CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: URGÊNCIAS

CARLOS VOGT


O Brasil está prestes a conhecer o seu novo presidente, e nem sempre é certo que o novo presidente conheça o Brasil que está assumindo. Na hipótese positiva, não custa nada elencar algumas urgências para o sistema de ciência, tecnologia e inovação que podem contribuir, quem sabe, para priorizar ações e otimizar resultados.
A primeira delas diz respeito à necessidade de implementação da lei, hoje projeto, que garantirá o não-contigenciamento dos recursos de ciência, tecnologia e inovação, tal como ocorreu nas áreas de saúde e educação no corrente ano. De fato, quando se considera, de um lado, a riqueza teórica do sistema desenhado nestes últimos anos pelo ministério da Ciência e Tecnologia e, de outro, a parcimônia e a irregularidade dos dispêndios, por razões estruturais ou conjunturais da economia, o sentimento de dúvida e de inquietação da comunidade se torna também uma constante e, assim esperamos, um alerta para futuras decisões.
Não se trata aqui de listar todos os problemas enfrentados nesses últimos anos, mas, antes, de vê-los, compreensivamente, tanto no sentido lógico como no sentido ético e moral. Boa parte desses problemas está ligada a uma razão estrutural que diz respeito à falta de autonomia de gestão financeira do CNPq e do sistema público de ensino superior no país.
No caso do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), é preciso considerar ainda a falta de autonomia política em relação ao MCT, o que ficaria resolvido instituindo-se mandatos para os seus diretores, presidente e vice-presidente. Preservadas as diferenças de objetivos e de campos de atuação, o mesmo pode ser dito em relação à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao Ministério da Educação.
Uma outra medida que deveria ser urgentemente adotada e que requererá um intenso trabalho político do novo presidente, dos ministérios competentes e dos governadores concerne à criação, onde não houver, e ao funcionamento autônomo e regular das fundações de amparo à pesquisa (as FAPs) em cada um dos Estados da União.
Hoje, onde existem, elas funcionam com fluxo irregular de recursos, mesmo com dotações orçamentárias vinculadas e consagradas nas Constituições estaduais. O papel regional dessas fundações para compor a capacidade e o equilíbrio do sistema de financiamento de ciência, tecnologia e inovação no país é fundamental, dado o crescimento da demanda por bolsas e por auxílios à pesquisa, em decorrência, entre outras coisas, do aumento do número de estudantes de pós-graduação (hoje cerca de 140 mil) e do crescimento de cursos (cerca de cem por ano) em todo o país.
O caso da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em São Paulo, é ilustrativo dessa urgente necessidade de reorganizar o sistema de financiamento de pesquisa no Brasil, adequando-o, de um lado, aos desafios quantitativos da demanda crescente e, de outro lado, ao repto qualitativo da avaliação criteriosa dos projetos e dos programas.

Isso sem mencionar o atendimento às condições de regularidade e eficácia integrada e integradora de seu funcionamento. A Fapesp é, no país, a única instituição do gênero que goza plenamente das características acima pleiteadas. Tem um orçamento anual que, nos últimos sete anos, oscilou em torno de R$ 350 milhões e R$ 400 milhões e um amplo espectro de atuação, que envolve desde programas regulares até programas especiais de grande relevância científica, tecnológica, econômica e social.
São Paulo, como é sabido, é responsável por mais de 50% da produção científica do país. Logo, além da demanda que se amplia com o sistema de ensino superior, há também o crescimento de excelência ligado à própria capacidade produtiva do Estado nesse domínio. São Paulo precisa, portanto, de recursos que o sistema estadual oferece e também daqueles cuja origem está no sistema federal.
Acontece que, entre 1995 e 2000, por limitações econômicas e financeiras, o CNPq, por exemplo, para poder socializar a parcimônia dos recursos de que dispõe para todo o país, reduziu de R$ 181,3 milhões para R$ 130,6 milhões o aporte para bolsas e fomento à pesquisa em São Paulo. Acrescente-se a isso o fato de que o país não tem, praticamente, nenhuma infra-estrutura para a produção dos insumos necessários ao desenvolvimento das pesquisas, sendo eles, na sua grande maioria, importados por contratos executados em dólar.
Tome-se mais uma vez o exemplo da Fapesp. Em 2002, o orçamento em dólares da instituição foi reduzido pela metade, se comparado ao de 1996. Essa situação é agravada pelas crises cambiais, como a que agora vivemos e que de tempos em tempos assolam o país, e pelo fato de que um terço do investimento da fundação é comprometido com contratos de importação de equipamentos e de insumos, além do pagamento das bolsas no exterior.
O que vale para a Fapesp, neste caso, vale para o sistema de financiamento à pesquisa no país. Daí a urgência em investir na nacionalização de bens de serviço ou de capital para ciência e tecnologia e, assim, contribuir para desengessar o funcionamento do sistema e reduzir os seus custos.
Há outros pontos prioritários a serem considerados numa agenda de ousadia inovadora. Mas comecemos já pela autonomia do CNPq. O avanço será grande em si e, simbolicamente, um exemplo da vontade política do novo presidente em relação ao fomento da ciência, da tecnologia e da inovação no país.

Carlos Vogt, 59, poeta e linguista, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, é presidente da Fapesp. Foi reitor da Unicamp (1990-94).




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