho, soja, trigo ou feijão, mas sim sobre o meu ciclo bianual", afirma Sérgio Higashibara, 52.
Segundo ele, a adubação de uma gramínea (trigo ou milho) deixa um residual de adubo, que é absorvido por leguminosas como feijão ou soja.
"No sistema convencional, o produtor tem custos de produção estanques, cada lavoura é um ciclo completo. No SPD não se pode pensar assim, mas no ciclo que é adotado pelo produtor", declara Carlos Kamiguchi, 44.

 
FRASE
É um conceito de produção, muito mais que uma técnica, que se adapta a qualquer tipo de solo ou clima. Por isso o interesse [dos estrangeiros]
CARMEN REBELATTO - gerente da área internacional da Semeato, empresa do Rio Grande do Sul especializada na produção de equipamentos para o SPD
 
ESTRANGEIROS COPIAM O CONCEITO
O SPD (Sistema de Plantio Direto) brasileiro é hoje copiado em todo o mundo, com o país exportando tecnologia e equipamentos. A gerente da área internacional da Semeato, empresa do Rio Grande do Sul especializada na produção de equipamentos para o SPD, Carmen Rebelatto, 40, afirma que o Brasil "perdeu" ao não patentear o sistema.
A Semeato possui clientes em 40 países, e hoje 35% de suas exportações são para países europeus, especialmente França e Espanha, que estão adotando o modelo de agricultura sustentada brasileiro. "É um conceito de produção, muito mais que uma técnica, que se adapta a qualquer tipo de solo ou clima. Por isso o interesse dos técnicos franceses no sistema", diz Rebelatto, que não informa o faturamento com exportações.
Os pesquisadores da Embrapa Paulo Galerani, 52, e José Eloir Denardin, 52, prestam consultorias para Iraque, Moçambique, China e Índia na implantação do sistema nesses países. Ademir Calegari, 47, do Iapar (Instituto Agronômico do Paraná), assessora outros 11 países africanos.
Nesses países, o enfoque são para os pequenos produtores em lavouras de subsistência. No Brasil, o sistema tem maior difusão entre médios e grandes produtores.
A própria Semeato utiliza produtores pioneiros como difusores do sistema, em palestras para agricultores na Europa e na América Latina, ou recepcionando comitivas em suas propriedades.
 



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