Dois
relatórios, o primeiro de autoria do Fórum Econômico
Mundial e o outro da consultoria privada AT Kearney, trouxeram um pouco
de realismo ao debate sobre o futuro da economia brasileira. A euforia
nos últimos meses está criando dificuldade para a discussão
sobre questões de fundo que deveremos enfrentar, nos anos à
frente.
"Em time que está ganhando não se mexe", dizem
os otimistas antes de desqualificar qualquer crítica, mesmo que
construtiva, mais profunda à política econômica
do governo do PT. "Mais do mesmo", dizem outros analistas,
entusiasmados com os resultados recentes sobre a melhoria de nossa solvência
externa e o crescimento econômico.
Já andei muito pela estrada da vida, o suficiente para sobreviver
em ambientes de otimismo sobre nossa economia. Já vi e vivi outros
momentos como este! Durante os últimos anos do chamado milagre
econômico do início dos anos 70 no século passado,
embora ainda um iniciante na atividade de analista sobre as coisas da
economia, já participava das discussões sobre a questão
da estabilidade de longo prazo de um processo como esse. Pude seguir
ao vivo as conseqüências do erro que foi não mexer
em time que estava ganhando.
Em 1996/1997, não mais como espectador, mas como ator, passei
pelo mesmo processo de apontar defeitos graves no jogo de um time que
todos consideravam ganhador e, portanto, não passível
de mudanças. Eu e outros companheiros tentamos, durante meses,
mostrar os problemas associados a uma taxa de câmbio sobrevalorizada
em uma economia como a brasileira. Não tivemos êxito em
nossa empreitada e somente quando batemos no muro é que esse
problema foi enfrentado.
Vivemos hoje uma situação semelhante, mas não igual.
Aliás, sabemos que a história não se repete com
as mesmas tintas. Os fundamentos de nossa economia são mais sólidos
em relação aos que prevaleciam em 1972 e 1996. Outra diferença
marcante é a personalidade de nosso ministro da Fazenda. Palocci
é mais humilde e realista do que o ministro Delfim Netto jovem
e não passa perto do fundamentalismo, quase religioso, de Gustavo
Franco. Como bom ex-marxista, ele sabe a importância da história
e de seus ensinamentos. Poderá cometer erros novos, mas não
acredito que vá incidir em armadilhas do passado.
Vivemos um desses momentos que não podem ser perdidos por excesso
de euforia alimentada pelos áulicos de plantão. A recuperação
da economia, neste segundo ano do governo Lula, é fruto de méritos
da política do governo, das empresas brasileiras que souberam
explorar o momento favorável do comércio internacional
e, principalmente, da expansão econômica da China. Nos
últimos dois anos, passamos de uma economia que exportava o equivalente
a 8% do PIB para chegarmos, neste fim de 2004, a cerca de 20%. Um pulo
extraordinário e que fez a economia, como um todo, crescer quase
5%. Isso apesar de juros reais abissais e de uma carga fiscal européia.
E aqui temos um primeiro ensinamento importante que precisa ser entendido.
O pulo das exportações foi possível porque no setor
exportador a carga fiscal não é superior a 20% do valor
agregado da produção e os juros reais, em dólares,
não chegam, na média, a 5% ao ano. Se considerarmos o
aumento de preços em dólares dos maiores itens de exportação,
nos últimos 12 meses, esse juro fica negativo. Esse quadro favorável
não se repete na atividade econômica voltada para o mercado
interno. Temos aqui juros reais que chegam a 40% ao ano, e os impostos
e taxas representam quase 40% do valor agregado na produção
e no consumo.
Estamos correndo contra o relógio, pois os efeitos positivos
do crescimento chinês vão se transformar em fatores de
risco para nossa economia, em questão de poucos anos. É
preciso mexer no time que está ganhando hoje, pois o campeonato
do crescimento econômico sustentado é muito longo, e algumas
falhas no plano de jogo podem comprometer o futuro.
Luiz
Carlos Mendonça de Barros, 61, Engenheiro e Economista,
é sócio e editor do site de economia e política Primeira
Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC). |