Os
movimentos e decisões recentes do governo Lula já permitem
ao analista atento construir o arcabouço de sua política
econômica. As decisões no campo fiscal, como o contingenciamento
de R$ 14 bilhões do Orçamento para 2003, e no campo monetário,
com a manutenção do modelo explicativo
da inflação -a caixa-preta herdada da gestão Armínio
Fraga-, revelam a aposta que o ministro da Fazenda decidiu bancar para
enfrentar a situação difícil que estamos vivendo.
É malanismo puro!
O atual ministro da Fazenda, quando foi convocado para substituir o
prefeito de Santo André no comando da equipe que definia o programa
de governo do então candidato Lula, decidiu ouvir economistas
de fora do PT. Movimento sensato de quem tinha a responsabilidade de
encontrar uma solução para a dupla crise de confiança
que o Brasil vivia: confiança na solvência externa do
país e confiança no novo governo que deveria sair das
eleições de outubro.
Palocci, político já experiente, percebeu nessas conversas
que, se insistisse nos caminhos propostos pelos economistas do PT, não
haveria a menor chance de sucesso para Lula. A escalada da cotação
do dólar iria se acelerar e o colapso de nossas contas externas
ocorreria em questão de semanas. O sombrio caminho que percorria
a Argentina vinha imediatamente à sua mente de homem com conhecimento
da história e dos perigos que uma crise social profunda traz,
para a estabilidade política de um país como o Brasil.
Tomou então a decisão de propor ao partido que buscasse,
no campo que chamava de direita neoliberal, uma alternativa de política
econômica.
Podemos imaginar a dramaticidade dessa decisão não só
para o ex-prefeito de Ribeirão Preto como para os demais membros
do grupo que dirigia o PT. Para Lula então, nem pensar! Mas a
decisão foi tomada -sabemos hoje que em junho do ano passado-
e Palocci recebeu a missão de buscar novos caminhos e encontrar
profissionais capacitados para assumir a área econômica
do governo. Ficou claro também ao comando petista que seria necessário
que um homem de confiança do partido liderasse esse verdadeiro
exército de mercenários ideológicos e antigos inimigos
do PT. Sua função seria a de blindar politicamente a equipe
econômica e reduzir as tensões que certamente apareceriam
no interior do PT e de seus braços auxiliares como a CUT, as
comunidades de base da Igreja Católica e outros movimentos populares.
O que vou contar hoje a meus leitores deveria ficar sob o manto de um
compromisso de confidencialidade que tais encontros imputam a quem é
convidado. Mas vou rompê-lo seguindo um
argumento desenvolvido pelo próprio PT, na sua versão
oposição, para justificar a divulgação de
fitas clandestinas e ilegais durante a era FHC: a obrigação
de informar ao cidadão sobre o que ocorre
dentro de um governo é maior do que restrições
legais ou éticas. Em suas conversas, o ministro da Fazenda encontrou
duas alternativas para substituir a política econômica
petista deixada sabiamente de lado. Dos defensores do malanismo, ouviu
que a única solução para enfrentar os problemas
de nossa economia seria fazer mais do mesmo, ou seja, buscar um superávit
fiscal ainda mais elevado, manter o sistema de metas de inflação
de Armínio Fraga e insistir nas reformas da Previdência
e fiscal. Prometiam eles, caso o governo seguisse esse caminho, uma
normalização dos fluxos de capitais de fora e, a partir
da redução das tensões cambiais, a retomada do
caminho do crescimento
econômico.
Dos críticos da política econômica do presidente
FHC, Palocci ouviu que a busca de superávits fiscais e a melhora
de sua qualidade, via uma reforma estrutural da Previdência, representavam
apenas uma condição necessária para a volta do
crescimento econômico. A condição de suficiência
só seria obtida
se essa política conservadora em relação ao gasto
público fosse complementada com medidas que reduzissem, de maneira
estrutural, o déficit na conta corrente de nossa balança
de pagamentos. Para tanto, seriam necessárias ações
para negociar com as empresas líderes de algumas cadeias produtivas,
com maior grau de importações, um aumento de seu índice
de nacionalização. Escutou também críticas
fortes ao sistema atual de metas de inflação e a necessidade
de uma mudança clara dos princípios nos quais o Banco
Central vinha balizando sua política monetária.
Não temos dúvida hoje sobre qual das duas correntes ganhou
a mente, se não também o coração, de Palocci.
Suas declarações, as escolhas que fez para a montagem
de sua equipe, a fragilidade
da direção do BNDES -órgão que deveria liderar
as ações de adensamento da produção de alguns
setores industriais- e as primeiras decisões do governo Lula
são provas cabais da escolha feita. O comando do PT, por incrível
que possa parecer, decidiu seguir, na gestão de nossa economia,
os mesmos caminhos de FHC.
Não vejo por que, depois de mostrar toda sua fragilidade na busca
do crescimento econômico sustentado ao longo de oito anos, o malanismo
vá dar certo agora. A aposta feita é muito perigosa, principalmente
para um governo que foi eleito como oposição radical a
FHC e prometendo trazer de volta a geração de empregos
e o aumento da renda dos trabalhadores. As tensões políticas
e sociais devem se agravar muito nos próximos meses.
Luiz Carlos Mendonça
de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor
do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente
do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
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