As
autoridades de educação deveriam ler tese defendida na
Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo pelo economista
Adriano Pitoli sobre os efeitos positivos provocados pelo Exame Nacional
de Cursos (Provão) na qualidade dos cursos de ensino superior.
O trabalho, disponível em www.teses.usp.br,
foi defendido um dia antes de o presidente Lula sancionar a lei que
lamentavelmente sepultou o Provão e criou uma nova sigla, o Enade
(Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes).
O segmento de cursos de ensino superior padece de uma falha comum a
vários outros mercados: a de assimetria de informação.
Isto é, a informação não é igualmente
distribuída entre os participantes do mercado, e freqüentemente
os consumidores têm de se guiar pela reputação dos
fornecedores.
O trabalho de Pitoli parte de um diagnóstico desse tipo, ampliando
um modelo de reputação com informação assimétrica
originalmente desenvolvido pelo economista dos EUA Carl Shapiro. Nesse
mercado, os consumidores dispõem de pouca informação
acerca da qualidade dos cursos que pretendem fazer. A escolha da faculdade
é feita com base em opiniões de amigos e parentes e possivelmente
de alguns profissionais, mas de toda forma sem base objetiva e dados
atualizados. Diante da falta de informação, "quem
cria fama deita na cama".
As instituições mais conhecidas obtêm um prêmio
de reputação e tendem a se acomodar. As piores escolas
se confundem com as sérias. Os alunos estão dispostos
a pagar mais para fazer um curso conceituado. Mas a razão que
os leva a escolher uma determinada instituição relativamente
à outra tem pouca base objetiva. Os pais podem ter estudado naquela
escola ou um ou outro profissional pode ter transmitido uma boa impressão.
Mas é provável que tais opiniões baseadas em experiências
passadas reflitam de maneira muito imprecisa a qualidade da escola no
presente. Isso torna o processo de disseminação da informação
lento e ineficiente, diminuindo a concorrência e os incentivos
ao aumento na qualidade do ensino.
É fácil perceber que os incentivos desse sistema são
perversos. As escolas não são estimuladas a investir em
qualidade do ensino e exigir mais de seus professores. Esses últimos
não são estimulados a continuar investindo em seu capital
humano. Os futuros empregadores, por sua vez, não dispõem
de guia preciso acerca das melhores instituições, e assim
por diante.
Apesar de suas imperfeições, o Provão representou
avanço nesse contexto. A melhor maneira de combater a assimetria
de informação é naturalmente com oferta de informação!
A avaliação produzida anualmente pelo Provão fazia
isso. Pitoli o concebe como um sistema capaz de acelerar o processo
de ajuste e fornecer incentivos para a melhora da qualidade do ensino.
O trabalho contém estimação estatística
com base em um modelo "logit" utilizado para exame de variáveis
qualitativas.
O estudo contém dois resultados particularmente interessantes.
Primeiro, haveria uma relação positiva entre o desempenho
das instituições avaliadas pelo Provão e a qualidade
dos cursos oferecidos. Segundo, a introdução do Provão
teve um efeito positivo sobre a titulação dos docentes,
confirmando a hipótese de que um sistema de avaliação
desse tipo induz as escolas a investir na qualidade do ensino. De acordo
com o modelo, o Provão teria contribuído para uma melhora
de 2,5 pontos percentuais ao ano na qualidade do ensino de instituições
superiores.
É lamentável, portanto, que o governo tenha promovido
e o Congresso tenha aprovado o fim do Provão em seu formato original.
Seu sucedâneo, o Enade, será inócuo. Baseado em
amostras e realizado com menor freqüência (a cada três
anos), o Enade constitui sistema de informação menos eficiente
do que o Provão nos termos do trabalho de Pitoli.
Mais grave ainda, o incentivo para o universitário participar
da avaliação, se já não era elevado com
o Provão, diminuiu radicalmente com o Enade. O aluno que tiver
a "sorte" de ser incluído na amostra do Enade para
fazer o exame não terá incentivo para realizar a prova
seriamente, pois o resultado não terá a menor importância
para sua carreira profissional. A pretexto de agradar a correntes populistas
influentes na UNE (União Nacional dos Estudantes), tal política
é anti-social ao estreitar ainda mais a via da educação
como mecanismo de mobilidade social.
O efeito da substituição do Provão pelo Enade é
o agravamento do problema estrutural de informação assimétrica
no mercado. A conseqüência prática é o aumento
do preço das mensalidades, a piora na qualidade dos cursos e
o desestímulo ao investimento em qualidade por parte das instituições
de ensino.
Em vez de aperfeiçoar e aprofundar o Provão que já
existia, o governo preferiu criar mais uma sigla meramente para voltar
ao velho sistema corporativo. Em sentido diametralmente oposto àquilo
que o país precisa para dar um salto de inovação
e crescimento.
Gesner
Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências
e ex-presidente do Cade.
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