PRECARIEDADE AFETA MAIS O AGRONEGÓCIO

 

Juliana Garçon

O agronegócio é o setor mais afetado pela precariedade da infra-estrutura de transporte no país. Isso porque o surto de desenvolvimento das lavouras comercialmente mais rentáveis se deu nas chamadas fronteiras agrícolas, no coração do país, em regiões distantes da costa. Como o cultivo chegou antes do asfalto, a maior parte da produção cruza o país chacoalhando em caminhões.
No trajeto para a costa nas estradas mal conservadas, a trepidação do veículo faz com que uma quantidade equivalente a cerca de 3% de toda a safra se extravie, calcula Paulo Tarso Resende, da Fundação Dom Cabral (Fundace), que avaliou o problema em um estudo junto a 120 empresas.
No treme-treme da viagem, os grãos e cereais simplesmente pulam tanto que acabam escapando do baú dos caminhões. "Esse tipo de desperdício pode dobrar a partir deste ano", diz Para Adalgiso Teles, diretor corporativo da Bunge, maior contratante de transportes de carga do país, esse índice já pode estar na casa dos 5% nos trajetos do Centro-Oeste aos portos.
"O uso de hidrovias reduziria o desperdício, mas faltam investimentos", diz Teles. Ele calcula que essas perdas tenham sido de R$ 1 bilhão no ano passado.

Prejuízos ancorados
Perda de igual escala ocorre no porto com multas e atrasos no traslado para os navios porque as instalações são deficientes, faltam contêineres e as embarcações têm de esperar em filas até conseguir vaga para atracar. Ele calcula: "O custo médio do navio é de US$ 35 mil por dia. Pode ficar 15 dias parado no porto, na fila ou esperando a maré subir para atracar. Com a circulação de 2.600 navios, o prejuízo chega a R$ 1,3 bilhão."
Se a mercadoria embarcada é uma commodity, como a soja, a cotação internacional define o preço ao comprador. "Então não dá para repassar custos extras. São abatidos na margem de lucro do produtor ou do processador."
Na opinião de Teles, o apagão logístico já está acontecendo. "E só não foi pior no ano passado porque houve quebra de safra. Só na soja, a quebra foi de 10 milhões de toneladas. Isso postergou o problema, que deve explodir neste ano, se for confirmada a safra."

Armazenagem
O apagão agrícola também está relacionado à capacidade de armazenagem. Conforme o estudo da Fundace, os armazéns portuários do Brasil só atendem 60% da demanda. Confirmado o aumento da safra de 119 milhões para 134,9 milhões de toneladas, as filas na chegada a Santos e Paranaguá devem aumentar.
O problema se repete no interior, onde os silos também são insuficientes. "Hoje, 60% da capacidade de armazenagem está nas mãos de empresas que podem ser contadas nos dedos da mão", calcula Paulo Tarso Resende. "Isso deixa os produtores rurais na mão da agroindústria."
Para normalizar a situação no campo, estima, seria necessário triplicar as áreas de armazenagem nas regiões produtivas.

