TEMPO DE CONFRONTAÇÃO

Janio de Freitas

Em apenas quatro dias da semana: manifesto de professores universitários e intelectuais de alto conceito, filiados ou aliados do PT; manifesto de economistas identificados com o PT; manifestação pública, em Brasília, de cerca de 30 mil funcionários; documento do Conselho de Desenvolvimento Econômico, órgão consultivo criado pelo próprio Luiz Inácio Lula da Silva -todos contrários à política econômica, aí incluídas as "reformas" contabilistas da Previdência e tributária. Não há notícia de governo que tenha podido persistir, indiferente, em políticas de confrontação com a unanimidade, ou quase, dos setores influentes. Fossem apenas servidores públicos e aposentados, Lula contaria com apoios fortes, do empresariado em geral e da parte dos meios de comunicação que, interessada em ajuda financeira governamental, já exibiu seus serviços com o boicote global, na TV, à manifestação em Brasília. Mas a política econômica degenerativa e as pretensas "reformas", juntas no sentido e no tempo, estabelecem a comunhão ampla. No cenário que se ergue contra a política econômica, Lula só tem como aliados o setor financeiro e o FMI. O primeiro, porém, Lula acaba de o deixar sem condições de combate político, ao atacá-lo pelos "juros que são um assalto" (como se não fossem, também eles, permitidos pela política econômica e incentivados pelos juros do Banco Central). O FMI, por sua vez, sabe que uma nova crise lhe sairia pior, na opinião internacional, do que a contemporização. Luiz Inácio Lula da Silva pode insistir na confrontação com a frente espontânea dos setores influentes, mas só o faria por autoconfiança demais ou memória de menos. Apesar da total falta de relação com o quadro brasileiro de hoje, o exemplo extremo desse gênero de confrontação teve o próprio Lula como um dos mais ativos participantes: nem o regime militar pôde sustentar o confronto quando aquela comunhão vertical de forças se consolidou. Não por acaso, os dois setores aliados do governo, na época, eram os mesmos que apoiam a atual política econômica. A solução agora proposta pela Fiesp para "a sobrevivência da indústria", se mantida a política recessiva -cortar os direitos trabalhistas, inclusive pagamento do descanso remunerado de sábados e domingos- pode ser deboche, pode ser ironia, provocação ou crise súbita de bobice. Seja o que for, é também e sobretudo um forte empurrão nos assalariados, ainda à margem da confrontação, para entrarem em campo antes que saiam do emprego. Os magistrados programam para amanhã o início da reação ostensiva à ameaça a direitos seus, feita pela "reforma" previdenciária. Servidores começam o debate em torno de greve geral ou greves setoriais. A discussão das "reformas" no Congresso tende a acentuar a fermentação nos partidos governistas, que já levou o governo a mergulhar na sordidez do compra-e-vende. Apesar disso tudo, Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, Luiz Gushiken e Antonio Palocci Filho, definidores da estratégia governamental, adotam, como premissa, a idéia de que têm o tempo a seu favor, para construir -sem encerramento previsto- as condições necessárias aos compromissos assumidos com o eleitorado. Desde o primeiro minuto da posse, no entanto, o tempo se pôs contra o governo, nas asas da expectativa "de ser feliz". E tudo indica que a cada dia o tempo corre ainda mais contra o governo, que, se constrói alguma coisa, como diz, desconstrói a confiança e a oportunidade extraordinárias que recebeu. E desconstrói mais o país: o governo Luiz Inácio Lula da Silva está agravando as condições sociais e econômicas, como atestam todos os indicadores sócioeconômicos. Se despertar, ou melhor, se for despertado da sua ilusão antiinflacionária, que o leva à confrontação, já partirá de um buraco muito mais fundo e difícil do que recebeu.




UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA