CHICO
NIKOLAI DE OLIVEIRA KONDRATIEFF |
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Elio
Gaspari |
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Antes
de completar seis meses de governo, Lula produziu um triste caso de
censura. Expeliu de um livro prefaciado pelo presidente da República
a opinião do professor Francisco de Oliveira, da Universidade
de São Paulo, do PT, do Cebrap e de todas as esquinas onde se
lutou pela liberdade no Brasil. Deu-se o seguinte: Em 2001, a pedido
de Lula, Chico de Oliveira foi convidado pelo Instituto Cidadania para
organizar um estudo sobre a reforma política. Fez isso com a
ajuda de outros petistas. Foram à luta e montaram três
seminários, um em São Paulo, outro no Rio e o terceiro
em Porto Alegre. Junto com esse serviço, Chico encomendou artigos
a mais de uma dezena de acadêmicos e ativistas políticos.
O professor é conhecido pela contundência de suas opiniões.
Chamou FFHH de tirano, atacou os xiitas do PT em 1994 dizendo que "ninguém
quer participar de um partido jurássico". Quando Lula foi
eleito, viu no resultado a oportunidade para uma "refundação
do Brasil", comparando a vitória petista com a Revolução
de 1930 ou mesmo a Abolição. No dia da posse de Lula,
Chico de Oliveira publicou um artigo intitulado "Entre São
Bernardo e a avenida Paulista". Via no governo um "eixo de
indeterminação" entre uma política econômica
ortodoxa, "para não dizer tucana", e "uma política
social petista". Ficou a impressão de que sentia cheiro
de queimado. No dia 17 de fevereiro, o professor deu a aula de abertura
dos cursos na Faculdade de Filosofia da USP. Chama-se "Democratização
e Republicanização do Estado". Auditório cheio,
com Marilena Chaui e Aziz Ab" Saber na mesa. Leu um texto reflexivo
e, tratando da ordem política mundial, disse o seguinte: "Está
em gestação uma sociedade de controle que escapa aos rótulos
simples do neoliberalismo e até mesmo ao mais radical e oposto
do autoritarismo. Não parece autoritarismo, pois as escolhas
por intermédio das eleições se oferecem periodicamente,
embora o instinto do eleitor desconfie da irrelevância do seu
voto". Mais adiante, disse: "O Banco Central é, em
todas as sociedades capitalistas, a instituição mais fechada,
mais avessa à publicização. Numa palavra, a instituição
mais anti-republicana e mais antidemocrática. Nenhuma instituição
zomba tanto da democracia e da República quanto o Banco Central.
Nenhuma instituição proclama a toda hora que o voto é
supérfluo, que o cidadão é uma abstração
inútil, com tanta eficácia. Nenhuma instituição
é mais destruidora da vontade popular. Conceder-se autonomia
ao Banco Central é perder a longa acumulação civilizatória,
mesmo no capitalismo". (Para não se pensar que essas idéias
são coisa de professor brasileiro de esquerda, aqui vai o título
de um livro publicado em 1995 por um repórter da revista americana
Forbes: "Conto do Vigário: Como Presidentes de Bancos Centrais,
que não Foram Eleitos por Ninguém, Estão Governando
a Economia Global".) Da aula de Chico de Oliveira sobraram algumas
opiniões. A de Ab" Saber, por exemplo: "Foi uma conferência
crítica no melhor sentido do termo crítico. Sem citar
nomes, ele fez um panorama das realidades internacionais que, infelizmente,
se projetaram para o nosso país". A essa altura, o professor
estava no grupo de organizadores do livro, que reuniria 18 trabalhos.
Entre eles, os debates dos seminários, artigos encomendados e
um estudo sobre a experiência dos orçamentos participativos,
do qual ele é um dos autores. Chico enviou aos organizadores
do livro sua contribuição, o texto da aula. Surgiu um
obstáculo. O volume teria um prefácio de Lula, e havia
uma "incompatibilidade" entre as opiniões do professor
e um texto presidencial. Lula vetava a inclusão do artigo no
livro. O professor foi informado disso por um emissário do presidente,
na presença de testemunha: "Houve uma censura, por meio
de um veto. Até onde eu sei, o veto veio de Lula". Oliveira
concordou em retirar o texto. Quem inventou a bobagem da "incompatibilidade"
entre artigos e prefácios não entende de livros, nem de
prefácios. Em duas frases, Lula poderia mostrar sua discordância
com as idéias do professor, sem precisar de expurgo algum. Como
uma idéia de jerico leva a outra idéia de jerico, ofereceu-se
ao professor uma monstruosidade. O artigo maldito seria retirado, mas
ele continuaria como um dos organizadores do volume, com nome na capa.
Cutucaram a ferocidade de um nordestino de 69 anos que começou
a organizar o PT junto com Lula, em 1979, quando o partido cabia numa
Kombi. Chico de Oliveira ofendeu-se. Oferecia-se a um professor que
aceitasse ser organizador de um volume do qual um texto seu havia sido
vetado. (Em 1973, os doutores Eugenio Gudin e Roberto Campos trabalharam
para que o professor Paul Samuelson, prêmio Nobel de Economia,
expurgasse a edição brasileira de seu famoso "Introdução
à Analise Econômica", mas isso é outra história.)
Lula não queria silenciar o texto de Chico, queria apenas reclassificá-lo.
Prontificou-se a conseguir sua publicação num grande jornal.
Ele mesmo telefonaria à Redação. Para mostrar que
não há censura partidária, a conferência
maldita sairá na revista "Teoria e Debate", uma competente
e democrática publicação petista. A revista tem
uma tiragem de 10 mil exemplares, três vezes maior que a do livro.
Fica a coisa num pé ridículo. O professor adquiriu alguma
carga virótica, cerebralmente transmissível. Isso o impede
de ser publicado num volume prefaciado pelo presidente Lula, mas suas
opiniões são respeitáveis o suficiente para serem
divulgadas numa revista do PT. Lê-lo demandaria a proteção
da flexibilidade partidária, uma espécie de camisinha
intelectual. Já que o PT federal entrou no campo dos expurgos
de textos e das demonstrações de força diante do
pensamento dissonante, vai aqui, como vinheta, o Dilema do Marechal:
Um governante (Stálin) incomodou-se com as opiniões de
um economista (Nikolai Kondratieff). Ele dizia que o capitalismo sobreviveria
à crise de 1929. Melhor passá-lo nas armas, mas era homem
de algum prestígio internacional. Solução: Kondratieff
foi preso no início dos anos 30 e, mesmo tendo sido fuzilado
em 1938, seu nome foi mantido no Conselho de Economistas da União
Soviética até 1948. Francisco de Oliveira continua no
Conselho do Instituto Cidadania. A "aula maldita" está
no seguinte endereço, em Adobe Acrobat: http://www.unifesp.br/assoc/adunifesp/others/chicooli.pdf
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