O Brasil está
prestes a conhecer o seu novo presidente, e nem sempre é certo
que o novo presidente conheça o Brasil que está assumindo.
Na hipótese positiva, não custa nada elencar algumas urgências
para o sistema de ciência, tecnologia e inovação
que podem contribuir, quem sabe, para priorizar ações
e otimizar resultados.
A primeira delas diz respeito à necessidade de implementação
da lei, hoje projeto, que garantirá o não-contigenciamento
dos recursos de ciência, tecnologia e inovação,
tal como ocorreu nas áreas de saúde e educação
no corrente ano. De fato, quando se considera, de um lado, a riqueza
teórica do sistema desenhado nestes últimos anos pelo
ministério da Ciência e Tecnologia e, de outro, a parcimônia
e a irregularidade dos dispêndios, por razões estruturais
ou conjunturais da economia, o sentimento de dúvida e de inquietação
da comunidade se torna também uma constante e, assim esperamos,
um alerta para futuras decisões.
Não se trata aqui de listar todos os problemas enfrentados nesses
últimos anos, mas, antes, de vê-los, compreensivamente,
tanto no sentido lógico como no sentido ético e moral.
Boa parte desses problemas está ligada a uma razão estrutural
que diz respeito à falta de autonomia de gestão financeira
do CNPq e do sistema público de ensino superior no país.
No caso do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico), é preciso considerar ainda a falta de
autonomia política em relação ao MCT, o que ficaria
resolvido instituindo-se mandatos para os seus diretores, presidente
e vice-presidente. Preservadas as diferenças de objetivos e de
campos de atuação, o mesmo pode ser dito em relação
à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior), ligada ao Ministério da
Educação.
Uma outra medida que deveria ser urgentemente adotada e que requererá
um intenso trabalho político do novo presidente, dos ministérios
competentes e dos governadores concerne à criação,
onde não houver, e ao funcionamento autônomo e regular
das fundações de amparo à pesquisa (as FAPs) em
cada um dos Estados da União.
Hoje, onde existem, elas funcionam com fluxo irregular de recursos,
mesmo com dotações orçamentárias vinculadas
e consagradas nas Constituições estaduais. O papel regional
dessas fundações para compor a capacidade e o equilíbrio
do sistema de financiamento de ciência, tecnologia e inovação
no país é fundamental, dado o crescimento da demanda por
bolsas e por auxílios à pesquisa, em decorrência,
entre outras coisas, do aumento do número de estudantes de pós-graduação
(hoje cerca de 140 mil) e do crescimento de cursos (cerca de cem por
ano) em todo o país.
O caso da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo), em São Paulo, é ilustrativo
dessa urgente necessidade de reorganizar o sistema de financiamento
de pesquisa no Brasil, adequando-o, de um lado, aos desafios quantitativos
da demanda crescente e, de outro lado, ao repto qualitativo da avaliação
criteriosa dos projetos e dos programas.
Isso sem mencionar o atendimento às condições de
regularidade e eficácia integrada e integradora de seu funcionamento.
A Fapesp é, no país, a única instituição
do gênero que goza plenamente das características acima
pleiteadas. Tem um orçamento anual que, nos últimos sete
anos, oscilou em torno de R$ 350 milhões e R$ 400 milhões
e um amplo espectro de atuação, que envolve desde programas
regulares até programas especiais de grande relevância
científica, tecnológica, econômica e social.
São Paulo, como é sabido, é responsável
por mais de 50% da produção científica do país.
Logo, além da demanda que se amplia com o sistema de ensino superior,
há também o crescimento de excelência ligado à
própria capacidade produtiva do Estado nesse domínio.
São Paulo precisa, portanto, de recursos que o sistema estadual
oferece e também daqueles cuja origem está no sistema
federal.
Acontece que, entre 1995 e 2000, por limitações econômicas
e financeiras, o CNPq, por exemplo, para poder socializar a parcimônia
dos recursos de que dispõe para todo o país, reduziu de
R$ 181,3 milhões para R$ 130,6 milhões o aporte para bolsas
e fomento à pesquisa em São Paulo. Acrescente-se a isso
o fato de que o país não tem, praticamente, nenhuma infra-estrutura
para a produção dos insumos necessários ao desenvolvimento
das pesquisas, sendo eles, na sua grande maioria, importados por contratos
executados em dólar.
Tome-se mais uma vez o exemplo da Fapesp. Em 2002, o orçamento
em dólares da instituição foi reduzido pela metade,
se comparado ao de 1996. Essa situação é agravada
pelas crises cambiais, como a que agora vivemos e que de tempos em tempos
assolam o país, e pelo fato de que um terço do investimento
da fundação é comprometido com contratos de importação
de equipamentos e de insumos, além do pagamento das bolsas no
exterior.
O que vale para a Fapesp, neste caso, vale para o sistema de financiamento
à pesquisa no país. Daí a urgência em investir
na nacionalização de bens de serviço ou de capital
para ciência e tecnologia e, assim, contribuir para desengessar
o funcionamento do sistema e reduzir os seus custos.
Há outros pontos prioritários a serem considerados numa
agenda de ousadia inovadora. Mas comecemos já pela autonomia
do CNPq. O avanço será grande em si e, simbolicamente,
um exemplo da vontade política do novo presidente em relação
ao fomento da ciência, da tecnologia e da inovação
no país.
Carlos Vogt,
59, poeta e linguista, vice-presidente da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência, é presidente da Fapesp. Foi reitor
da Unicamp (1990-94).
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