O DESAFIO DO MARKETING PÚBLICO 


 
LUÍS NASSIF
          Um dos grandes desafios do marketing contemporâneo é a chamada comunicação de governo. Não se trata, aí, da propaganda eleitoral, mas da comunicação de atos de governo. Dentro de uma economia de mercado, democrática, os sinais emitidos pelo governo, ou o perfeito entendimento da sua lógica, são fundamentais para a adesão e para a crítica do modelo.
          Tome-se o caso das agências reguladoras. Seu papel é definir contratos, metas e indicadores de desempenho. O modelo é completado pelo consumidor, incumbido de um acompanhamento sistemático dos serviços prestados pelas concessionárias. A não-compreensão desse modelo leva críticos a cobrar o que o modelo não se propõe a oferecer e a não cobrar as responsabilidades específicas do modelo.
          Mas, quando se tenta utilizar ferramentas convencionais de marketing para esse tipo de informação, esbarra-se em problemas de monta. O marketing privado consiste em vender produtos e em campanhas institucionais de apoio, reforçando marcas e empresas. A empresa é uma instituição relativamente simples. A imagem de uma montadora, por exemplo, depende da qualidade de seus produtos, de seus compromissos sociais, da maneira como trata seus funcionários e consumidores.
          Já governos são entidades complexas. Não podem ser medidos por indicadores de rentabilidade. E mesmo as pesquisas de opinião são vagas. Cidadãos podem aprovar determinadas políticas e condenar outras.
Por ser uma entidade complexa, em períodos de grandes transformações a falta de uma comunicação eficiente gera problemas de monta. Nenhuma transformação se dá sem traumas.
          Sem conhecer o modelo e o conjunto, a opinião pública acaba vítima de dois expedientes. Um, dos críticos das mudanças, apresentando as partes que não funcionam como sendo o todo. Outro, dos defensores, que tendem a minimizar todos os problemas decorrentes de mudanças. Ambos agem de modo dogmático, impedindo que a opinião pública exerça a crítica adequada.
          Como, além de complexo, há uma tendência mundial de descrédito dos governos, o marketing convencional, aplicado a seco na área pública, tende a produzir desastres consideráveis. Exemplo recente é o "Avança Brasil". Trata-se de uma revolução inédita no conceito de planejamento público. No entanto bastou conferir a ele uma vestimenta mercadológica, um nome fantasia e campanhas para imediatamente cair no descrédito da opinião pública leiga. "É puro marketing" é o que mais se ouvia na época.
          Leve-se em consideração que a imagem de governo é a imagem de seu presidente. E a postura de FHC em relação ao câmbio, no início de 1999, teve efeitos devastadores na imagem do governo como um todo. Até a véspera FHC não apenas negava mudanças como criticava todos os que afirmavam que o câmbio mudaria. Um mês depois defendia as mudanças e ironizava todos aqueles que diziam que o câmbio não iria mudar. Esse episódio afetou profundamente toda a comunicação pública desde então.
          Como proceder, então, na comunicação dos atos de governo e, especialmente, de mudanças institucionais como as que o país atravessa? O primeiro passo é transmitir para a opinião pública a lógica inteira do tema a ser tratado. Aí não se trata de marketing, mas de jornalismo puro. O segundo passo é a criação de indicadores precisos, que permitam construir uma noção de conjunto, relativizando tanto os bons quanto os maus eventos. A partir desse entendimento, a opinião pública estará apta a proceder às críticas corretas e às avaliações precisas. Nesse ponto cabem campanhas de marketing reforçando pontos específicos do modelo.
          O terceiro passo, finalmente, é o governo, como um todo, abrir-se às críticas da sociedade e respondê-las adequadamente.


UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA