(48
anos, pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados
da Universidade de São Paulo)
O senhor escreveu um trabalho propondo que o Brasil se afaste
das negociações do Acordo de Livre Comércio das
Américas, a Alca. Lula vai se encontrar com George Bush, e sabemos
que o presidente americano pretende empurrar a zona de livre comércio
goela abaixo dos governantes do continente. Como se pode saltar dessa
negociação?
Com habilidade e paciência. Hoje, os maiores produtores de argumentos
contra a Alca são os americanos. Durante o governo do presidente
Bush, tanto ele como o Congresso dos Estados Unidos tomaram atitudes
que tornam a Alca cada vez mais desigual e, portanto, mais difícil
de ser aceita pelos países que pagarão o preço
da desigualdade. Não se trata só de negociar uma zona
de livre comércio com uma economia muito mais forte que a nossa.
Trata-se de fazer isso com um país que pratica sistematicamente
um protecionismo seletivo. O essencial é percebermos que a negociação
proposta pelos Estados Unidos não atende aos nossos interesses.
Ela implica na abdicação, pelo Brasil, de um projeto de
desenvolvimento.
-O chefe dos negociadores americanos, Robert Zoellick, disse
que se o Brasil não entrar para a Alca, terá que vender
seus produtos na Antártida, por falta de freguesia.
-Piada. Em primeiro lugar, é duvidoso que venha a haver uma Alca
se o Brasil resolver ficar de fora. Em segundo lugar, entre o projeto
americano e a Antártida há o mundo. O Brasil pode negociar
acordos de livre comércio com outros países latino-americanos.
É isso que fazem os Estados Unidos. A pérola de Zoellick
se deu num contexto internacional muito diferente do que temos hoje.
O desfecho da crise venezuelana não foi o que os americanos previam.
O presidente argentino é
Néstor Kirchner, e não Carlos Menem. Mesmo pelo lado brasileiro,
há novidades. Hoje a China é nosso segundo parceiro comercial.
Estamos avançando em negociações com a Rússia,
a Índia, a China e a África do Sul. Nosso comércio
com os Estados Unidos pode crescer, mesmo sem a Alca. -O senhor
não teme que a plutocracia brasileira pressione o governo a ceder
aos americanos?
-Há no Brasil muitos interesses internos atraídos pela
proposta da Alca. A idéia de
algo que parece ser uma vinculação privilegiada com os
EUA pode ser atraente para pessoas ou empresas. Tenho motivos para não
temer que isso se torne um fator preponderante. Antes de tudo, o presidente
Bush tem tornado muito fácil a vida dos críticos da Alca,
como eu. Hoje, está difícil para um brasileiro defender
o acordo, inclusive porque a posição americana muda sempre
para pior. Na eleição americana de 2002 Bush tirou todo
o proveito político possível do protecionismo seletivo.
Os subsídios agrícolas deram boa parte dos votos da vitória
republicana no
Congresso. Eu acredito que em 2004, quando o presidente Bush disputará
a reeleição, essa tendência se agravará.
Até hoje os Estados Unidos foram incapazes de fazer uma oferta
razoável aos brasileiros. Não digo para pessoas que pensam
como eu, mas para pessoas que desejam pensar como se fossem americanos.
O governo Bush tornou difícil a vida de seus aliados.
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