 
RETOMADA ELEVA RISCO DE APAGÃO LOGÍSTICO
Deficiente há décadas, a estrutura de transporte no Brasil corre o risco, a partir deste ano, de sofrer um "apagão" -aumento exagerado nos custos logísticos e nos prazos de escoamento das cargas- que extrapola inconvenientes conhecidos como filas de caminhões, congestionamentos portuários e escassez de espaços para armazenagem.
O gargalo tende a se agravar nos próximos meses devido à expansão econômica, que demanda mais capacidade de movimentação das cargas, combinada com a histórica falta de investimentos no setor. Como obriga as empresas a trabalhar com estoques -na contramão das práticas atuais de negociação, que se apóiam na capacidade de entrega "just in time"- ou a pagar multas por atrasos, o empecilho rouba competitividade dos bens exportados.
Pesquisa da Fundação Dom Cabral (Fundace), de Minas Gerais, indica que o tempo médio de vazão dos grãos até o embarque deve dobrar no pico da safra, quando a demanda por transporte de carga aumenta. Para granéis agrícolas, o estudo captou aumento de 30% nos prazos e de 12% nos custos de escoamento no ano passado.
Para a soja, principal item das vendas agrícolas ao exterior, a pesquisa projeta aumentos de 25% nos prazos de escoamento e de 8% nos custos de escoamento.
Os questionários dos pesquisadores foram preenchidos, entre agosto e dezembro, por 120 grandes usuárias de transportes -todas são empresas com faturamento anual acima de R$ 5 milhões. Metade delas está entre as 500 maiores do Brasil. O engenheiro Paulo Tarso Resende, coordenador da Célula de Logística da Fundace, que conduziu o estudo, lembra que o entrave é antigo. "Mas nunca chegou a paralisar a economia." O quadro degringolou, diz, porque os problemas do sistema (estradas precárias, falta de formas alternativas de transporte e de contêineres, despreparo dos portos e burocracia) se acumularam e se agravaram, enquanto a produção cresce.
Resende afirma que, neste ano, já poderá ser verificada a escassez de veículos para transporte. Na época da safra, quando parte considerável dos caminhões se dirige à região Centro-Oeste, a oferta de veículos será reduzida em até 20% nas regiões Sul e Sudeste, prevê. O desequilíbrio entre oferta e demanda deve elevar o custo do frete rodoviário em 12%, estima.
A alta pressionaria ainda mais os custos do transporte rodoviário, já inflado porque os caminhoneiros, escaldados nas estradas esburacadas, vêm aplicando aumento de 20% no preço do frete face aos aumentos de custos de manutenção e de seguros e até como forma de prevenção contra acidentes e perdas. "Os caminhoneiros, na sua maioria, são autônomos e não têm fonte de financiamento. Por isso, não há renovação da frota", explica Resende.
"As empresas brasileiras se encrencam no nível de serviço e sofrem conseqüências delicadas, como o rompimento de contratos", afirma Sérgio Bio, professor de logística da FEA-USP. "Os americanos trabalham mais com alternativas, como as hidrovias."
No Brasil, diz Resende, os rios movimentam menos de 1% de toda a carga. "Os Estados Unidos têm metade de nossa quilometragem de rios navegáveis e transportam 12%."
Omar Silva Júnior, presidente da Associação Nacional dos Usuários de Transporte de Carga (Anut), também vê necessidade de avançar por esse flanco. "O modelo hidroviário sempre encontra barreira nas questões ambientais. Os técnicos têm medo de desenhar projetos. A legislação precisa ficar mais clara." Outro modelo bastante usado nos países industrializados, o ferroviário, é considerado ideal, mas os investimentos pesados que demanda e os longos prazos de conclusão desanimam os exportadores. "Precisamos aumentar a produtividade do que já temos: as rodovias", diz Silva Júnior.
"De imediato, só resta às empresas criar soluções que atendam ao nível requerido pelo comprador com custo logístico que não destrua sua competitividade", crê Bio. A Bunge, por exemplo, apostou nas ferrovias: financiou vagões e locomotivas para a ALL a fim de ampliar a capacidade de atendimento da parceira, sem de fato se inserir numa atividade que não é sua especialidade.
 
GOVERNO NEGA QUE ESTRANGULAMENTO PARALISARÁ CARGAS
"Não haverá apagão logístico. Só questões localizadas de tráfego pesado, como formação de filas." A opinião é do chefe-adjunto da assessoria econômica do Ministério do Planejamento, Antonio Henrique Silveira. "O Orçamento prevê R$ 2,8 bilhões para infra-estrutura, sendo R$ 2,165 bilhões só para transportes."
A verba, diz, será destinada ao restauro da malha viária e à continuidade da eclusa de Tucuruí (PA), entre outros projetos. "Temos um grande projeto de recuperação para 2005 e 2006."
Cerca de 19.000 km de rodovias devem receber melhorias. Ele avalia que, apesar da sobrecarga, a deterioração das condições de tráfego será evitada pela identificação dos pontos de estrangulamento. As negociações com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para que investimentos em infra-estrutura deixem de ser contabilizados na economia para o superávit, acredita, devem permitir investimentos importantes. "O Fundo está sensível à necessidade de recuperação das rodovias, até para garantir solvência do país por meio das exportações."
Silveira aponta ações "já iniciadas e que terão continuidade" para a dragagem dos leitos dos portos. Do jeito que estão, só permitem que navios semicarregados atraquem. "Cada metro de aprofundamento permite acréscimo de carga de 5.000 toneladas nos navios."
Ele também destaca as discussões, no seio do ministério, sobre a perimetral do porto de Santos e o acesso por ferrovias. "Sepetiba também não tem acesso adequado", comenta, sem detalhar os planos para facilitar a chegada ao terminal.
"Há pressão da agroindústria por malha ferroviária, que pode ser materializada por PPPs ou concessões", comenta o técnico, que aposta em "um boom ferroviário em pleno século 21". Nordeste, Centro-Oeste e São Paulo são as regiões prioritárias, bem como continuidade da linha Norte-Sul. "O ministério pretende prover infra-estrutura objetivando porto."
 
 



UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA