Esqueça aqueles números estratosféricos
que sempre acompanham qualquer informação sobre a necessidade de reciclagem de lixo para a preservação
do meio ambiente e dê uma olhadinha na sua lixeira. Jogou toda a porcaria da casa lá?
Pois aí é que começa o problema do lixo. Ou melhor, começa até um pouco antes:
no momento do consumo. A explicação está no conceito mundial dos três erres (reduzir,
reutilizar e reciclar). A redução da produção de lixo implica consumir menos e melhor.
Exemplos: comprar produtos cuja embalagem é feita de material reciclável ou que pode ter outra função
em casa. O segundo erre vem de reutilizar, explorar os vários usos de um produto antes de descartá-lo.
Exemplo: doar brinquedos e roupas, em vez de jogar fora. A reciclagem é um método alternativo de
tratamento do lixo e último ponto do ciclo da produção. Não é economicamente
atrativa para todos os setores -sociedade, governo e iniciativa privada.
Oito vezes mais caro
A coleta seletiva, que pressupõe o recolhimento dos
materiais recicláveis, como papel, plástico, vidro, metal e orgânicos, previamente separados
na fonte geradora, "é oito vezes mais cara que a regular, mas reduz os custos ambientais e sociais",
diz André Vilhena, diretor executivo do Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem, ONG mantida por
empresas privadas que agem em prol da reciclagem). E como fazer a coleta seletiva da lixeira da sua casa? Por enquanto
está difícil, mas não impossível (leia algumas experiências na página
12). Em São Paulo, o termo mais correto seria entrega seletiva, e não coleta. Há apenas quatro
caminhões da prefeitura que fazem 22 circuitos, recolhendo material reciclável em alguns bairros,
e são 17 os postos de entrega voluntária (PEVs) em toda a cidade. As outras saídas são
doar para projetos assistenciais ou catadores e sucateiros que revendem para indústrias recicladoras. E,
por último, organizar em sua casa, escola, no escritório ou condomínio a coleta e uma forma
de encaminhamento.
Promessa da prefeitura
A Prefeitura de São Paulo promete um avanço
no sistema de coleta seletiva. Ela consta de um projeto novo que depende somente do término do processo
de licitação para a contratação das empresas de limpeza pública. Pelo projeto,
cada administração regional terá 180 PEVs. Ou seja, todos os bairros possuirão pontos
de entrega. E, para cada três regionais, vai haver um centro de triagem.
Hoje, são recolhidos 130 toneladas por mês de material reciclável. Com o novo projeto, a estimativa
é de 350 toneladas por dia, cerca de 20% do total de lixo da cidade. "A prefeitura não vai ter
ônus com a coleta seletiva, que será de total responsabilidade da empresa contratada", afirma
o engenheiro José Godofredo da Silva Gaby, diretor técnico da Divisão de Compostagem da Prefeitura
de São Paulo. "A renda obtida com a venda dos materiais recicláveis será da empresa,
que terá que repassar uma porcentagem para uma entidade beneficente da região do centro de triagem",
diz Gaby.
A licitação está na fase de recurso, na qual algumas empresas que foram inabilitadas estão
recorrendo da decisão. A próxima fase é a abertura dos envelopes técnicos e, por fim,
a abertura dos envelopes com as propostas de preços.
A Secretaria de Serviços e Obras informa que não tem como prever o tempo que a licitação
pode demorar, mas estima que o resultado do processo saia entre setembro e outubro.
Catadores são peça-chave
"Nós fechamos os olhos para os catadores porque
eles estão fazendo o trabalho que nós não estamos", José Godofredo da Silva Gaby,
da Divisão de Compostagem da Prefeitura de SP.
A Cooperativa de Catadores de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (Coopamare), de São Paulo,
reúne 80 cooperados e cerca de 60 trabalhadores avulsos, que recolhem cerca de 200 toneladas por mês
de material reciclável. A cooperativa se transformou em única fonte de renda para moradores de rua,
desempregados e ex-catadores, que hoje trabalham com identificação em suas carroças de papel
e possuem uma kombi para retirada de grandes quantidades de material.
"Nós auxiliamos na formação de outras cooperativas, como a Asmare, que é de Belo
Horizonte, e também promovemos os cursos de treinamento para os novos com o Kit Catador, material fornecido
pelo Cempre", explica Carlos Roberto Fabrício, fundador e presidente da Coopamare.
