A
disponibilidade de água na região metropolitana de São
Paulo é menor do que a de qualquer Estado do Nordeste, segundo
trabalho elaborado para o Plano da Bacia do Alto Tietê pelos professores
da USP Mônica Porto, da Escola Politécnica, e Ricardo Toledo,
diretor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo). Na bacia do Alto
Tietê, que quase coincide com a área da Grande São
Paulo, essa disponibilidade é de 201 m3/habitante/ano. Em Pernambuco,
o Estado com a menor disponibilidade de água do Brasil, esse
número é de 1.320 m3/habitante/ ano. O índice é
utilizado pela ONU para medir a capacidade de abastecimento de uma região
e é tomado a partir do cálculo da vazão anual de
todos os rios que estão num determinado território. A
região metropolitana de São Paulo só não
enfrenta um racionamento severo porque importa água de bacias
vizinhas, principalmente do complexo Piracicaba-Capivari-Jundiaí,
que também abastece a região de Campinas. Segundo a professora
Porto, a região metropolitana tem aproveitamento máximo
da oferta de água, opera no limite do sistema, mesmo com a importação,
e não tem reserva estratégica. "A região está
sujeita a enfrentar um problema grave de abastecimento." A situação
ocorre porque a Grande São Paulo concentra 10% da população
brasileira, cerca de 17,5 milhões de pessoas, e tem apenas 0,06%
dos recursos hídricos do país, de acordo com Antônio
Marsiglia, diretor de produção da Sabesp. Segundo a ANA
(Agência Nacional de Água), a necessidade de consumo de
água da população do país é de apenas
3% da oferta hídrica nacional. Já na Grande São
Paulo, a relação entre necessidade e oferta é de
120%, ou seja, a disponibilidade de água na região é
menor do que o consumo.
Importação de água
A importação de água da bacia do rio Piracicaba
responde por quase 50% do consumo da Grande São Paulo, segundo
a Sabesp. O problema é que a região de Campinas também
é muito populosa e sua disponibilidade (408 m3/ habitante/ano)
é quase tão baixa quanto a do Alto Tietê. A importação
de água de outras bacias, como a da Baixada Santista ou a de
Ribeira de Iguape, pode ter um custo muito alto, diz Porto. Foram investidos,
de acordo com a Sabesp, cerca de R$ 3 bilhões no sistema de importação
da bacia do Piracicaba. "Nem toda a reversão pode ser feita
com canalização simples e com ajuda da gravidade. Em muitos
casos, é necessário o bombeamento da água para
a transposição de elevações", diz Marsiglia.
A importação é realizada com a reversão
de parte do rio Jaguari, a cerca de 100 km de São Paulo, na região
de Atibaia. A água é canalizada até a cidade de
Mairiporã, onde motores a bombeiam para os reservatórios
do sistema Cantareira, já em São Paulo. Segundo Porto,
além do problema dos custos de importação, existe
um aumento da demanda nas bacias vizinhas, pois o interior consome muita
água nos processos de irrigação, e a negociação
política para uma nova reversão de outras bacias pode
ser penosa.
Problema de qualidade
Além da questão da quantidade, o abastecimento de água
na Grande São Paulo enfrenta um problema de qualidade, tanto
pela poluição industrial quanto pela ocupação
irregular das áreas de proteção de mananciais,
reservatórios de regulação da vazão e do
abastecimento, de acordo com o Instituto Socioambiental. Essa ocupação
é realizada de forma desordenada e sem infra-estrutura, o que
acarreta a deterioração das reservas. Para Porto, a solução
seria a integração entre as prefeituras, que
regulam a ocupação do solo e a infra-estrutura de transporte,
e as companhias de abastecimento, que controlam o uso dos recursos hídricos,
com a criação de comitês de gestão das bacias.
Já existem comitês de gestão em algumas bacias de
controle da União, como a do Paraíba do Sul e a do São
Francisco.
No Alto Tiête também existe um comitê gestor formado
por representantes do Estado, de prefeituras e de companhias de abastecimento.
O plano da Bacia do Alto Tiête foi elaborado pelos professores
sa USP a pedido desse comitê gestor.
À beira de represa, ainda
falta água
A distribuição
da água na Grande São Paulo também enfrenta problemas,
segundo Mônica Porto, professora da Politécnica da USP.
