DEBATE SOBRE COTAS DIVIDE FÓRUM DA ÁGUA

Carlos Tautz
Free-lance para Folha, em Kyoto

Encontro mundial sobre crise de recursos hídricos começa com divergência entre ONGs e órgãos de financiamento

O Terceiro Fórum Mundial da Água começou ontem em Kyoto, no Japão, já sob divergência. De um lado estão as agencias multilaterais de financiamento, que estimulam investimentos privados para atender a mais de 1,1 bilhão de pessoas sem água potável e 2,4 bilhões sem saneamento em todo
o mundo. De outro, ficam as organizações não-governamentais que defendem que o acesso a uma cota mínima de 50 litros de água por dia seja declarado como um direito de todos os seres humanos.
"Água potável é um direito humano e não apenas uma necessidade", ressalta a advogada Maude Barlow, diretora da ONG canadense Conselho de Cidadãos e uma das líderes do movimento por uma
nova ordem mundial dos recursos hídricos. "Essa não é somente uma diferença semântica. Necessidades podem ser supridas por empresas privadas que cobram caro pela prestação desse serviço. Mas direitos são inegociáveis. Precisam ser respeitados." O Brasil vai defender no Fórum uma terceira posição, segundo o secretario de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, João Bosco Senra. O país sustenta que o líquido é um "bem social", sobre o qual as nações devem exercer sua soberania. Ontem, o presidente da Agência Nacional das Águas, Jerson Kelman, recebeu o Prêmio Rei Hassan 2º por sua contribuição na restauração de bacias hidrográficas e pelas políticas brasileiras na área de recursos hídricos. A terceira edição do fórum, da qual participam 10 mil delegados de 160 países, se debruça sobre as Metas de Desenvolvimento do Milênio, adotadas pela ONU em 2000 para reduzir a miséria até 2025, e no fato de a organização ter declarado 2003 o Ano
Internacional da Água Potável. Em paralelo, aprofundou-se a chamada "crise global da água", uma
complexa e trágica combinação de poluição dos mananciais, desperdício na distribuição e uso final e privatização. A crise levou ecologistas a afirmarem que a questão hídrica é um problema ambiental tão grave quanto o das mudanças climáticas. Segundo o presidente do Conselho Mundial da Água, Mahmud Abu-Zeid, a crise hídrica é "um dos maiores desafios do século 21". Ele pediu o estabelecimento de um novo sistema de financiamento para os países "mais sedentos" e pobres.
A ONU avalia que os 50 litros de água é o mínimo que atende às exigências diárias de cada ser humano: cinco litros para ingestão direta, 20 para higiene e saneamento, 15 para banho e dez para
preparação dos alimentos. As organização quer reduzir pela metade, até 2015, o percentual da população do globo que não tem acesso a esse volume diário. Um dos alvos das críticas das ONGs, o Banco Mundial divulga hoje a sua nova política para financiamento de empreendimentos hídricos. Ian Johnson, vice-presidente do banco para desenvolvimento sustentável, vai anunciar que a entidade aumentará o volume de recursos destinados a projetos relacionados à água, como geração de energia, saneamento e irrigação, que já tomam 17% do orçamento do banco.




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