A
tentativa da China de atropelar os contratos de compra de soja brasileira
está produzindo um risco nada desprezível para a cadeia
do produto, especialmente em Goiás.
O novo Código Civil prevê renegociação de
contratos, em caso de fatores externos que modifiquem substancialmente
seu equilíbrio econômico-financeiro. É um princípio
que já existia no Código anterior, mas foi reforçado.
Há muito o que avançar no mercado de soja para fortalecer
os pequenos produtores nas relações com as grandes "tradings".
O próprio Banco do Brasil está com um programa agressivo
de financiamento de armazéns. Há muitos outros pontos
a merecer consideração -que continuarão a ser abordados
pela coluna.
O que está ocorrendo em Goiás não é bem
isso. Um dos pontos que permitiram o salto na produção
de soja na última década (e que pode e precisa ser aprimorado)
foi a venda a futuro da produção. O agricultor começa
a plantar em outubro e não quer correr o risco de, no momento
da venda, as cotações caírem e não cobrirem
os custos de produção. Ele reserva parte da produção
e vende antecipadamente -ou nas Bolsas de futuros ou para as próprias
"tradings". Dali até a entrega do produto ele escolhe
o momento de "travar" o preço, isto é, de definir
a cotação a ser paga, com base nas cotações
de Chicago. As "tradings" podem dar essa garantia porque,
por sua vez, elas "travam" o preço na Bolsa de Chicago,
transferindo o risco (de ganhar se os preços caem ou perder se
os preços sobem) para os compradores de contratos futuros da
Bolsa de Chicago, os fundos especulativos.
No ano passado, produtores de Goiás venderam a soja a futuro
a US$ 10 a US$ 12 o bushel. As cotações subiram por conta
do efeito China e chegaram a bater nos US$ 17. Alguns produtores goianos
decidiram vender sua produção para terceiros, atropelando
os contratos. Quando as "tradings" tentaram impedir, entraram
em ação escritórios de advocacia conseguindo a
chamada "tutela antecipada" -isto é, autorização
de juízes de primeira instância para liberar a venda, independentemente
do julgamento do mérito.
Com a "tutela", cria-se o chamado fato consumado, uma derivada
da indústria de liminares -na qual a liminar, por não
permitir o retorno à situação anterior, vira sentença
definitiva.
Provavelmente os agricultores serão derrotados nas instâncias
superiores, já que não ocorreu nenhum cataclismo conjuntural,
mas efeitos comuns ao mercado futuro de commodities -se o preço
da soja caísse, a operação lhes daria lucro.
Quais as conseqüências? A primeira é que, se proliferar
esse tipo de esperteza, vai se destruir a veia de irrigação
que permitiu ao agronegócio contornar a falta de crédito
no país. A segunda é que as cotações da
soja estão despencando. Hoje, já batem nos US$ 7. Os fazendeiros
que foram na conversa dos advogados não terão mais acesso
a essa antecipação de crédito.
Os únicos que não perderão com essa aventura serão
os escritórios de advocacia.
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