Na coluna de ontem, abordei a questão das liminares da soja
verde (tentando denunciar contratos de venda futura de soja feita
por agricultores goianos). Alertava para os riscos de entrar em
uma aventura jurídica.
Vamos ao reverso da medalha, agora, os problemas reais
enfrentados pelos agricultores menores, na cadeia da soja, ao
tratar com as grandes "tradings", a partir de estudos do
economista e produtor Samuel Marcos Dourado.
É importante que sejam analisados os dois lados do problema. De
um, agricultores que decidiram voluntariosamente denunciar
contratos de venda de soja futura a grandes "tradings", escudados
em pareceres discutíveis de advogados. Esse pessoal, agora, está
numa encruzilhada, sem acesso à compra antecipada por razoesóbvias. Outra coisa é a questão da exposição dos pequenos
agricultores ao poder de compra das "tradings".
Há falta de armazéns, o que deixa o pequeno produtor com a faca
no pescoço a cada colheita, pela impossibilidade de aguardar a
melhor oportunidade para vendê-la. Há os conhecidos problemas
de infra-estrutura, encarecendo demasiadamente o transporte das
safras.
Quando chega a época da safra, muitos produtores ficam à mercê
do preço que lhes é oferecido pelas "tradings". A referência para
o preço interno é aquele praticado na Bolsa de Chicago. No ano
passado, houve relativa semelhança entre os preços de Chicago e
os preços pagos pela soja à vista no Brasil.
Neste ano, até abril de 2004, enquanto os preços em Chicago
ainda estavam em alta, os preços ao produtor já apresentavam
queda acentuada. Segundo esse estudo, o "descolamento" de
preços chegou a 40% abaixo daqueles de Chicago, de R$ 11,05
a saca aqui, contra o equivalente a R$ 24,00 lá. Esse diferencial
surgiu justamente no momento da safra, em que os agricultores
estavam desovando seus estoques, necessitando de recursos.
Há suspeitas de manipulação das cotações em Chicago.
Aparentemente não procedem, dada a enorme liquidez da Bolsa e
dos inúmeros peso-pesados que atuam na ponta de compra (a
ponta especulativa). O modelo de mercado futuro é este: quem
quer vender não quer correr risco. Define o preço e recebe,
independentemente do que irá ocorrer com o mercado. Quem
compra assume o risco. Se o mercado explode, ele lucra a
diferença, porque irá adquirir mais barato e vender mais caro. E
vice-versa.
Internamente, no entanto, há esse conjunto de barreiras que
acabam permitindo enorme poder de fogo ao comprador. Daí a
importância de pensar seriamente em uma política ampla de
parceria com grandes consumidores -chineses ou de outra
nacionalidade- que permita investimentos em infra-estrutura, a
compra direta, a criação de canais alternativos para os pequenos
produtores. Até porque, com o biodiesel e tudo o mais, há espaço
para a criação de um grande modelo no setor, democrático e
pulverizado.
Um segundo caminho relevante é avançar na idéia da criação de
uma Bolsa de Mercadorias da América do Sul, juntando a
produção brasileira à de seus vizinhos, incluindo a Argentina. |