RECUPERAÇÃO NÃO ATINGIRÁ TODOS OS SETORES

Sandra Balbi

O crescimento apenas bafejou a economia neste ano e deverá seguir desigual no ano que vem. De 17 setores produtivos, apenas nove terão desempenho positivo em 2003, segundo estudo da F Silveira consultoria. No ano passado, 12 desses setores apresentaram expansão da produção.
Para 2004, a projeção da consultoria é que o crescimento continuará se dando de forma assimétrica -13 setores deverão crescer, e quatro seguirão patinando. "A expectativa do mercado é que o setor de bens de consumo, que depende mais do crédito, puxe o crescimento da economia em 2004", diz Fábio Silveira, sócio da consultoria.
Segundo Silveira, a expansão do setor de bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, tem efeitos multiplicadores no nível de emprego e de renda da população. Isso permitirá que, gradualmente, a reação da demanda se estenda aos demais setores da economia.
Esse, entretanto, é um processo lento. Os próximos dois anos ainda poderão ser de crescimento desigual, avalia Celso Martone, consultor da MCM Consultoria e professor de economia da Universidade de São Paulo. "Por um ou dois anos anos poderemos ter assimetria, depois tende a haver um equilíbrio entre os diferentes setores -para o bem ou para o mal", diz o analista.
Segundo Martone, no longo prazo, ou a economia cresce harmonicamente, apoiada na expansão mundial, ou todos os setores voltarão a ter problemas. O que pode dar errado é o crescimento esbarrar, lá na frente, nos gargalos da infra-estrutura. "Se os investimentos no setor de energia elétrica e transportes não acontecerem, a expansão não se sustentará", diz Martone. A retomada de fôlego da economia brasileira, avaliam os economistas, também poderia ter como inibidor um eventual choque externo. O maior risco, nesse caso, diz respeito à vulnerabilidade das contas externas dos EUA. O déficit em transações correntes daquele país equivale a cerca de 5% do PIB (Produto Interno Bruto).
Para controlar esse déficit, o governo dos EUA poderia promover uma maior depreciação do dólar: teria efeito imediato sobre as exportações da União Européia, visto que o euro tenderia a se valorizar mais ainda em relação à moeda norte-americana. "Existe um cenário de grande liquidez no mundo, o consumo nos EUA voltou a se recuperar, a Europa começa a resolver seus problemas fiscais e a China parece não ter arrefecido o ímpeto de crescimento. O risco são as contas americanas", diz Armando Castelar Pinheiro, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
O economista Aloisio Campelo, coordenador do Núcleo de Bancos de Dados Especiais da Fundação Getúlio Vargas, sustenta que o "governo teria que fazer muita coisa errada" para impedir o crescimento da economia no primeiro semestre de 2004. Mas não é assertivo em relação ao segundo. "O mercado analisará nos próximos meses a questão dos marcos regulatórios de energia e telecomunicações. Se esses marcos e as PPP (Parcerias Público-Privadas) não estimularem o retorno do investimento, o segundo semestre poderá ser mais conturbado", diz Campelo.
"Não bastasse a manutenção do cenário fiscal, o governo tem ainda toda essa agenda de microrreformas para cumprir", diz a economista Luciana Sá, da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro). Para Martone, 2004 deverá repetir, em menor escala, o padrão deste ano, em que o setor exportador sustentou a economia enquanto os setores voltados para o mercado interno definhavam. "A diferença é que deverá ocorrer uma recuperação da demanda interna, mas nada brilhante", diz.

Confiança
Na equação dos economistas, a pedra de toque para dar a partida no crescimento pela via do aumento da demanda interna, é o nível de confiança do consumidor. "A expansão do consumo depende da manutenção de expectativas favoráveis quanto ao futuro para que o consumidor vá às compras. Como o consumidor brasileiro está escaldado por sucessivas crises, ele irá "de gatinhas" para o consumo", diz Silveira. Ao longo dos últimos anos o consumidor foi abalado por várias crises de confiança, perdeu o emprego, ficou inadimplente e agora está muito mais cauteloso. Outro fator limitante do crescimento pela via da reativação do consumo interno é o aumento da carga tributária. "Os tributos estaduais, municipais e federais vão subir, limitando o poder de consumo", diz ele. Por isso 2004 ainda será um ano de crescimento modesto. Mais otimista, o economista Francisco Pessoa, da LCA, afirma que "a economia quer crescer". Ele lembra que as pessoas passaram os últimos meses "limpando o nome". "Se elas tiverem alguma chance de voltar a comprar, vão fazê-lo, mas endividamento requer além de juros e crédito, uma boa dose de confiança", diz. O problema é que, hoje, não há outra alternativa para tentar crescer que não seja pela expansão da demanda interna de bens duráveis. "É a única possível dada a necessidade de respeitar os objetivos de meta fiscal, e devido à baixa competitividade de diferentes setores da economia", diz Silveira.

 
EXPANSÃO OCORRE EM TRÊS ETAPAS, DIZ ECONOMISTA

O economista Armando Castelar Pinheiro, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), argumenta que a retomada da economia vai se dar em três etapas. Na primeira, reagiriam os setores de bens de capital (máquinas e equipamentos) e de bens de consumo duráveis e semi-duráveis (automóveis e eletroeletrônicos). "Quando ocorre retração econômica, eles são os que acusam mais rapidamente os efeitos. Mas são, também, os que mais rápido fazem o caminho inverso", diz o economista.
Em outubro, o setor de bens de capital registrou a quarta expansão seguida, de 3,8%, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No ano, segundo estudo do consultor Fábio Silveira, a produção de bens de capital deverá encolher 1,5%. Para 2004, as projeções de Silveira são de um salto de 10%. "Mas esse setor não gera emprego, nem alavanca a renda", diz. De sua parte, a produção da indústria automobilística deverá aumentar entre 10% e 11% em 2004, de acordo com as projeções da consultoria LCA e da F Silveira Consultoria, respectivamente. Isso significaria passar de 1,8 milhão de unidades, a estimativa deste ano, para próximo de 2 milhões. O setor de eletroeletrônicos deverá registrar uma retração de 5,4%, estima Silveira. Para 2004, sua projeção é de crescimento de 13%. A da LCA, mais modesta, é expansão de 6,5%. O segundo degrau nesse processo de retomada da economia seria ocupado pelos bens intermediários (siderurgia, celulose, cimento, produtos químicos e materiais plásticos). O último a se recuperar, segundo os economistas, será a construção civil, que encolheu 7,7% de janeiro a setembro .

 



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