CRISE DE ENERGIA

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Se necessário, apagão só virá em um mês
HUMBERTO MEDINA e JULIANNA SOFIA


O governo definiu ontem as regras do apagão. A medida será adotada caso o racionamento fracasse e, de acordo com o ministro Pedro Parente, coordenador do "ministério do apagão", não acontecerá antes da segunda semana de agosto. As medidas divulgadas ontem ficarão em consulta
pública por 15 dias e poderão ser modificadas. "Devemos estar preparados para aquilo que ninguém
deseja. A situação hoje é qualitativamente melhor que há dois meses", disse Parente.
Antes de cortar o fornecimento de energia, o governo tentará reduzir o consumo por meio de feriados às sextas-feiras, da elevação da geração de energia na hidrelétrica de Ilha Solteira (São Paulo) e do aumento da meta de economia dos grandes consumidores. As medidas propostas ontem serão adotadas nas regiões onde há racionamento de energia caso o nível dos reservatórios das hidrelétricas baixe em ritmo mais acelerado do que os técnicos do governo esperam. Mesmo com o apagão, o racionamento não será suspenso, o que aumentaria a redução no consumo de energia.
Os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste estavam com 28,05% e os da região Nordeste, com 23,31%. A meta para o final do mês é de 24,3% no Sudeste e Centro-Oeste e 20,5% no Nordeste. Caberá ao "ministério do apagão" definir com que percentual de afastamento da meta as medidas serão adotadas.
O governo tem estudos para a implantação das medidas com afastamentos de meio e dois pontos percentuais.

Apagão
O governo avisará as concessionárias com sete dias de antecedência sobre a necessidade de um eventual apagão. Essas empresas já deverão começar a preparar os planos de corte de carga para apagões, que variam de 2,5% a 10% de redução na carga. Em tese, uma redução de carga de 2,5% representa apagões diários de quatro horas de duração durante um mês para que haja recuperação no nível dos reservatórios.
Esse cálculo, no entanto, varia. Depende do momento do dia em que o corte for feito e da quantidade de meses que o governo pretende levar para recuperar o nível dos reservatórios. Quanto mais tempo o governo quiser levar para recuperar os reservatórios menos intenso será o corte. A intensidade do apagão irá variar de distribuidora para distribuidora de acordo com o nível de economia atingido
por seus consumidores. Isso significa que, onde houver mais economia, o apagão será menor.

Navegação
O governo decidiu que poderá inviabilizar a navegação na hidrovia Paraná-Tietê para não ter de adotar o
apagão. Essa medida poderá ser adotada caso o feriado às sextas-feiras não seja suficiente para conter o consumo. A navegação ficaria inviabilizada no trecho entre os rios Tietê e Paranaíba com o aumento de 4.800 MW na geração na usina hidrelétrica de Ilha Solteira. O aumento de geração causa rebaixamento no nível do reservatório, o que impossibilita o trânsito das barcaças que transportam grãos. A íntegra da proposta do plano B está no site
www.planalto.gov.br

Corte terá aviso 72 horas antes

O consumidores terão de ser avisados com no mínimo 72 horas de antecedência dos eventuais apagões. As distribuidoras de energia terão de publicar comunicados na imprensa (jornais e revistas) ou divulgá-los pela televisão e pelo rádio. As distribuidoras de energia deverão dividir seus
consumidores em grupos de corte. Na conta de luz eles receberão o código do grupo de
corte a que pertencem. Segundo o coordenador do comitê que preparou o plano B, Celso Cerchiari, essa é uma medida de segurança. "A distribuidora informa pela imprensa a data do corte
para determinado grupo. Assim, o consumidor da área atingida" saberá quando vai ser o corte, mas o resto das pessoas, não. Fica menos explícito e garante mais segurança", explicou o coordenador.
Ele acrescentou que as distribuidoras, que já devem começar a elaborar seus planos de corte, deverão
classificar os grupos de consumidores o mais rápido possível, mesmo que não haja necessidade de apagão. "Tudo deve estar pronto, no caso de haver o corte programado", detalhou.

Quatro horas
Os cortes não poderão ultrapassar quatro horas consecutivas. O intervalo entre um apagão e outro deverá ser equivalente ao período do último desligamento. Além disso, as distribuidoras deverão montar uma espécie de rodízio dos apagões, para evitar que os cortes ocorram sempre em um mesmo período para os mesmos consumidores. Embora os apagões devam abranger todas as classes de consumidores, exceto os serviços essenciais, algumas residências ou estabelecimentos poderão ser indiretamente poupados do corte. "Os vizinhos de um hospital com UTI e sem geração
própria de energia [onde não poderá haver cortes" não serão desligados", declarou o vice-presidente da
Eletropaulo e integrante do grupo do plano B, Antoninho Borghi.

Indústria pode ficar sem corte

Os grandes consumidores de energia elétrica, ligados à rede de alta tensão, estão livres do apagão. Eles não serão cortados automaticamente, caso o governo decida pela adoção do corte de carga para complementar o plano de racionamento. Grande consumidor é aquele que está ligado na rede a partir de 69 KW. Para esses consumidores, a meta de redução de consumo será aumentada na mesma proporção da economia obtida com o apagão. Ou seja, se uma determinada indústria tem meta de 20% e o apagão for de cinco pontos percentuais, a nova meta será de 25%. A indústria só terá corte de energia caso não consiga cumprir a meta e não compre no mercado certificados de uso de energia elétrica para aumentar sua meta. De acordo com o vice-presidente da Eletropaulo, Antoninho Borghi, existem 137 grandes consumidores na região metropolitana de São Paulo que poderão ficar fora do apagão. A justificativa técnica para que esses consumidores não sejam cortados é o tempo que eles levam para retomar o processo produtivo. "Uma indústria que for cortada por duas horas pode demorar outras duas horas para retomar o processo produtivo", disse Celso Cerchiari, coordenador do grupo que preparou o plano de apagão.

Empresas reclamam de perdas

As distribuidoras de energia elétrica reclamaram, em solenidade que contou com a presença do ministro de Minas e Energia, José Jorge, de perdas de R$ 3,5 bilhões no setor.
As perdas seriam causadas porque a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula o setor) não autoriza o repasse para tarifas de aumentos de custos causados pelo governo -chamados pelo setor de custos não-gerenciáveis. O presidente da Abradee (Associação Brasileira de
Distribuidores de Energia Elétrica) Orlando Gonzalez, disse que as perdas podem causar dificuldades no atendimento ao consumidor, no cumprimento de metas de qualidade e inibem novos investimentos no setor.

Grupo de estudos
O governo criou um grupo para estudar a regulamentação do setor de energia elétrica. Esse grupo irá avaliar também a questão do repasse para as tarifas do aumento de custos "não-gerenciáveis" das companhias.

FRASES

Devemos estar preparados para aquilo que ninguém deseja. A situação hoje é qualitativamente melhor que há dois meses. (PEDRO PARENTE, coordenador do "ministério do apagão")
Os vizinhos de um hospital com UTI e sem geração própria de energia [onde não poderá haver cortes] não serão desligados. (ANTONINHO BORGHI, vice-presidente da Eletropaulo e integrante do grupo do plano B)
As perdas [com a crise de energia] podem causar dificuldades no atendimento ao consumidor, no cumprimento de metas de qualidade e inibem novos investimentos no setor. (ORLANDO ONZALEZ, presidente da Abradee - Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica


Folha de São Paulo, 12 de julho de 2001, p.B9




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