"Os bairros centrais têm mais infra-estrutura e, em muitos
casos, a população diminui. Já na periferia a população
aumenta, sem condições apropriadas, o que sobrecarrega
o sistema", diz ela. O crescimento demográfico da região
periférica de São Paulo é cerca de oito vezes maior
que o aumento populacional das regiões centrais, segundo o IBGE.
Isabel dos Santos Silva é moradora do Parque Cocaia, a 25 km
do centro da cidade, na zona sul, e ainda enfrenta problemas de abastecimento
de água. "Falta menos água do que antes, mas na semana
passada mesmo faltou água em um dos dias." Cocaia fica às
margens da represa Billings, um dos mananciais da cidade de São
Paulo que enfrentam problemas de poluição. A região
é alvo de ocupação clandestina de áreas
de proteção. Quando Silva deixou Canindé (141 km
de Fortaleza), a cidade havia passado, no início da década
de 70, por uma grande seca, que prejudicou a plantação
de subsistência da família. Passou por Fortaleza e, em
1977, desembarcou em São Paulo, onde o marido
arrumou emprego como operário. Foi morar nas proximidades da
Billings, que ainda enfrenta falta de água. No bairro de Pinheiros,
na zona oeste da cidade, onde Silva trabalha como empregada doméstica,
não falta água.
Cobrança pelo uso de rios
pode ajudar
A cobrança
pelo uso da água poderia ser uma forma de financiamento das obras
de infra-estrutura no sistema de abastecimento da Grande São
Paulo, de acordo com Francisco Lopes Vieira, superintendente de Outorga
e Cobrança da ANA (Agência Nacional de Água). A
medida também combateria o desperdício. Segundo o coordenador
de Ciências e Meio Ambiente da Unesco no Brasil, Celso Schenkel,
grande parte do desperdício de água tratada no país
e em São Paulo decorre de perdas nas linhas de distribuição
por conta da qualidade da infra-estrutura. Um projeto de lei que regulamenta
essa cobrança no Estado de São Paulo tramita na Assembléia
desde 1996, quando foi apresentado pelo então governador Mário
Covas. Em 1998, o projeto foi alterado e, desde maio de 2001, o texto
figura na pauta do dia sem ser incluído nas listas de votação.
O principal problema para sua aprovação, segundo Vanderlei
Macris (PSDB), líder do governo na Assembléia, é
a falta de consenso sobre o percentual que poderia ir para o Tesouro
estadual sem estar atrelado a investimentos do comitê de cada
bacia. Nas cobranças federais, de acordo com a ANA, todo recurso
vai para o comitê gestor e nada vai para o Tesouro Nacional. A
agência faz, desde março, a cobrança na bacia do
Paraíba do Sul, que passa por São Paulo, Rio e Minas.
Essa cobrança já pode ser realizada em rios considerados
federais -que têm nascente e foz em Estados diferentes ou que
fazem a divisa entre Estados. Para o superintendente da ANA, o governo
paulista poderia dispensar a discussão na Assembléia,
pois já há um dispositivo de 1991 que permitiria a cobrança
nos rios estaduais. Para Vieira, o principal motivador da lei não
é só levantar fundos, mas também estimular o tratamento
da água. Na cobrança da ANA, quem devolve água
tratada paga o preço mínimo. Quando era diretor da distribuidora
de água do Ceará, Vieira foi o responsável pela
implantação da cobrança no Estado, o único
que faz isso atualmente. Alguns países também já
instituíram a cobrança, como França, Alemanha,
Índia, México e África do Sul.
Los Angeles tem questão
parecida
Um caso semelhante ao de São Paulo de metrópole com escassez
de água é o de Los Angeles, segundo o presidente do DAEE
(Departamento de Água e energia Elétrica) de São
Paulo, Ricardo Borsati. A cidade norte-americana não possui disponibilidade
hídrica compatível com sua população e precisa
importar água de mananciais localizados a mais de 100 km. Segundo
a UNESCO, 38 países têm disponibilidade hídrica
inferior a 1.000m3/habitane/ano, valor insuficiente para seu estabelecimento.
No Brasil, as regiões de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro também
enfrentam problema de déficit de água e precisam fazer
importação de bacias vizinhas.
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