O lixo como moeda social
Saiba como a renda obtida com o lixo pode ser usada em projetos
sociais: Banco Central da Lata -Em 1993, a Latasa (Latas de Alumínio S.A.) criou o Projeto Escola. Atualmente,
há cerca de 17 mil instituições cadastradas, entre escolas públicas e particulares,
universidades e até igrejas, que enviam latas de alumínio para reciclagem e, em troca, recebem computadores,
bebedouros, cadeiras de rodas e outros equipamentos. A empresa mantém ainda o Centro de Fundição,
que reaproveita 100% das latas recolhidas, e o Disk Lata, que recebe em média 600 chamadas por dia. "Acabamos
dando informações sobre outros materiais e virando fonte de referência até para pesquisadores",
afirma José Roberto Giosa, diretor de reciclagem da Latasa. Instituto Recicle Milhões de Vidas -
Esta ONG foi inaugurada este mês. Recolhe e vende materiais recicláveis, e a renda é revertida
para o tratamento de crianças com câncer. Os postos de coleta são a sede do instituto, algumas
lojas da rede Pão de Açúcar e quartéis do corpo de bombeiros. Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo (Apae/ SP) - Recebe cartuchos de impressoras vazios, papel,
plástico e alumínio. Em caso de grandes quantidades, retira no local. O dinheiro obtido com a comercialização
é investido no setor de educação e no corpo de baile da escola. Instituto de Reciclagem do
Adolescente (IRA) -Durante seis horas por dia, jovens de 16 a 19 anos da favela do Jaguaré, em São
Paulo, transformam papel doado em material de escritório, trabalho que rende um salário mínimo
por mês para cada um.
Santo André tem 100% de coleta seletiva Santo André
(Grande SP) é agora a terceira cidade do país a fazer coleta seletiva em toda sua extensão.
Antes de abril, só Porto Alegre e Curitiba tinham conseguido isso. Tudo começou há dois anos,
com experiências-piloto. Em 99, a prefeitura decidiu ampliar a cobertura. "Fizemos intensa divulgação,
e a coleta seletiva passou de 6% para 60% da cidade", diz William Gomes Gripp, diretor do Serviço de
Saneamento Ambiental de Santo André.
A coleta de material orgânico é feita seis vezes por semana; a dos recicláveis, duas. A população
separa o lixo em dois sacos, um para o orgânico (restos de comida e lixo de banheiro) e outro para os resíduos
secos. O material orgânico vai para o aterro, e o reciclável, para a Usina de Triagem.
O primeiro passo para conseguir reciclar 100% foi a criação de duas cooperativas: a de reciclagem
(Coopcicla) e a dos coletores comunitários. Os 72 membros da Coopcicla separam e comercializam o material
reciclável. A receita arrecadada é rateada entre eles. "A Coopcicla é formada por desempregados,
que tiram do lixo o sustento", diz Gripp. Os 74 coletores comunitários fazem a coleta com um carrinho
manual onde o caminhão não tem acesso, como favelas e áreas de mananciais. Eles são
remunerados por tonelada de lixo coletado.
A sociedade se organiza
Conheça três programas implantados por cidadãos
comuns:
Suzana Facchini Granato - Em 1998, esta professora de biologia participou de um projeto sobre meio ambiente no
Colégio Santa Cruz, em São Paulo, que incluiu a instalação de latas seletivas na escola.
Após mobilizar seus alunos, Suzana sentiu-se obrigada a separar o lixo em sua própria casa. "Tive
que convencer minha família. Se bobeava, meu marido jogava as latinhas no lixo comum." A professora
separa papel e latas de alumínio e entrega para um menino que passa na sua rua. "No início,
pisava nas latinhas e cheguei até a me cortar. Há três meses, comprei uma prensinha."
André Vilhena - O diretor do Cempre conseguiu convencer o zelador do prédio onde mora, no Rio, de
que ele poderia ganhar dinheiro arrecadando e vendendo material reciclado. "Nem todos os moradores participam,
mas conseguimos separar papelão, jornal e lata."
Vilma Peramezza - O condomínio residencial e comercial Conjunto Nacional tem um programa permanente de coleta
seletiva desde 1993, idealizado por Vilma, sua gerente-geral. Localizado na avenida Paulista, o condomínio
gera de cinco a seis toneladas de lixo por dia, e apenas 10% desse total é reciclável. A retirada
dos rejeitos custa R$ 10 mil por mês. Já a comercialização do reciclável rende
R$ 1.500, quantia que é transformada em benefícios para os 220 funcionários do condomínio,
como projetos educacionais, atividades antiestresse e oficinas de reciclagem. O condomínio tem postos de
entrega voluntária que aceitam doação de papel, vidro, metais e plásticos.
DINAH FELDMAN
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