VIZINHOS DE ITAIPU VÃO À JUSTIÇA CONTRA USINA

José Maschio

Produtores rurais de 13 municípios que margeiam o lago de Itaipu buscam, na Justiça Federal, indenização por prejuízos que afirmam terem sido provocados, nos últimos 20 anos, pelas alterações microclimáticas com a formação do lago da hidrelétrica.
A Itaipu contesta a ação e acusa advogados de criarem uma " indústria de indenizações". Segundo a ação proposta na Justiça Federal, as alterações microclimáticas -decorrentes da criação do que é considerado o maior lago artificial do mundo- provocaram prejuízos a 1.300 produtores nos 13 municípios e atingem os 1.099 km de entorno do perímetro brasileiro do lago, com 70 mil hectares de terra. Com base em números levantados por produtores que movem a ação contra a Itaipu Binacional, nos últimos 20 anos os prejuízos somariam R$ 20 mil por hectare. Uma simples conta de multiplicação mostra o tamanho potencial da ação indenizatória contra a binacional: R$ 1,4 bilhão.
O advogado César Augusto Gularte de Carvalho, 37, que dirige o escritório Estúdio Legale, de Porto Alegre (RS), e representa os 1.300 produtores no processo, afirma que é prematuro levantar cifras. "Tudo depende do histórico de cada imóvel e do tipo de exploração dele por seu proprietário", afirma. Carvalho, no entanto, diz que os valores poderão passar dos "dez dígitos". Para fundamentar a tese das alterações microclimáticas, o escritório de Carvalho contratou uma equipe de especialistas, que foi a campo analisar os efeitos da formação do lago sobre a produção agropecuária nas propriedades.
O curioso é que o ponto de partida das investigações foi um estudo contratado pela própria Itaipu Binacional ao Simepar (Sistema Meteorológico do Paraná) e coordenado pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná. "O estudo de Itaipu, chamado Mesolite, foi em nível macrorregional. Nossa investigação foi em nível micro, somente na área em que o estudo apontava modificações na umidade específica do ar e de temperatura, em uma faixa de 5 km em relação às margens do lago", afirma Carvalho.


O que mudou no clima

As alterações climáticas anunciadas na ação consistem na modificação dos regimes dos ventos e de níveis de temperatura do ar, umidade, evaporação e radiação, o que provocou elevação de temperatura e aquecimento do solo, expondo as plantas a uma situação de estresse, com déficit hídrico e redução da produtividade.
Em uma mesma propriedade, como a de Aldino Larssem, 68, em Itaipulândia, a colheita de soja feita com acompanhamento técnico mostrou diferença de produtividade de 40% entre áreas mais distantes do lago e aquelas dentro da faixa de 5 km às margens. "Eu colhi 40% menos na faixa do lago, mesmo utilizando as mesmas sementes, a mesma tecnologia e adubação. E mais: tive custos maiores nas proximidades da faixa de cortina verde plantada por Itaipu, já que tive que pagar mão-de-obra manual para o controle da leucena", afirmou Larssem, proprietário de 556 hectares.
A cortina verde citada por Larssem é outro motivo para os pedidos de indenização. Na faixa de proteção do lago contra a erosão, a binacional introduziu uma espécie exótica chamada leucena, que virou invasora de lavouras.
Produtores dizem que o desconforto térmico praticamente inviabilizou as atividades pecuárias. As empresas integradoras -que fornecem filhotes e, depois, compram os animais adultos- de suínos e aves quase não fazem contratos. Além dos pedidos de indenização, os produtores reivindicam o ressarcimento pela desvalorização das terras e até pelo fim da segurança. "Depois do lago, foi como se Itaipu tivesse asfaltado o rio Paraná na altura de Guaíra. Um trator é roubado e levado para o Paraguai, em balsas, em menos de dez minutos", afirma o agrônomo Lincoln Villi Gerke, 35.

OUTRO LADO: Itaipu contesta mudança no clima
Em nota assinada pela sua assessoria de comunicação, a Itaipu Binacional informou não ter conhecimento do conteúdo das ações, mas entende "que esse conjunto de ações é mais um produto da indústria da indenização, que tenta tirar proveito de uma situação forjada, explorando a boa-fé dos produtores rurais".
Na nota, a binacional diz que informações preliminares dão conta de que "tais ações teriam se baseado em fragmentos de estudos feitos pelo Instituto Tecnológico Simepar para a Itaipu Binacional e que esses estudos teriam sido aproveitados de forma distorcida e manipulada, incompatível com o conjunto dos resultados".
"O monitoramento microclimático feito por Itaipu desde 1998, sustentado em bases científicas, não permite concluir que a formação do lago seja responsável por supostas mudanças climáticas na região, muito menos que tenha causado prejuízos aos produtores", diz a nota.
Segundo a binacional, eventuais alterações climáticas ocorridas podem ser atribuídas a variações globais de temperatura (efeito estufa) e ao desmatamento desordenado que houve na região, e não ao reservatório. Diz que os prejuízos alegados inexistem. Informa ainda que, oportunamente, a Itaipu Binacional contestará essas ações e produzirá as provas técnicas que demonstrarão, em definitivo, "a improcedência de tais pretensões milionárias".
Quanto aos pedidos de indenização por outros supostos danos, a Itaipu Binacional esclarece que a mata ciliar na faixa de proteção é uma obrigação legal, o que impede o uso privado dessa área. E que a desapropriação da área já foi devidamente indenizada no passado. A nota diz que a responsabilidade pela segurança e a vigilância do lago, para evitar roubos, contrabando e tráfico de drogas, é da Polícia Federal e não da binacional.




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